sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Romance*



Rabiscos sobre arte e “arte”

Romance (idem, Brasil, 2008), de Guel Arraes (Lisbela e o Prisioneiro, O Auto da Compadecida), é o tipo de filme que pisa, do início ao fim, em terrenos já explorados, esgotados, assassinados, ressuscitados e re-explorados. De Tristão e Isolda a Titanic e E O Vento Levou, passando obviamente por Romeu e Julieta – só que tudo isso adocicado.

Escrito pelo pernambucano Guel Arraes e pelo gaúcho Jorge Furtado, o início do filme lembra o pior deste segundo, desde a (aqui discreta) falta de tino para dirigir atores até uma insistência na escrita literária e literal dentro do cinema. Menos mal que a (falsa?) voz off – geralmente invasiva no ainda assim interessante O Homem que Copiava, de Furtado – pouco incomoda com o passar do filme, já que ela, antes de felizmente desaperecer, se mescla a poesias e recitações entre Pedro (Wagner Moura) e Ana (Letícia Sabatella).

Os dois, aliás, são o filme – ou deveriam ser. Romance praticamente não usa enquadramentos abertos, e quando eles aparecem são pelo filme dentro do filme. São Paulo e Rio (apesar de vermos o Pão de Açúcar, ele é irrelevante) são apenas lugares genéricos e irrelevantes onde o que importa é arte que acontece neles (ou é afetada por eles) e os atores que vivem neles. Nesse sentido, a Paraíba é mais importante para a trama.

Ainda na atuação, aqui ela é relevante não só obviamente para a tela e o resultado final, mas também no diálogo com teatro, cinema e TV, além do que se pode tirar do trabalho com ela para se atuar na vida – e vice-versa – como deixa claro Orlando (Vladimir Brichta). Em outras e poucas palavras, Romance é muita atuação e expressão, é metalinguagem e hibridismo.

Em meio a essas duas últimas, onde o filme acerta mais, Wagner Moura e principalmente Letícia Sabatella mostram parte de seus potenciais em momentos interessantes, principalmente dentro de seus personagens, tanto na TV como no teatro. Por outro lado, falta coerência para se criar uma personalidade própria de fora (nos palcos, TV e cinema) para dentro do filme que vemos (Romance), de quem eles interpretam nos seus papéis dentro do filme para os que eles interpretam no filme.

Aí vale a discussão até que ponto essa metalinguagem pode confundir a questão personagem-dentro-do-personagem-do-ator. Fica mais fácil se enganar o espectador e justificar um "erro" de performance, uma vez que ele pode simplesmente ser defendido como parte do personagem que não se desvencilhou do ator. Isso pode soar picaretagem, mas não deixa de ser interessante para um filme que parece o sonho de todo ator, com uma atuação dentro da atuação, com toques de humor e extremos de drama.

Ainda assim, a linha narrativa, além de obviamente referenciada, é cuidadosamente bem tratada. As relações (às vezes conflituosas) entre produtor-diretor, teatro-cinema, “arte-indústria”, “atuação-realidade” (enfoque nas aspas), amor-paixão, entre outras, conseguem funcionar como abordagens únicas dentro de um tipo de história repetida em filmes melhores e piores.

No entanto, Romance é o tipo de filme cuja fala de Pedro, no início, é reveladora. Ele justifica a tragédia em sua peça ao citar Titanic, E O Vento Levou e (após segundos de respiração profunda)... a “novela das oito” (er... Globo Filmes). Mas esquece, por exemplo, de Werther de Goethe. Em um filme que se alimenta de tanta coisa e de tanta gente já visitada e revisitada, isso parece resumir parte das influências e dos problemas de um filme que trabalha tanto com amor, metalinguagem, metáforas e arte, assim como os seus limites e sua ligação com a vida real – ou com o que pensamos ser real.

