quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

2011



Com atraso cortesia das filmagens e de sua ressaca, o nosso blog enfim oficializa o recebimento do PRÊMIO DARDOS, em reconhecimento por sua divulgação cultural. Como disse no post anterior, indicação veio de Antonio Nahud Junior, jornalista e escritor com fascinante experiência de vida e literária, responsável pelo fenômeno que é "O Falcão Maltês" - http://ofalcaomaltes.blogspot.com/.

O prêmio foi criado pelo escritor espanhol Alberto Zambade, que em 2008, em uma postagem do seu blog “Leyendas de El Pequeño Dardo”, resolveu premiar alguns blogs que “reconoce los valores que cada blogger muestra cada día en su empeño por transmitir valores culturales, éticos, literarios, personal, etc.., que en suma, demuestra su creatividad a través su pensamiento vivo que está y permanece, innato entre sus letras, entre sus palabras rotas” (traduzindo: “que transmitem valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras).

Assim, o PRÊMIO DARDOS se espalhou pela Internet, chegando até esta revista eletrônica, lançada em 7 de outubro de 2010, que valoriza o universo cinematográfico clássico. De acordo com as regras, como premiado, o nosso blog deve premiar alguns blogues que visitamos e reconhecemos como fonte de conhecimento e aprendizado cultural. Vamos aos escolhidos:

http://chip.hazard.net
de Sérgio Alpendre


Obrigado Antonio e Zambade!

Últimos filmes:
1. Rocky Balboa (2006), de Sylvester Stallone (DVD) (***)
2. Pagamento Final, O (1993), de Brian de Palma (DVD) (****)
3. Ligeiramente Grávidos (2007), de Judd Apatow (DVD) (***)
4. A Felicidade não se compra (1946), de Frank Capra (DVD) (**1/2)
5. Onde os Fracos não têm vez (2007), de Ethan e Joel Coen (***1/2)
6. Sexta-feira 13 (1980), de Sean S. Cunningham (DVD) (***)
7. Filme Socialismo (2010), de Jean-Luc Godard (Cinema da Ufba) (**1/2)

Ps: Não prometo lista dos melhores do ano, mas espero fazer uma. Pelo menos com os que assisti - ou seja, com aqueles que passaram em festivais ou estrearam em Salvador.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Dardos

Graças a O Falcão Maltês, que colocou este humilde e moribundo espaço foi premiado com o prêmio Dardos. Mais informações podem ser obtidas aqui. Prêmio é bacana, merece ser divulgado, o que farei quando puder.

Mas, se felicidade é grande, tempo é nulo. Não à toa o blog tem respirado por aparelhos. Sobre cinema, sobre o pouco que tenho visto, só falo em endereço de curta que filmo ainda este ano, espero. Após primeira etapa de parto, prometo maior frequência cá. Por enquanto, divago aqui.

Últimos filmes:
1. Sonhos de Mulheres (1955), de Ingmar Bergman (DVD) (***)
2. The Runaways (2010), de Floria Sigismondi (Cinemark) (**1/2)
3. A Rede Social (2010), de David Fincher (Multiplex Iguatemi) (***1/2)
4. Noite de Sexta, Manhã de Sábado (2006), de Kleber Mendonça Filho (Curta - Vimeo) (****)
5. Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos (2010), de Woody Allen (Cine Vivo) (***1/2)
6. Faces (1968), de John Cassavetes (DVDRip) (****)
7. A Sétima Alma (2010), de Wes Craven (Multiplex Iguatemi) (***1/2)
8. Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood (DVD) (****1/2)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Party of five

Apenas cinco filmes vistos nas últimas duas semanas. Até hoje devo um texto a Antonio Nahud Júnior, do excelente O Falcão Maltês. Não é exatamente fácil fazer um curta e ter que pagar contas, especialmente quando ele é fonte de despesa, não de receita.

Acho ótimo, mas tempo vira coisa de elite, assim como filmes dos outros. A média dos últimos vistos, por outro lado, é bem boa. Ao lado, apenas um dos ótimos momentos de Os Anjos Exterminadores (2006), de Jean-Claude Brisseau.

Últimos filmes:
1. Muita calma nessa hora (2010), de Felipe Joffily (Cine Vivo) (**)
2. Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (2010), de Woody Allen (Cabine de imprensa - Cinépolis) (***1/2)
3. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (Cinemark) (****1/2)
4. Vampiros de John Carpenter (1998), de John Carpenter (DVD) (***1/2)
5. Os Anjos Exterminadores (2006), de Jean-Claude Brisseau (DVD) (***1/2)

Ps: Enfim enviei texto a Antonio e, desde ontem, já estão no ar mais impressões sobre A Noite Americana (1973), de Truffaut. Em http://ofalcaomaltes.blogspot.com/2010/12/um-problema-de-amor.html

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Gêneros e continuações

Tropa de Elite 2: O Inimigo agora é outro é um filme pós-crítica – e não (apenas) cinematográfica. Quando o Capitão Nascimento diz que o deputado Fraga “vive me chamando de fascista”, é como se Padilha respondesse ao norte das acusações do primeiro filme. Agora a questão é plural: Capitão Nascimento prossegue com sua mentalidade que tende ao reacionário, mas temos o deputado Fraga do outro lado, a esquerda. Os dois lados apresentam momentos de caricatura, mas são bem menos salientes que os golpes que Padilha desfere para quase todos os lados.

A combinação dos gêneros de ação e policial está mais bem acabada, com a inevitável lembrança de Bons Companheiros (1990), obra-prima de Martin Scorsese para quem o filme parece bater continência. A onipresente narração opinativa, um cena do meio na abertura dos créditos, as imagens frisadas em momentos de voz off, a carnificina como prelúdio para o final, e mais coisas que não me lembro. A diferença é que, na mescla de gêneros, Scorsese investe em estilização audiovisual que aproximam o filme dele, enquanto Padilha abraça as convenções para se diferenciar no algo a dizer. O que ele tem (como conteúdo, além do domínio técnico), de uma maneira que consegue ser mais política (por agradar a maioria) e relevante (bem menos simplória) que no primeiro filme.

Caso oposto é o de Atividade Paranormal 2, onde a fé na franquia é bem maior que a no gênero. Voltamos a tomadas longas e estáticas, voltamos à tentativa de fazer o não visto provocar medo, voltamos a, em momentos ápice, câmera tremida e mise-en-scène confusa. Só que sem metade do efeito.

A dose de radicalização do primeiro filme trazia um mérito ligado a recursos pouco usados no horror recente. Nos melhores momentos daquele, tínhamos a força do minimalismo, de uma novidade que nada tinha de novo, mas sim de "esquecida". Desde a Bruxa de Blair (1999), quase dez anos antes, talvez ninguém tenha explorado tão bem o baixo-orçamento para o gênero. Agora, não: passou-se um ano, o efeito ainda era forte. Ao invés de uma continuação, tem-se um decalque mal feito. Uma pena.

Últimos filmes:
1. Tropa de Elite 2 (2010), de José Padilha (Shopping Barra) (***1/2)
2. A Suprema Felicidade (2010), de Arnaldo Jabor (Cine Vivo) (***)
3. Atividade Paranormal 2 (2010), de Tod Williams (Multiplex Iguatemi) (**)
4. Eu Matei Minha Mãe (2009), de Xavier Dolan (Cinema do Museu) (**1/2)
5. A Bela Junie (2008), de Christophe Honoré (Telecine Cult) (***1/2)
6. Tropa de Elite 2 (2010), de José Padilha (Cine Vivo) (****)
7. Interiores (1978), de Woody Allen (DVD) (**1/2)
8. Senna (2010), de Asif Kapadia (Multiplex Iguatemi) (***1/2)
9. A Noiva Estava de Preto (1968), de François Truffaut (DVD) (***1/2)
10. Pacto de Sangue (1944), de Billy Wilder (DVD) (****1/2)
11. Profissão Repórter (1975), de Michelangelo Antonioni (DVD) (***)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Sobre últimos dias

Embora admire Visconti, é curioso como seus filmes – ou pelo menos os que já vi – não batem à primeira vista. Ao final de Belíssima (1951), quase digo “não gostei”, em situação idêntica a Morte em Veneza (1971), Noites Brancas (1957) e O Leopardo (1963), três que preciso rever.

Nesse campo, inclusive, dois dos filmes revisitados mostraram-se distintos de impressão inicial.