Do início ao fim, entre outras coisas, lembramos de Godard (O Desprezo), Almodóvar (Fale com Ela) e Woody Allen (Annie Hall), pra mim a citação mais explícita delas. Nada de novo, nem de melhor. Por outro lado, em meio a tantas referências (que poderiam ser homenagens gratuitas), é bom perceber uma voz própria – mesmo que pouco audível.
Ps: A sacada do continuísmo é muito boa.

Filme: Romance (idem, Brasil, 2008)
Direção: Guel Arraes
Elenco: Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andréia Beltrão, Vladimir Brichta, José Wilker.


8mm
Festas e desejos...
Essa é a última edição de 2008 da coluna 70mm, que só volta 10 de janeiro. Uma pausa razoável para o réveillon e a ressaca do meu punhado de leitores (momento possessivo), de quem espero sempre o melhor.
Que o próximo ano seja marcado por filmes bons e ruins, já que o contraste ajuda a valorizar o(s) melhor(es). Que os bons venham em doses cavalares e os ruins em doses homeopáticas. Amém.

...para Itabuna e região
Pensei em fazer balanço em termos cinematográficos, mas desisti. Primeiro porque tem coisa que não abro mão de ver no cinema, o que significa que ainda não vi coisas que já estrearam e (ainda?) não passaram por aqui (caso do Queime depois de Ler, dos irmãos Coen), ou então que demoram uma eternidade pra chegar aos cinemas do Brasil – como o À Prova de Morte, de Tarantino.
De qualquer jeito, espero um 2009 melhor para a cidade e a região. Primeiro porque tento ser otimista nesse sentido, o que obviamente não quer dizer nada, já que isso não passa de uma torcida. E segundo porque já soube de um festival de cinema (não sei se de curtas ou do quê exatamente, só vi o final da entrevista da responsável pelo evento no programa Bem Viver, da TV Itabuna), marcado para julho – pelo que me lembro, o primeiro da cidade.
Vai que a gente consegue juntar uma meia dúzia de pessoas e, melhor, vai que a gente consegue levá-las a fazerem alguma coisa pelo cinema (ou pelos que gostam de cinema) daqui?! Bem, deve ser o espírito natalino, mas acho que ultrapassei todo e qualquer limite de otimismo agora...

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.romanceofilme.com.br/

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Zeitgeist (2007), de Peter Joseph
* Sexo, Mentiras e Videotape (1989), de Steven Soderbergh
* Rede de Mentiras (2008), de Ridley Scott (cinema)
* Ratatouille (2007), de Brad Bird
* Romance (2008), de Guel Arraes (cinema)
* Superbad (2007), de Greg Mottola
* Rocky Balboa (2006), de Sylvester Stallone
* Fog City Mavericks – Os cineastas de São Francisco (2007), de Gary Leva

sábado, 20 de dezembro de 2008

Alice*



Não precisa ofender pra atingir

Não costumo assistir a séries de TV, nem a minis, pois exigem uma disciplina excessiva e porque, como o ministério da saúde não adverte, elas podem causar dependência. Ainda assim, acho obviamente interessante uma Capitu da vida, baseado num cara que fala de gente e da gente (brasileiros) – Machado Assis. Mas, quebrando o protocolo, vou aqui falar de outra mini-série nacional, que desde sua proposta inicial me agradou um bocado: Alice (Brasil, 2008), produção HBO com direção geral de Sérgio Machado (Cidade Baixa) e Karim Aïnouz (Madame Satã, O Céu de Suely), e que acabou no último dia 14.

Dividida em 13 episódios semanais, a série narra a história da personagem homônima (interpretada pela talentosa Andréia Horta), que parte de Palmas para São Paulo. Curiosamente, o fato de a premissa ser clichê, com zilhões de pessoas fazendo percurso semelhante há décadas, me parece menos óbvio do que pouco explorado.

São Paulo é das maiores cidades do mundo e a maior metrópole de todo o hemisfério sul. Mas, cinematograficamente falando, ela é bem menos visitada do que Rio de Janeiro e Buenos Aires, só pra ficarmos na nossa América. E um seriado como Alice, apesar da visibilidade restrita (somente na TV paga ou pelo site da HBO na internet), parece peça importante para uma indústria do gênero – sem me alongar tanto nesse ponto homérico.