Na primeira vez que assisti a A Dupla Vida de Veronique (1991), de Krzysztof Kieslowski, estava na mais fanática fase consumista, resumia aos filmes a “compro ou não compro o DVD”. Na época, queria-o loucamente, já que apenas o final me incomodou, por parecer uma tentativa de explicação poética. “Mas que poesia?”, me pergunto hoje. O filme soou um Kieslowski apenas envernizado, sem a inspiração da maior parte de seu Decálogo (1989).

Por outro lado, e aí vem uma bomba, como consegui não gostar do primeiro contato que tive com François Truffaut e seu Jules e Jim (1962)?

Dia desses relia o Grandes Diretores de Cinema e vi que o filme, ou mais especificamente seu início, foi influência até para nada menos que Bons Companheiros (1990), de Martin Scorsese. Com o olhar de hoje, e a lembrança de algumas idas à obra-prima de Marty, filmes são bem diferentes, e cada um ligado a seu tempo, sem parecerem datados por isso.

No caso de Truffaut, todo o contexto do avanço do feminismo, com a Segunda Guerra ainda na memória da maioria dos vivos, mas também uma história sobre pessoas com muito sentimento e nem tantas respostas ou soluções felizes. Pessoas que nunca deixarão de existir.

Já em Scorsese, presenciamos a linguagem MTV elevada a um perceptível e inimaginável grau de controle, só que aliado ao ápice de sua montadora Thelma Schoonmaker. Depois dali, ela estreitou sua ligação com a tesoura, mas Ilha do Medo (2010) voltou a lembrar o que podemos ter de melhor dele. Que continuem assim.

Últimos filmes:
1. A Dupla Vida de Veronique (1991), de Krzysztof Kieslowski (DVD) (**1/2)
2. Jules e Jim – Uma Mulher para Dois (1962), de François Truffaut (DVD) (****)
3. Piaf: Um Hino ao Amor (2007), de Oliver Dahan (DVD) (**1/2)
4. Enfim Viúva (2007), de Isabelle Mergaut (Cine Vivo) (**1/2)
5. Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese (DVD) (****)
6. Dois Irmãos (2010), de Daniel Burman (Cinema do Museu) (***)
7. Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders (DVD) (***)
8. Belíssima (1951), de Luchino Visconti (DVD) (***)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Fim

Caros e caras,

Hoje, pelo menos por enquanto, paro de escrever semanalmente por aqui. Para os que não ficam feliz com a decisão, se é que existe alguém com tal pensamento, deixo claro que a ideia já flertava comigo há algum tempo. Se não é algo definitivo, também não é inconsequente.

Nesses dois anos da coluna 70mm, que começou impressa em outubro de 2008 em O Trombone, escrevi textos que me agradaram, outros nem tanto. Faz parte do ser crítico, especialmente quando a periodicidade independe da inspiração.

Outro porém é que, cada vez mais, os textos me agradavam menos. O amor pelo cinema e o amor pelas palavras se juntaram à auto-crítica e tornou decisão inevitável.

Há quase dois anos, depois de investir em e fundar projeto, deixei de lado. Sabia de seu potencial, todos do meio sabem da referência internacional que virou, mas se sinto orgulho de ter sido parte, sei que o fim foi melhor para os dois. (Falo do Olheiros.) Se tivesse continuado, o projeto não andaria tão bem, pois não teria o melhor de mim, que talvez não tivesse hoje o carinho e a afeição que tenho por quem ali foi parceiro.

O mesmo vale para hoje. Agradeço a Domingos (O Trombone) e a Davidson (Pimenta na Muqueca) pela oportunidade. Mas, vocês sabem, existem as outras atividades, os outros projetos, os outros sonhos. E em meio a tudo isso, existe o prazer e o tempo.

Com a coluna, com o que sinto escrevendo-a e relendo-a, eles estão cada vez mais escassos. Longe de ser exclusivo, não vivo sem eles. Se ler, ver e escrever são necessidades, gostar do resultado também é. O retorno dessa sensação, não tenho dúvidas, significará o retorno dos textos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Cabeça a Prêmio*



O poder da dúvida

É difícil falar de Cabeça a Prêmio (idem - 2009), estreia de Marco Ricca na direção, sem entrar no seu desenvolvimento. Para evitá-los, melhor dizer que, como gênero, vai além da competência, e ressalvas, embora pareçam claras, potencializam roteiro em resultado forte e corajoso.

São mundos diferentes de pessoas que residem ou convivem em mesma área, na zona fronteiriça de Brasil, Paraguai e Argentina. Temos um latifundiário, que não é apenas isso, temos um funcionário que não se limita à propriedade, e temos histórias que não se cruzam, mas que nascem convincentemente interligadas.

Um assassinato nos apresenta à história. Os personagens de Eduardo Moscovis e Cássio Gabus Mendes desempenham a mesma função, mas se mostram com personalidades opostas. O porém é que Marco Ricca investe em um realismo tão forte quanto convincente em todo o resto do elenco (muito bom, de Fulvio Stefanini a Alice Braga e o uruguaio Daniel Hendler). Com isso, não dá para enxergar os dois como arquétipos parte do suspense e do drama, mas figuras próximas a caricaturas em tom destoante do filme. O que se torna ainda mais visível no fim, quando reviravolta é tão inesperada quanto coerente com esse comportamento.

Mas se o desfecho – e a sequência – da cena que reúne quatro elementos, por um lado, tem esse porém, a última tomada é nada menos que brilhante, como quase todo o resto do filme.

O movimento é tenso e lento, mas justificável e compreensível. Ali, como nas outras quase duas horas de projeção, temos alguém com domínio do meio, um diretor de talento que parece estar no quarto ou quinto longa-metragem do gênero, e que ainda tem perceptível algo a dizer. Vemos o medo e a incerteza, o ódio e o sangue, da família e o escorrido. Tudo em meio a algo que, como ela, sempre teremos: a dúvida.

Visto no Espaço Unibanco/Cine Glauber Rocha – Salvador, outubro de 2010.

Ps infeliz: único filme visto na semana.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Apenas o Fim*



Um início

No fim das contas, o que mais fica de Apenas o Fim (idem – Brasil, 2008), de Matheus Souza, é a expectativa do porvir. Não só pelo fato de o diretor ter apenas 19 anos quando o fez, mas também porque o que ali existe de discutível parece ser (em visão otimista) menos um problema e mais um modo simples de fazer cinema.

São dois personagens, um homem e uma mulher (os bons Gregório Duvivier e Érika Mader), que diz estar de partida e que tem apenas uma hora para ficar com ele. Woody Allen e Domingos Oliveira, Richard Linklater e seu Antes do Pôr-do-Sol são as óbvias e principais referências ou lembranças. São, em suma, 80 minutos de um filme falado, calcado na palavra de dois personagens e de poucos coadjuvantes.

Pode-se dizer que a mise-en-scène beira o desleixo de tão minimalista, mas sua função parece ser, primeiramente, não atrapalhar o texto; pode-se ainda frisar a crítica ao alegar que ou ele não domina a linguagem, ou a relega para segundo plano.

Por outro lado, da mesma forma que o conteúdo de alguns filmes está na forma, no estilo, é lógico dizer que a relevância de sua obra está no diálogo, na escrita a mão. A palavra é o que importa, a comédia vem em seguida. E nos dois casos ele funciona, especialmente por causa do caráter nonsense, que atinge níveis estratosféricos.

São comentários sobre Backstreet Boys, Star Wars, Transformers e Godard; aranhas, terapia, He-Man, e Itabuna e sua mosquitada.

Em quase todos esses momentos, todavia, Matheus Souza deixa clara a diferença de investimento, a límpida preferência de profundidade para o homem. Ele é tão mais interessante quando fala que ela se assemelha a um subterfúgio para que ele (personagem) divague, da mesma maneira que o audiovisual fica como apenas o meio para que ele (diretor) exercite o que sabe fazer. Quando se exige uma sensibilidade mais aguçada, como no momento em que o casal chora, ele (via atores) demonstra que não transpõe a sensação, para a tela, com a mesma fluência.

Ao término, pode-se falar em exibicionismo, como também pode-se dizer que, pelo menos aqui, Matheus Souza dá sinais de ser mais esperto e inteligente que cinematográfico. Mas esse porém, pequeno, pode ser uma simples questão de (falta de) experiência. E, mesmo que não seja, seria ótimo se as falhas da média de filmes do gênero, no Brasil, fossem como as daqui.

Visto em DVDRip – Salvador, setembro de 2010.

Filmes da semana:
1. Lola Montés (1955), de Max Ophüls (DVDRip) (***)
2. Coco Chanel e Igor Stravinsky (2009), de Jan Kounen (Cinema do Museu) (***)
3. Uma Mulher é Uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (***1/2)
4. Noite de Estréia (1977), de John Cassavetes (DVDRip) (****)
Curta:
5. Os Filmes que eu não fiz (2008), de Gilberto Scarpa (Canal Brasil) (**1/2)
6. Noite de Sexta Manhã de Sábado (2006), de Kleber Mendonça Filho (Vimeo) (****)

Filmes do mês:
10. Uma Mulher é Uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (***1/2)
9. O Sol por Testemunha (1960), de René Clément (DVD) (***1/2)
8. Apenas o Fim (2008), de Matheus Souza (DVDRip) (***1/2)
7. Tudo Pode dar Certo (2009), de Woody Allen (Cinema do Museu) (***1/2)
6. Meu Nome é Sabine (2007), de Sandrine Bonnaire (Sala Walter da Silveira – DVD) (***1/2)
5. Noite de Estréia (1977), de John Cassavetes (DVDRip) (****)
4. Antes do Amanhecer (1995), de Richard Linklater (Cine Vivo – DVD) (****)
3. Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut (Sala Walter da Silveira – DVD) (****)
2. Antes do Pôr-do-sol (2004), de Richard Linklater (Cine Vivo – DVD) (****1/2)
1. Lola (1982), de Rainer Werner Fassbinder (DVD) (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme*




A puta que nunca dorme

Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme
(Wall Street - Money Never Sleeps 2010, EUA) é, basicamente, o Oliver Stone (Assassinos por Natureza, Platoon, JFK) de sempre. Aquele que usa o que critica, aquele que é a incoerência personificada na arte que faz. Mas, isto à parte, a continuação do filme de 1987 é um dos filmes menos infelizes do diretor.

Gordon Gekko (Michael Douglas) é enfim solto, sua filha Winnie é namorada de Jake Moore, (Shia LaBoeuf) homem de Wall Street, no que pode soar tanto como imprevisto do funcional destino como outra manipulação pouco convincente de Stone. Com sua tradicional sutileza de elefante, a abertura mostra como pai e filha, cada um na sua visão, reagem à libertação do Gekko mais velho.

Durante mais de duas horas, Stone bate na bolsa de valores, na especulação, na obsessão por ganhos, empréstimos e negócios; em suma, ele dá (de novo) várias pauladas no capitalismo essencialmente norte-americano. Em meio a isso, ele acrescenta mudanças de rumo de personagens, dramas e crises familiares. Tudo é até bem escrito e amarrado, dentro dos padrões Stonianos, e atuado (sejamos justos, ele não é um ruim diretor de atores), e o maniqueísmo não é tão extremo: tanto Gordon como Jake têm momentos ruins. Até Stone fazer o que, normalmente, ele faz.

A família, a obsessão pelo dinheiro e o que o seu excesso faz, são dois dos pilares do american way of life que Stone tanto combate, mas são justamente o dinheiro e a família falam mais forte; deu tudo certo, no melhor estilo americano. Pode-se dizer que ele faz uma constatação, só que o cheiro não é de um olhar, de uma opinião, mas de um determinismo aliado a concessão – mesmo que insconsciente, caso ele tenha tido o corte final. A crítica que ele faz se dilui, o final não deixa espaço para a dúvida ou a ironia.

Em uma das falas de Gordon, ele diz que “o dinheiro é uma puta que nunca dorme”. Ela é apenas uma das interessantes frases de efeito e boas ideias do filme, cheio delas. Mas, desde a poluição e a confusão das telas divididas ao didatismo da amostra da alternativa energética, Stone acredita mais em seus ideais que na construção que possa fazer alguém levá-lo a sério como tudo que parece querer ser: antropólogo, sociólogo, político e, quando possível, cineasta. Bons momentos se perdem em meio às opções dadas pela puta que nunca dorme.

Visto, em cabine de imprensa, no Cinemark – Salvador, setembro de 2010

Filmes da semana:
1. Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut (Sala Walter da Silveira – DVD) (****)
2. Quem Matou Leda (1959), de Claude Chabrol (Sala Walter da Silveira – DVD) (**1/2)
3. Apenas o Fim (2008), de Matheus Souza (DVDRip) (***1/2)
4. Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme (2010) (Cinemark – Cabine de imprensa) (**1/2)
5. Insolação (2009), de Felipe Hirsch e Daniela Tomas (Cinemark) (**)

* Coluna 70mm também publicada em www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nosso Lar*




O cinema morre

Em Nosso Lar (idem – Brasil, 2010), Wagner Assis pode deixar muitos com vontade de morrer. Se esse foi seu desejo, bingo; mas se ele quis chegar a um resultado que, além da religião, demonstrasse fé no meio usado para tal, ele falhou.

Desde toda a publicidade envolvendo as cifras (teoricamente R$ 20 milhões), muito se falou dos efeitos especiais. O porém é que quase todas computações gráficas chamam mais atenção para si que ajudam na criação de um filme além do deleite de imagens. Por “imagens”, no entanto, vejo uma espécie de deslumbramento “arquitetônico” e religioso que não vão além disso. As palavras, as imagens, os efeitos, todos são apenas belezas individuais (palavras e efeitos nem isso) e narcisistas; não formam um todo.

Assis não parece acreditar no cinema que faz, mas na ideia que faz do que seria um cinema se feito no mundo espiritual. Uma mistura entre Niemeyer (citado por Inácio Araújo) e Walt Disney com efeitos americanos década de 80; só que acrescido de açúcar e álcool. A soma é mundo perfeitamente asséptico no qual, entre reacionários, encarnações e fins, há sempre uma nova chance.

É nisso que Assis acredita, o que ele deixa claro a cada cena, muito mais do que cinema. A quem ele não deu chance alguma.

Visto no Shopping Barra – setembro de 2010 .

8mm
Superoutro
Poderia falar horas sobre Superoutro (1989), de Edgard Navarro, mas dificilmente falaria algo de novo ou, pelo menos, relevante. Dito isto, só friso uma impressão: não sei em qual filme dos últimos 20 anos, entre os feitos aqui, temos uma Salvador tão pulsante. Se há, ou não vi ou não lembro.

Filmes da semana:
1. Antes do Pôr-do-sol (2004), de Richard Linklater (Cine Vivo – DVD) (****1/2)
2. Nosso Lar (2010), de Wagner de Assis (UCI Orient Shopping Barra) (**)
Curta:
3. Gibraltar e as Bicicletas (2009), de Marccela Vegah (Youtube) (***)
Média:
4. Superoutro (1989), de Edgard Navarro (TVRip) (****)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Tudo pode dar certo*




Ainda dá certo

No retorno a Nova Iorque, com Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works – EUA/ França, 2009), Woody Allen se liberta de vez. Não que ele estivesse enclausurado, mas se especialmente em Match Point e Sonho de Cassandra ele esteve naturalmente ligado a projetos densos e tensos, limitado pelo tema e testado pela necessidade de domínio do drama e até certo ponto do suspense, aqui ele volta a despejar toda sua veia cômico-pessimista. A aparência de completa despreocupação com a formalidade dos outros filmes é tão gritante quanto saudável, e mostra que ele ainda pode oscilar com algum êxito entre extremos.

Aqui, ele está menos Dostoievski e mais Groucho Marx. Seu pessimismo – através de Boris Yelnikof (ótimo Larry David) –, é direto, ofensivo, jogado na cara do espectador quase que literalmente, só que sem deixar de ser jocoso. Como em Annie Hall, e provavelmente em outro filme que não lembro, ele volta a falar para a câmera. As sempre presentes e funcionais caricaturas usadas quando busca o riso, por sua vez, são influenciadas como nunca pelo acaso (naturalmente “fabricado” por ele), mas essa obsessão talvez contribua para tornar as caricaturas e as mudanças menos críveis que nos melhores momento do autor.

Nesse caso, o maior exemplo é a pudica interiorana que chegou à meia idade com raros contatos sexuais com apenas um homem, e que, graças a um latente talento para fotografia, se descobre. A mudança é radical para o liberalismo: ela passa a ser a insaciável artista, com orgulho de, e que vive com dois homens.