Primeiro porque temos a maior cidade do país como personagem – o que não é inédito nem em séries nem em filmes, mas explorar a questão com qualidade é sempre interessante. E segundo (mas não por último) porque temos outras metrópoles (além do Rio) com tamanho, gente e luzes suficientes para se comportarem como tal e abrirem uma espécie de ‘franquia’ – Salvador, BH, Porto Alegre, Brasília, Recife, Curitiba, Fortaleza, Manaus e Belém, todas com no mínimo dois milhões de habitantes em suas regiões metropolitanas. Isso pra se limitar às capitais mais populosas e esquecer de meio mundo nos cinco cantos do país. Ver pessoas dessas cidades falando dessas cidades significa (teoricamente) honestidade, diversidade e miscigenação cinematográfica, num potencial que talvez nenhum outro país (EUA?) tenha.

No que diz respeito à trama da série, em linhas gerais, ela é compreensivelmente previsível e esquemática para jovens em SP. Temos em Alice uma menina-mulher de interior (uma capital com 200 mil habitantes é interior quando comparada a São Paulo) recém-chegada numa metrópole, com o pacote completo do arquétipo, dos sonhos às bobagens.

Ela está no meio de quem bebe, fuma, transa, cheira e trai, não necessariamente nessa ordem, nem necessariamente com freqüências semelhantes. Também no meio de héteros, homos, curiosos (sem aparente preocupação em se assumirem como bis ou não), como também entre crianças, tios, pais, avós e afins. Essa coisa de tentar retratar muita gente interagindo com muita gente, de idéias e ideais diferentes, é um trunfo de Alice. Isso porque não se trata apenas de uma visão pretensamente sem preconceito e otimista daquele mundo próprio da série, mas sim uma transposição convincente de pessoas que conseguem conviver entre o caos assombroso e opções que supostamente só SP pode oferecer.

Todo os percalços dos personagens e especialmente de Alice mostram pouco de genuíno à primeira vista. Mas, bem feita e bem amarrada como foi, a série transforma esse suposto defeito em uma qualidade principal: fala de muitos para muitos, sem a pretensão megalomaníaca de soar como verdade universal, e sem colocar o tempo todo (só às vezes) a mão atrás da cabeça do espectador enquanto o chama de burro.

O mais próximo que Alice chegou do segundo caso talvez tenha sido no começo (explicativo demais) e nos dois últimos episódios, quando flertou descaradamente com o moralismo e o melodrama, mas felizmente não avançou nesse relacionamento. Para terminar a série, como aconteceu como todos os episódios (com exceção do penúltimo, um ótimo média-metragem por si só), vem a voz off, que confirma ainda mais a idéia de uma menor pretensão revolucionária em detrimento de um maior alcance de um público com bem pouca, mas ainda assim com um mínimo de inteligência. No final das contas, em meio a deslizes de um excessivo didatismo, a série funciona como tentativa válida de popularizar o que, apesar de pouco original, é bem feito.

Mini-série: Alice (idem, Brasil, 2008)
Direção geral: Karim Aïnouz e Sérgio Machado
Elenco: Andréia Horta, Carla Ribas, Regina Braga, Vinicius Zinn.

8mm
Sergipe triste
Um ponto realmente negativo (e discreto) da série diz respeito ao irritante retrato de um sergipano, que aparece acho que no penúltimo episódio. Ver uma série coordenada por um baiano e um cearense leva a crer que, quando vier à tona um personagem nordestino, ele seja tratado com um olhar diferente do ‘tipo exportação’, projetado por quem não conhece pra quem não conhece. O problema é que o cara (interpretado pelo ótimo soteropolitano João Miguel, de O Céu de Suely), empresário radicado em São Paulo há não sei quanto tempo, é um mal educado e matuto rude do período jurássico, que, entre outras coisas, vê a mulher como um bicho que precisa “comer direito e sem frescura” – ou coisa do tipo. O retrato decepciona por vermos nordestinos falando de nordestinos como qualquer um não-nordestino com ojeriza à região (e provavelmente sem conhecer) falaria.