Pode-se alegar, com boa dose de razão, que tanto o humor como o cuidado na escrita de Allen já foram mais sutis. Essa até certo ponto indelicadeza, contudo, está em sintonia não apenas com o estado bruto e inesperado de determinadas “sortes”, mas também com o que Boris pensa da vida.

Entre sequências louváveis, é inevitável lembrar o porquê de seu primeiro relacionamento ter dado errado, o momento em que Beethoven bate à porta de Melody (a sempre capaz Evan Rachel Wood), o raciocínio em que um personagem justifica o “fato” de Deus ser gay, e quase tudo falado por Boris.

Mesmo quando sua rabugentice talvez o leve a um aparente (e talvez exista) desleixo, aos 75 anos, Woody Allen ainda passa a impressão de ser alguém com certo tesão em filmar, com algo a dizer. Imaginá-lo ainda filmando, no Rio, com Carla Bruni, são coisas que ainda trazem expectativa.

Revisto no Cinema do Museu – Salvador, setembro de 2010.

Filmes da semana:
1. Antes do Amanhecer (1995), de Richard Linklater (Cine Vivo – DVD) (****)
2. Lola (1982), de Rainer Werner Fassbinder (DVD) (****1/2)
3. Os Intocáveis (1987), de Brian de Palma (DVD) (***)
4. O Sol por Testemunha (1960), de René Clément (DVD) (***1/2)

* Coluna 70mm também publicada em www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Apenas um Beijo*



Além do beijo

Apenas um Beijo
(Ae Fond Kiss – Inglaterra/ Bélgica/ Alemanha/ Itália/ Espanha/ 2004), de Ken Loach, pode ser vista como apenas mais uma história de amor com doses de impossibilidade. Não é – ainda que sua exceção esteja mais no conflito que na execução.

Aqui, Loach deixa um pouco sua vertente operária, que por vezes não (me) convence, para investir em melodrama amoroso com potencial imenso. Ele trabalha com alguns dos principais problemas causados por um relacionamento entre (teoricamente) um muçulmano paquistanês e uma inglesa católica.

Convenhamos, uma coisa teoricamente já saturada é a crítica aos radicalismos e puritanismos de determinadas religiões, mas a sua abordagem ganha força porque exemplifica mais do que fala. Para isso, no entanto, ele não precisa caricaturar demais os que estão nelas. Dentro do possível, ele humaniza todos os lados.

Logicamente, ao se tratar tema tão espinhoso e complexo, pode-se massacrar Loach e seu final aparentemente simplório, como – o que prefiro – pode-se dizer que ele escolheu um final seguro; que os outros podem chamar de covarde.

Ele deixa claro que as polêmicas são muito maiores que seu alcance, e que ele prefere soltar vários questionamentos, não resolvê-los.

Como tratado sobre diferenças, expõe até o que acha válido para o tipo de filme que fez. Menos político e mais romântico. Sem a pretensão de revolucionar, funciona relativamente bem nos dois casos.

Visto no Cine VivoSalvador, agosto de 2010.

Filmes da semana:
1. Meu Nome é Sabine (2007), de Sandrine Bonnaire (Sala Walter da Silveira – DVD) (***1/2)
2. Nós que aqui estamos por vós esperamos (1998), de Marcelo Masagão (Cinema da Ufba – DVD) (**1/2)

3. Tudo Pode dar Certo (2009), de Woody Allen (Cinema do Museu) (***1/2)


* Coluna 70mm também publicada em www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Os Mercenários*




Potencializado por verdade cruel

Se for para escolher apenas uma palavra que resuma o que Sylvester Stallone tem feito desde Rocky Balboa (2006), ela é honestidade – mas a limitação é injusta. O homem que nasceu para ser Rocky, e personificou Rambo, chega em Os Mercenários (The Expendables – EUA, 2010) a uma feliz mistura dos dois; com o adendo de que a clara dose de anacronismo não está no filme, mas nos personagens – o que torna o resultado ainda mais atraente.

Como geralmente acontecia com Rocky, tudo aqui remete a um retorno inesperado na vida real. Não só na premissa e no elenco (com ele, Schwarzenegger, Mickey Rourke e Bruce Willis em filme de ação), mas também no caso de Gunner (Lundgreen).

O Rambo são todos eles, potencializados por viverem em época marcada pelo política e irritantemente correto, que não comporta mais Rambos. Mas comporta cada vez mais gente que faz qualquer coisa por dinheiro, onde se encaixam. Essa é a impressão passada por todos eles, isso é o que eles fazem questão de dizer. No entanto, o que toca é a dignidade (latente ou não) de cada um deles, mercenários por opção.

Na conversa entre Tool (Mickey Rourke) e Barney (Stallone), este pergunta o que pode levar a filha do ditador da ilha de Vilena a não deixar o lugar. “Uma causa”, responde Tool, “nós não temos mais pelo que lutar, ela sim”. Na mesma fala, Tool conta acontecimento que, para ele, marcou a última oportunidade de salvar sua alma. Oportunidade que ele perdeu.

Ali, Rourke e Stallone se confundem com seus personagens, todos passam a representar uma geração alienada – em outra análise, a “década perdida” dos anos 80.

A década onde havia ditadura ou resquícios dela na América do Sul, ditadura que temos no filme. Este fato, todavia, é um subterfúgio, não o foco. Embora o começo na Somália pareça ligado a uma postura política atual, a preocupação de Sly com a vida real parece existir apenas (ou muito mais) para potencializar o efeito do cinema que faz.

É o que acontece quando vemos aqueles senhores de volta à pancadaria, é assim quando vemos Sly apanhar, é assim quando vemos a aparição de Schwarzenegger.

Disfarçada de picaretagem com um quê digno de antologia, assim como quase todos os diálogos (Stallone em parceria com Dave Callaham), a cena começa genial, tanto pelas imagens como pela palavra (“tinha que escolher meu maior rival?”), e termina melhor ainda com um “ele quer ser presidente”.

Nela, novamente, Sly se utiliza de um passado e de um presente de imagens e conceitos coletivos para fazer o cinema turbilhar de maneira que, se está longe de ser a mais brilhante no sentido acadêmico de filmar (o que ele abandonou), é das mais pessoais. Com o mérito maior não para caráter político (que não pode ser levado a sério), não para a decupagem das cenas de ação (ininteligíveis em momentos, competentes na maioria das inúmeras outras vezes), mas para o que ele fez com o seu cinema. Que – outra vez o final é prova disso –, além de não comportar mais emoções baratas, não se resume a uma simples egotrip. O que ele faz é um cinema, e dos bons.

Visto no UCI Multiplex Iguatemi – Salvador, agosto de 2010

8mm
Tinha escrito também um texto (para a 8mm) sobre o bom Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach, mas perdi tudo com morte do computador. Como já era quinta, e tinha perdido também o texto sobre Sly, decidi (re)escrever apenas um. Agradeço a compreensão.

Filmes dos últimos 15 dias:
1. Vincere (2009), de Marco Bellocchio (Cinema do Museu) (***)
2. Todas as Noites (2001), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
3. A Religiosa Portuguesa (2009), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
4. O Último Mestre do Ar (2010), de M. Night Shyamalan (UCI Multiplex Iguatemi Cabine de imprensa) (**1/2)
5. Labirinto de Paixões (1982), de Pedro Almodóvar (**1/2) (DVDRip)
6. O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (2009) (**1/2)
7. Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach (2004) (Cine Vivo) (***1/2)
8. Os Mercenários (2010), de Sylvester Stallone (***1/2) (UCI Multiplex Iguatemi)
Curta:
9. Doido Lelé (2010), de Ceci Alves (Sala Walter da Silveira) (**1/2)

Melhores do mês:
10. Uma Noite em 67 (2009), de Renato Terra e Ricardo Calil (Cinema da Ufba) (***)
9. Canção de Baal (2010), de Helena Ignez (Teatro Castro Alves) (***)
8. Vincere (2009), de Marco Bellocchio (Cinema do Museu) (***1/2)
7. Todas as Noites (2001), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira - DVD) (***1/2)
6. Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach (Cine Vivo) (***1/2)
5. A Religiosa Portuguesa (2009), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
4. Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto (2007), de Sidney Lumet (2007) (***1/2)
3. Os Mercenários (2010), de Sylvester Stallone (UCI Multiplex Iguatemi) (***1/2)
2. O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski (****)
1. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada em http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 21 de agosto de 2010

Tô Frito

Especialmente para os soteropolitanos, estreei nessa semana como blogueiro do Terra. Diariamente, de segunda a sexta, escrevo sobre a cidade e minha relação com ela.

Ainda tateio postura. Critiquem: http://tofrito.terra.com.br/blog/bahia

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sem texto

Por problemas diversos, sem texto nessa semana. Na próxima sexta-feira, no entanto, a 70mm volta à ativa normalmente.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma Noite em 67*




Saudosismo inerente


Exibido em impecável cópia digital (o que é difícil de acontecer e acreditar), Uma Noite em 67 (idem – Brasil, 2010), de Renato Terra e Ricardo Calil, é um filme que se apresenta tão generoso quanto apaixonado pelas imagens do festival que retrata. É um filme que nasce inevitavelmente velho e datado, mas sem a impressão de que isso seja ruim. Por outro lado, a paixão e o respeito que cativam são os mesmos que, aparentemente, assumem o protagonismo ao prejudicar o ritmo e fazer o filme flertar com um mais do mesmo que beira ou atinge a monotonia.

Temos aqui o último dia do festival de 67, que incluiu, entre outros, Chico Buarque, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Sergio Ricardo e Os Mutantes. São longos períodos sem cortes, músicas executadas e reexibidas na íntegra, com introdução e aplausos/vaias incluídos.

Os depoimentos atuais são, digamos, submissos ao passado. (Bem diferente, por exemplo, de Filhos de João, de Henrique Dantas, documentário sobre os Novos Baianos onde a importância maior é do presente e dos casos e causos contados.) O filme não é o que ele conta, mas o que já foi contado, aqui acrescentado de uma ou outra nuance atual – e projetado em tela grande.

Nesse ponto, a atitude é tão humilde quanto louvável. Não temos, hoje em dia, nem uma televisão com tamanha ousadia, nem plateia tão ensandecida. Pode-se falar, com razão, em público mal educado, mas a falta de educação que existiu em alguns momentos era também símbolo de um caráter crítico e apaixonado daqueles ali presentes.

Os momentos eram outros, vigorava a ditadura, mas também era uma época em que ser um músico sorridente e carismático não significava, necessariamente, ser imbecil.

É verdade, todavia, que o ritmo do filme se perde, até porque é complicado manter a toada quando grandes blocos são entrecortados com depoimentos que vão de poucas frases a divagações grandes – os 85 minutos parecem muito mais.

Ainda assim, um mérito gigantesco de Uma Noite em 67 é exibir uma força descomunal que já teve a música popular (e em escala menor, até a TV) brasileira. Formada por pessoas que, como filmadas, não são mitificadas (até porque não mais precisam, em alguns casos), e se mostram de carne, osso, talento e imperfeições. São, como merecem, respeitadas. Como o passado e o que fizeram, o que o filme mostra com tanta modéstia quanto orgulho.

Visto no Cinema da Ufba – Salvador, agosto de 2010.

Filmes da semana:
1. Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto (2007), de Sidney Lumet (DVD) (***1/2)
2. Uma Noite em 67 (2009), de Renato Terra e Ricardo Calil (Cinema da Ufba) (***)
3. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (Cinema da Ufba) (****1/2)

Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Origem*




Sonhos diluídos

Não tenho dúvidas de que A Origem (The Inception – EUA, 2010), de Christopher Nolan, é um filme cheio de boas ideias. O problema é que todas elas (via roteirista-diretor, aqui a mesma pessoa) se mostram mais apaixonadas por si mesmas que interessadas em serem transpostas para a tela.

Temos a realidade, o sonho, os sonhos dentro dos sonhos, a intenção de inserir uma idéia na cabeça de outro. Ou seja, temos idas e vindas, temos a falta de controle, temos dúvidas. Temos um caleidoscópio fascinante e megalômano, temos ficção científica.

Em meio a isso, Nolan ainda tem a audácia de nos jogar ideias que, provavelmente, são muito mais interessantes lidas que faladas como foram. Ele parece evocar Freud e afins, mas não se lê Freud com a mesma velocidade e postura que se lê uma (específica) burocrática matéria jornalística que, passados 30 segundos, você não lembra mais do que leu.

Quando um filme de gênero (aqui, de mescla de gêneros – ação e ficção científica) traz tanta densidade de conteúdo, é necessário um mínimo de tempo para respiração. Tudo indica, todavia, que a crença de Nolan estava, prioritariamente, no texto, até porque não visualizo ninguém que passe (a confirmar veracidade disso) dez anos escrevendo cenas de ação – o tempo gasto com elas, naturalmente, é muito maior durante e depois das filmagens. Mas as palavras de Nolan, nas quais ele tanto parecia crer, não importa na boca de quem esteja (Di Caprio, Ellen Page ou Marion Cotillard), ou já nascem mortas, ou morrem por asfixia.

Soa evidente que ele queria fazer de A Origem algo além do heroísmo de quadrinhos (de seus dois Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas), do malabarismo temporal (Amnésia), e de truques de mágicos (O Grande Truque). Como diretor, no entanto, ele não consegue sair da ação genérica (ou competente, a depender do ponto de vista) como norte de seu jeito de dirigir.

O maior diferencial de A Origem, no fim das contas, está na imagem; mas ela deslumbra muito mais pelo cuidado em filmá-la tão crível, do que pelo que ela, de fato, diz – e não sei se essa foi a intenção. Sobra gordura (seja no excesso de informação falada, seja na duração de cenas de ação que pouco dizem), e falta a capacidade de dar ao espectador a possibilidade de refletir sobre o que ele, Nolan, tão cuidadosamente escreveu e revisou. Longe de ser medíocre, é uma pena por se perder entre o potencial (do filme) e o que (ele) poderia – ou gostaria de? – ser.

Visto, em cabine de imprensa, no UCI Multiplex Iguatemi – Salvador, agosto de 2010.

8mm
O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski, se aproxima da mistura ideal entre minimalismo de câmera, elegância, boas referências e, obviamente, talento. Como se não bastasse o término monumental (uma panorâmica que termina em angulação teoricamente não indicada em aulas de direção, um brinde, a busca por ele, e – por fim – vários segundos de câmera parada), vale destacar a trilha sonora e a presença de quase um mito.
Alexandre Desplat, colaborador de Jacques Audiard mas assentado em Hollywood (Lua Nova, O Fantástico Dr. Fox, Benjamin Button), faz um trabalho primoroso na potencialização da atmosfera sombria do filme. E, prestes a completar 95 anos, podemos ver Eli Wallach, o Tuco de Três Homens em Conflito: O Bom, o Mau e o Feio (1966). Depois dos 80, ele trabalhou com Polanski e Eastwood – em Sobre Meninos e Lobos (2003). Nada mal.
Ps: Filme para lá de acessível, já tinha saído de cartaz da cidade, mas voltou graças à Sessão Cinecult, projeto do Cinemark. Que lá prossiga essa semana.

Filmes da semana:
1. O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski (Cinemark) (****)
2. A Origem (2010), de Christopher Nolan (Multiplex Iguatemi – cabine de imprensa) (**)
Semcine (sexta, 30 – sábado, 31):
3. Canção de Baal (2010), de Helena Ignez (Teatro Castro Alves) (***)
4. Dawson Isla 10 (2009), de Miguel Littín (Teatro Castro Alves) (***)

* Coluna 70mm também publicada em www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

À Prova de Morte*




















À prova de riscos


A sensação de ver e rever À Prova de Morte (Death Proof – 2007, EUA), filme de Quentin Tarantino anterior a Bastardos Inglórios (2009) e só agora lançado no Brasil, equivale à (para mim hipotética) experiência vivida por um piloto de Fórmula-1 durante uma volta em circuito ideal de alta velocidade. Embora já tenhamos uma noção, graças ao resto do espaço, de como a velocidade tende a aumentar, a largada acontece já próxima da primeira curva, e a volta se inicia lenta. As outras quedas de velocidade são cuidadosas pausas para evitar que piloto e público se entediam em meio a toda aquela velocidade e volúpia, a princípio latentes, e que atingem o ápice – e o consequente risco – em dois momentos: no final da primeira metade e, após outras freadas calculadas, no (pré) término. Essa parte final, dentro da modalidade popular, foi feita sob medida para ter a maior reta, disfarçada de duas devido a uma discretíssima chincane no meio de ambas. Graças a essa ínfima queda de velocidade, o circuito foi liberado pelas atuais normas de segurança. A observação, importante para a experiência, é que o piloto despreza não só quase todos os atuais mecanismos de controle, como quase todos os carros atuais – inevitavelmente mais seguros. Ou seja, a experiência, dentro do quesito velocidade, é a absurdamente mais crua que qualquer coisa feita nos dias de hoje.

Tudo em À Prova de Morte remete a um tempo e espaço, só que eles não dizem respeito apenas aos anos 1970 (com piscadelas para a década de 1950), nem somente às Grindhouses, dos filmes-B exibidos com cópias mal-tratadas. Sem cerimônia alguma, em meio a inúmeras auto-citações, Tarantino se assume como grife, com o cuidado de evitar que isso se transforme em puro exercício narcisista. Não temos um límpido e específico cinema retrô, nem uma egotrip. Em meio ao perigo assumido por flertar descaradamente com os dois casos, temos a mistura ideal. Primeiro um cinema, depois Tarantino; nessa ordem, mas com relevância nas duas qualificações.

Se comparado a Bastardos Inglórios, a depender do ponto de vista, mal parece o mesmo diretor. No último, ele é mais contido no ritmo, nos diálogos, com um flerte mais europeu e sóbrio com a narrativa de filme histórico. Que, por outro lado, jamais sobrepõe o caráter de reconfiguração, de ficção, de cinema; e a crença no meio pelo qual se expressa é, provavelmente, a maior ligação entre Bastardos e À Prova de Morte.

A falação desenfreada (que às vezes parece excessivamente acelerada), as sequências musicais, o blaxploitation, tudo remete mais a Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994) e Jackie Brown (1997). Pode-se dizer que, se em Bastardos Inglórios ele atingiu sua maturidade como cineasta, em À Prova de Morte ele atingiu o ápice de sua adolescência. Só que a maioridade, nesse caso, não é superior à adolescência – nos dois casos, Tarantino mostra seus diferentes, talvez até opostos, melhores.

É verdade que a vingança permeia os quatro últimos filmes (completam a lista os dois Kill Bill) de Tarantino, mas isso não o torna monotemático – a vingança é, no máximo, a motivação, o ponto de partida para temas e resultados bem mais abrangentes. Entre outras coisas, Kill Bill é um filme de amor, e Bastardos Inglórios é uma reflexão sobre o cinema e sobre existir apenas nele (de diferentes maneiras, o que permeia toda a obra de QT).

Em À Prova de Morte, no entanto, temos uma homenagem não apenas ao passado, mas a um passado específico e, de certa forma, marginalizado: carros hiper-potentes, cinemas, seriados (até Vega$, idealizado por Michael Mann) e, principalmente, os dublês – antes de, muitas vezes, serem substituídos por computação gráfica. Prova é que, se a empatia por Zoe Bell (por ela mesma, que foi dublê de Uma Thurman em Kill Bill) é criada pelo mecanismo mais simples do “vou me vingar e você sabe o porquê”, a ligação com Stuntman Mike é simplesmente pelo carisma e pela sagacidade trazidos por Kurt Russell e por Tarantino. A homenagem aos filmes-B, aos filmes de slasher (diferença é a arma aqui: um carro), a maneira arriscada de ver (e às vezes suicida de fazer) filmes, tudo funciona como uma amplificação de um tipo de cinema e de pessoas – às vezes esquecidas.

No final da primeira metade, Tarantino se arrisca ao mostrar um acidente inacreditável, no qual ele não só sublinha sua maneira de filmar o ato, como passa um marcador de texto na perspectiva de todos os envolvidos. Ele não se expõe apenas uma vez em presunçoso acidente, e sim quatro vezes mais ao filmar todas as “opções” possíveis.

O que melhor descreve a experiência de À Prova de Morte não é somente uma mescla ideal entre energia e adrenalina, mas uma questão de fé. O resultado é obtido de tal maneira apenas no cinema, e graças a alguém que acredita piamente nele. Mesmo que de maneira distintas, ou também por isso, seus dois últimos filmes são a maior prova de uma religião.

8mm
Semcine (dia a dia)
Segunda-feira
Primeiro a exibição de Ao Sul da Fronteira (2009), de Oliver Stone, extremo oposto do que é veiculado, é verdade, mas que corre o risco de se tornar tão ingênuo quanto o que combate; vale mais por ser oposição do que por ser uma oposição a ser levada a sério.
No debate pós-filme, tivemos o co-roteirista Tariq Ali, paquistanês que vive na Inglaterra; Miguel Littín, chileno já conhecido do Seminário; e Gustavo Dahl como mediador. Uma monumental fome não me deixou ficar até o fim, mas pude ver Ali dizer, por exemplo, que algumas faculdades na Inglaterra (até na Inglaterra!) têm tirado Filosofia da grade curricular – e pelo que disse, não são exatamente exceções.
Ponto pior, no entanto, foi o caso de Dawson Isla 10 (2009), de Miguel Littín, previsto para encerrar a noite e que teve sessão cancelada graças a blecaute sofrido pelo TCA. Depois de fazer público de ioiô (“entrem na sala”, “evacuem a sala”), aproximadamente uma hora depois da queda de energia, sessão foi oficialmente cancelada; e posteriormente adiada para o encerramento do festival, amanhã.

Terça-feira
Só assisti ao Desajuste Social (1961), de Pier Paolo Pasolini. Bem acessível para seus padrões revolucionários, teve exibição prejudicada devido ao formato da sala do ICBA – Instituto Cultural Brasil-Alemanha. Graças à disposição das cadeiras para o teatro, ninguém fica em frente à tela. Crueldade com a coluna.

Quarta-feira
Ótima mesa redonda sobre montagem. Ao se falar sobre uma suposta autoralidade da função, Susan Korda (montadora bissexta e professora) disse que “o único autor do filme é o roteirista. Todos os outros são intérpretes”. Mais inspirada do dia, contou casos de Billy Wilder, Ridley Scott e Francis Ford Coppola, e disse ainda que duas das perguntas feitas nas test screenings (sessões teste antes dos filmes estrearem) que realmente funcionam são “onde você sentiu tédio?” e “onde você se sentiu confuso?”. Já Peter Przygoda (parceiro dos bons tempos de Wim Wenders) fez questão de salientar o caráter trabalhador da função, enquanto Ricardo Miranda (editor de, entre outras coisas, A Idade da Terra, de Glauber Rocha) falou muito na escola soviética, na qual é especialista. Isabelle Rathery (que já trabalhou com Jacques Doillon e Walter Salles), embora aparentasse muito conteúdo, pareceu se debater entre o esforço em falar novamente o português e o simples rebater o debate. Que, infelizmente, perdeu o interesse quando começou a eterna (e geralmente infrutífera) discussão sobre indústria americana e autoralidade europia – insuflado até por um espectador, quando microfone veio para plateia. O que faz sentido, e que dá boas conversas de bar, mas não dá para gostar de boas conversas de bar em um seminário com pessoas que podem oferecer bem mais.
À tarde não aconteceu debate nenhum, até onde vi. Em quase um hora, um dos quatro presentes sequer tinha se apresentado, graças a longas auto-promoções e poucas idéias de fato sobre O Presente da Imagem em Movimento. Valorizei meu tempo.

Quinta-feira
Embora tenha fugido do tema (Dramaturgia nas Telas), mesa redonda valeu especialmente por Lucrecia Martel, que se juntou a Susan Korda como a que mais acrescentou ao Seminário através das palavras. A diretora argentina (O Pântano, Menina Santa) falou sobre a dificuldade histórica de seu povo reconhecer o castelhano como um idioma cinematográfico. De maneira bem pessoal, e deixando clara que se tratava de uma impressão, lembrou que, na Guerra das Malvinas, o governo mentia ao dizer que o país estava ganhando, o que – na opinião dela – contribuiu para uma descrença do povo no seu próprio idioma. No entanto, graças ao mesmo conflito e no decorrer do tempo, rádios passaram a não tocar músicas inglesas, o que abriu espaço para a música em espanhol. O que trouxe uma nova identificação, uma certa confiabilidade do povo com o idioma.
Martel também falou de sua estreita ligação com o som, uma vez que as histórias ouvidas na família que funcionaram como principal motivação para a carreira de cineasta. Lembrou ainda a importância de sotaques, de diferentes maneiras de se expressar, e (pena não lembrar citação exata) deu uma linda alfinetada no assassinato que a TV faz com a língua falada e suas variantes.
O franco-israelense Ariel Schweitzer deu uma amostra do material do brasileiro-israelense David Perlov, e seu Diários de Perlov, cujos 10 minutos de projeção foram o suficiente para atrair algum interesse. Dois brasileiros também contribuíram, perdão, mas me foge agora o que falaram.
Na Oficina de Montagem, à tarde, Susan Korda voltou a se mostrar espirituosa, com boa didática e capacidade para diálogo. Mostrou imagens de Tubarão e Bonnie e Clyde, assumiu ser influenciada por Walter Murch (montador de Apocalipse Now, O Paciente Inglês e tem no livro Num Piscar de Olhos uma das bíblias da edição) e se mostrou claramente americana. Mesmo muito boa, e bem intencionada ao querer fugir um pouco (e só um pouco) da parte obviamente estúpida dos screening tests de Hollywood, debate caiu bem ao mostrar um curta e pedir opinião do público. Ela fez questão de dizer e repetir que espectadores não deveriam fazer perguntas, mas depoimentos. Na 30ª, ainda tinha gente que questionava. Educada e paciente, essa Susan.

Ps1: Em O Sarcófago, tão interessante quanto falho curta de Daniel Lisboa, áudio do TCA voltou a irritar. No filme seguinte, já ok.

Ps2: Nos Filmes do mês, não entra nada do Semcine – que vai até amanhã (31).

Filmes da semana:
1. O Escafandro e a Borboleta (2008), de Julian Schnabel (DVDRip) (****)
2. Juana La Loca (2001), de Vicente Aranda (**1/2)

Semcine (vistos até quinta-feira – 29):
1. Ao Sul da Fronteira (2009), de Oliver Stone (Teatro Castro Alves) (**1/2)
2. Desajuste Social (1961), de Pier Paolo Pasolini (ICBA – DVD) (***)
3. Immobilité (2008), de Mark Amerika (Teatro Castro Alves) (aguentei só dez minutos)
Curtas:
4. O Sarcófago (2010), de Daniel Lisboa (Teatro Castro Alves) (**1/2)
5. Six Dollar Fifty Man (2009), de Mark Albison e Louis Sutherland (**1/2)

Filmes do mês:
10. Um Americano em Paris (1951), de Vincente Minelli (DVDRip) (***)
9. O Professor Aloprado (1963), de Jerry Lewis (DVDRip) (***)
8. O Show deve continuar (1979), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
7. Cabaret (1972), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
6. A Riviera não é Aqui (2008), de Dany Boon (Cinema do Museu) (***1/2)
5. Toy Story 3 (2010), de Lee Unkrich (Cine Orient – Shopping Barra) (***1/2)
4. De Olhos Bem Fechados (1999), de Stanley Kubrick (DVD) (****)
3. O Escafandro e a Borboleta (2008), de Julian Schnabel (DVDRip) (****)
2. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (UCI Multiplex Iguatemi) (****1/2)
1. La Jetée (1962), de Chris Marker (DVDRip) (*****) – curta

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A Riviera não é Aqui*



Risos diferentes

A Riviera não é Aqui (Bienvenue chez les Ch’tis – FRA, 2008), de Dany Boon, é dos casos em que a comédia é maior que o filme; ou seja, a ideia de fazer rir se torna obsessão, sem necessária relação com qualidade final – ou a falta dela. Aqui, esse caráter obstinado pelo riso, felizmente, se alia a um esmero para a feitura do produto como audiovisual, e o resultado é delicioso.

Desde créditos iniciais, somos apresentados a parte do mapa da França, que o personagem principal percorre de sul a norte; região mais fria, chuvosa e com sotaque e dialeto diferenciados para onde Phillipe (Kad Merad) se muda. Boon trabalha com muito do que é clichê em qualquer adaptação e mudança de ambiente, só que com caráter regionalizado. O que se nos leva a pensar que somente os franceses podem captar tudo que existe ali, de bom e de ruim, de caricatural e de verossimilhante.

Para um não francês – especificamente, alguém que entende apenas um pouco da língua e tudo que sabe de lá é sem nunca ter ido –, tudo isso se torna secundário, e o que fica é a comédia. O texto e as gags visuais, mesmo gritantes em alguns raros momentos, são maravilhosos. O momento em que lhe é dito que algo de ruim acontecerá (comparação com Paris), o espasmo de deficiente, as paradas da Polícia, a mudança da mulher, a recepção dos nortistas em solidariedade a ele – não são poucos os momentos dignos de nota.

Ponderado o desafio, o sucesso também vale para a tradução usada no Brasil – ou pelo menos à cópia que, essa semana, esteve no Cinema do Museu em Salvador. Ainda que a tradução tenha passado a ideia de que o sotaque do norte da França, no geral, seja equivalente ao carioca (o que me parece não ter sentido), foi uma saída, e difícil cravar em outra como indiscutivelmente melhor.

Em meio a essa incapacidade geográfica de total absorção da obra, fica a comédia. E A Riviera não é Aqui, como tal, é bem boa.

Visto no Cinema do Museu – Salvador, julho de 2010.

8mm
* A Riviera não é Aqui, enquanto esteve em exibição na França, conseguiu um público de 20 milhões – o país tem 65. Com 190, nosso filme de maior alcance interno recente (Se Eu Fosse Você 2) levou 6 milhões às salas; e o maior da história nacional (quando o brasileiro ia ao cinema), é Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), que sequer chegou a 11.

* Será que só eu não gostei de Brilho de uma Paixão (2009), de Jane Campion?

Filmes da semana:
1. Cabaret (1972), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
2. A Riviera não é Aqui (2008), de Dany Boon (Cinema do Museu) (***1/2)
3. A Todo Volume (2008), de Davis Guggenheim (DVDRip) (**1/2)
4. O Show deve continuar (1979), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
5. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (UCI Multiplex Iguatemi) (****1/2)
Curta:
6. La Jetée (1962), de Chris Marker (DVDRip) (*****)

* Coluna 70mm também publicada em www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Encontro Explosivo*




Assexuada corrida contra o nada

Encontro Explosivo (Knight and Day – EUA, 2010), de James Mangold (Garota, Interrompida; Identidade; refilmagem de Os Indomáveis), é um filme que oscila entre o competente e o medíocre. Em cenas de ação, Mangold tem mão segura, auxiliada por computação gráfica igualmente ok, enquanto o roteiro investe em contorcionismos que buscam o “nada é o que parece”, assim como tenta percorrer o maior número possível de lugares turísticos. Nesse segundo quesito, a ligação com Transformers faz sentido, com restante e resultado não muito diferentes.

Desde a abertura, o som busca uma imponência que logo se transforma em falta de educação. Por mais que pese a incerteza se culpa é do sistema da sala ou do filme, áudio quer atenção não pela competência e fluência do uso do Dolby Surround, mas pela ditadura do volume.

Mas se as imagens, por outro lado, estão bem domadas nas mãos de Mangold, elas também se mostram burocráticas. Ele tem mérito por trabalhar com um filme de ação, e com tantas ações, sem parecer que os cortes são excessivos, ainda mais nos dias hoje. Verdade que o filme quase nunca respira, mas o problema aí é do roteiro: não é fácil transpor para menos de duas horas filmagens em tantos cartões postais e com tanta munição a ser distribuída. Não à toa, quando Patrick O’Neil resolve brincar de “ele é”, “ele não é”, “o outro que é” em roteiro já tão preocupado e comprometido com outras coisas, fica impressão de furo na história. Quando nos convencemos de onde, de fato, vem a falcatrua, graças a uma imagem cuja hipotética réplica não adianta (fim, temos um culpado), somos levados a outra reviravolta.

Como? O que importa é que Tom Cruise e Cameron Díaz fiquem juntos – Roy Miller e June Havens, sabemos, são subterfúgios. O pudor ao (não) se filmar sequer a nudez, aliado ao prazer de ambos em estar próximo do perigo e de armas, passa uma gigantesca impressão de que os dois não têm libido. Quando ele enfim mostra algum tesão (ou o filme quer que a gente acredite nisso), faria sentido se ela dissesse que ele era mais sensual com armas na mão; até porque, nesse momento, ela está sob o efeito de um efeito de espécie de “soro da verdade”.

Mas se o “soro da verdade”, inevitavelmente, lembra Kill Bill (2003), a época do lançamento e parte do gênero de Encontro Explosivo coincidem com À Prova de Morte (2007) outro de Quentin Tarantino e que chega ao Brasil mais de três anos após lançado em Cannes. Nele, tem-se basicamente duas perseguições de carro, um acidente, e duas ou três maiores mudanças de locações, com assumida pinta de diversão vagabunda, barata e com computação gráfica nula. Bem menos em quantidade na descrição, bem mais em ação e energia.

Em Encontro Explosivo o importante é evitar que alguém se distraia até que vejamos Cameron Díaz e Tom Cruise juntos, mesmo que não exista nada que convença, nem explícito (o filmar o desejo e afins), nem implícito (através de detalhes não diretamente ligados ao sexo). Quando se pensa em 007 (com o que isso aqui muitas vezes parece), mesmo nos piores momentos daquele, impressão é de filme assexuado. Que poderia investir no que tem de melhor, via roteiro antes de se enrolar de tanto contorcer-se, e pela competência nas cenas de ação. Achou melhor não.

Visto, em cabine de imprensa, no UCI Multiplex Iguatemi – Salvador, julho de 2010.

8mm
Outro encontro explosivo
Várias auto-citações e divagações fílmicas que remetem à falação desenfreada de Pulp Fiction (1994) e Cães de Aluguel (1991) – parece uma versão feminina deste –, um acidente, o ritmo, a cena, a dança. Enfim lançado no Brasil, a primeira sessão (para mim) de À Prova de Morte (2007) conseguiu ser mais ambígua que a de Bastardos Inglórios (2009); embora sejam abordagens distintas. Não sei se é uma decepção em meio a sequências monumentais, não sei se é fabuloso com calculado tempo apenas para respirar. Seja como for, talvez tenha as sequências menos esquecíveis de Tarantino.

Concorrência
O filme entra em cartaz hoje, em semana que temos, com todos ainda em muitas salas, Toy Story 3, Shrek para Sempre e Eclipse, além de Encontro Explosivo. Por mais que sejam públicos diferentes (e Toy Story, o outro que vi, seja muito bom), são quatro – quatro! – filmes gigantes nas suas pretensões financeiras, o que leva a uma grande ocupação de salas. Concorrência por elas será difícil para À Prova de Morte, que deve ficar restrito a sessões noturnas. Que me lembre, e tenha consultado, apenas O Aprendiz de Feiticeiro tem tamanho equivalente aos outros, e está previsto para apenas 6 de agosto. Como um não especialista em marketing, não vejo nexo em, depois de três anos de molho (graças à Europa Filmes, detentora original dos direitos de exibição no Brasil), não esperar mais uma ou duas semanas para lançá-lo.

Filmes da semana:
1. A Viagem (1967), de Roger Corman (DVDRip) (**1/2)
2. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (Cine Vivo) (****)
3. Síndromes e um Século (2006), de Apichatpong Weerasethakul (DVDRip) (**1/2)
4. Encontro Explosivo (2010), de James Mangold (UCI Multiplex Iguatemi) (**1/2)
5. Pele de Asno (1970), de Jacques Demy (DVDRip) (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Toy Story 3*



Repita, por favor

15 anos após a estreia no longa-metragem com o primeiro Toy Story, a Pixar, de fato, se firmou como o primeiro estúdio a ser estrela de cinema – como twittou o crítico Roger Ebert. Com o terceiro filme da franquia (Toy Story 3 – EUA, 2010), de Lee Unkrich, e toda uma indiscutível autoria construída ao longo dos anos (Procurando Nemo, Ratatouille, Wall-E), temos um compreensível mais do mesmo – só que com irresistível toque de reciclagem e reinvenção.

“Quando você não tem um dono, você para de sofrer”, por exemplo, é um raciocínio não tão assimilável para crianças, e nem é o único da mesma linha em Toy Story 3. O que não quer dizer que a Pixar (via Unkrich) intelectualize a infância e tudo que a permeia, mas sim que ela consegue trabalhar com uma orquestração que, disfarçada de filme infantil, permite interpretações que levam a simbologias e metáforas sobre crescer, sobre se relacionar, sobre a vida. E, o que é melhor, com a naturalidade de uma criança com seu brinquedo preferido.

Até o desfecho, bem magro dentro do gênero, traz no fundo uma dura sensação de inevitabilidade do caráter transitório de tudo na vida. Temos fim de um amor, de uma etapa, de ilusões; sem que a convicção da tristeza final impeça a beleza de vir à tona.

Embora talvez não tão brilhante como o melhor da Pixar, Toy Story 3, pelo menos, mantém um nível decente. É cinema de (e também para) gente grande.

Visto no Cine Orient – Shopping Barra.

Filmes da semana:
1. O Professor Aloprado (1963), de Jerry Lewis (DVDRip) (***)
2. Um Americano em Paris (1951), de Vincente Minelli (DVDRip) (***)
3. A Jovem Rainha Victoria (2009), de Jean-Marc Vallée (Cinema do Museu) (**)
4. De Olhos Bem Fechados (1999), de Stanley Kubrick (DVD) (****)
5. Toy Story 3 (2010), de Lee Unkrich (Shopping Barra) (***1/2)
6. Patrick 1,5 (2008), de Ella Lemhagen (Cinema da Ufba) (**)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Brilho de uma Paixão*



Vitória do impresso

Em Brilho de uma Paixão (Bright Star – Reino Unido/ Austrália/ França, 2009), Jane Campion mostra o que parece ser um alter-ego sem talento. Ao revisitar temas, sentimentos e tipos de abordagens, ela não se apresenta, por exemplo, como a mesma diretora de O Piano (1993). Visto Brilho de uma Paixão, é inevitável pensar que ela fez este como um rascunho para o outro – o que, óbvia e infelizmente, não é o caso.

Ainda que baseado na biografia de John Keats (1795-1821) por Andrew Motion, o que temos aqui é a relação de Keats (Ben Whishaw) – um dos maiores poetas britânicos do romantismo –, no final da vida, com Fanny Brawne (linda e ótima Abbie Conish, que parece irmã de Jack White). Temos um homem romântico, uma mulher mais jovem que mostra paixão recíproca, e a impossibilidade de ficarem juntos – por alguns motivos, mas especialmente pela falta de condições para Keats pagar as contas.

É Campion em retorno ao biofilme sobre personagem literário, como em Um Anjo em Minha Mesa (1990), quando falou sobre a (conterrânea) neo-zelandesa Janet Frame. Só que, ao abordar o poeta britânico, Campion cai em todas as armadilhas possíveis.

Poemas são recitados sem a fruição que podem ter quando lidos, e sem o poder que a mise-en-scène pode oferecer. O mel jogado na tela, mesmo não excessivo, é o suficiente para tirar a sensualidade melancólica ali presente. E os pequenos detalhes que envolvem a relação, um dos pontos altos do filme, parecem fracos quando vemos Conish em sintonia diferente da de Whishaw – e isso não em termo de situação social no filme, mas de atuação mesmo.

Todo o apego de Campion ao texto, a Keats e à dor dele, é tão perceptível quanto prejudicial à imagem. Até no final, quando ela nos lembra que Keats morreu sem ser reconhecido e que hoje é tido como expoente do movimento, a impressão é de que o personagem e sua obra só ficam maiores quando postos ao lado do filme. É quando a paixão, bem perceptível, atrapalha mais que cativa a transposição e o resultado.

Visto no Cinema do Museu – Salvador, junho de 2010.

Filmes da semana:
1. O Corvo (1943), de Henri-Georges Clouzot (DVDRip) (***)
2. Brilho de uma Paixão (2009), de Jane Campion (Cinema do Museu) (**)
3. Paris, Texas (1984), de Wim Wenders (DVDRip) (****)
4. Sissi (1955), de Ernst Marischka (**)
Curta:
5. Futebol Além dos Sentidos (2010), de Luciana Queiroz (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (**1/2)

Filmes do mês:
10. O Profeta (2009), de Jacques Audiard (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (***1/2)
9. Cidade Baixa (2003), de Sergio Machado (DVD) (***1/2)
8. Ligações Perigosas (1988), de Stephen Frears (DVD) (***1/2)
7. Batalha no Céu (2008), de Carlos Reygadas (sala Walter da Silveira) (***1/2)
6. Ascensor para o Cadafalso (1957), de Louis Malle (DVDRip) (****)
5. O Demônio das 11 Horas (1965), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (****)
4. Na Cidade de Sylvia (2007), de José Luis Guerín (DVDRip) (****)
3. Inimigos Públicos (2009), de Michael Mann (DVD) (****)
2. Paris, Texas (1984), de Wim Wenders (DVDRip) (****)
1. A Infância de Ivan (1962), de Andrei Tarkovsky (DVDRip) (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.