Capitu
Queria ter visto tudo, mas só assisti a um capítulo de Capitu (Brasil, 2008), de Luiz Fernando Carvalho. O problema é que a mini-série, como foi apresentada, diz pra você cancelar qualquer compromisso durante quatro ou cinco noites seguidas, em dias úteis e no fim de semana. Mas, no único episódio que vi, fui de um quase êxtase ao desapontamento com uma irritante obviedade de escolha – mesmo que dentro de uma suposta coerência autoral.
Primeiro fiquei feliz em ver alguém com coragem para colocar Black Sabbath na trilha sonora de uma adaptação da Globo e de Machado de Assis. Mas, acho que ainda no mesmo bloco, me decepcionei quando ouvi Money de Pink Floyd numa hora que algum dos personagens falava em dinheiro (ou falta de, aqui pouco importa). A escolha pareceu preguiçosa, já que a música toca pouco e não se sustenta como um momento marcante pelo casamento som-imagem, mas apenas como um reforço talvez previsível e desnecessário da situação. Ainda assim, pelo que li e pelo que não vi, a série pareceu no mínimo interessante.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.alice-hbo.tv/

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Tudo Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (*Mas Tinha Medo de Perguntar) (1971), de Woody Allen
* Noites de Cabíria (1957), de Federico Fellini
* Hair (1979), de Milos Forman
* E Sua Mãe Também (2001), de Alfonso Cuarón
* Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada (2007), de Peter Hedges (cinema)
* Max Payne (2008), de John Moore (cinema)

* Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry
* Pink Floyd ao vivo em Pompéia (1972), de Adrian Maben

sábado, 13 de dezembro de 2008

Espelhos do Medo*



Espelho corajoso e desagradável

Espelhos do Medo (Mirrros, EUA/ Romênia, 2008), de Alexandre Aja, é o tipo de filme que tem todo um pedigree assustadoramente sangrento e atrativo por trás. Primeiro por ser obra do prodígio francês, que chegou ao quarto longa-metragem antes de completar 30 anos – o que aconteceu em agosto. Segundo por se tratar de uma refilmagem de horror (com mudança de título) do sul-coreano Espelho (Geoul sokeuro, Into the mirror – não vi), de 2003, de alguém que já havia trabalhado numa refilmagem clássica do gênero, o Viagem Maldita (The Hills Have Eyes, 2006), com versão original dirigida em 1977 (traduzida na época como Quadrilha dos Sádicos) por Wes Craven, que produziu o filme de 2006. Mas, apesar de toda essa genealogia, ela parece bem mais interessante que a prole.

Temos aqui Ben Carson, um ex-policial (Kiefer Sutherland, de 24 horas) que agora trabalha sozinho num prédio cabuloso, que há mais meio século quase derreteu após um incêndio, mas que ainda guarda as cicatrizes sombrias da catástrofe. Trata-se do Mayflower, um prédio que, quando em chamas, lembra muito uma pintura do final de O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski.

A “semelhança” (referência? coincidência?) com o filme do diretor polonês, contudo, acaba por aí. Não temos aqui uma história conspiratória e um investimento excepcional na sugestão do horror, mas sim um produto que parece uma tentativa pouco feliz de utilizar coisas tradicionais do gênero e de “subgêneros” (o sangue gore) pra chegar a um resultado decente. Desde o sobrenatural ao jeito ofensivo de se filmar sangue, de homicídio a suicídio, passando por gente se queimando violentamente.

O problema é que, apesar de o filme funcionar bem acabado com seu sangue e cenas raras de serem vistas no cinema comercial de hoje em dia, o horror aqui sofre dos mesmos males da maioria dos filmes médios (ou seja, ruins) do gênero. Enquanto é 100% terror e tensão está ok, mas ele flerta demais com conflitos psicológicos e familiares, e com a possibilidade de estarmos diante de uma possibilidade sobrenatural dentro de um mundo real – ou fora de uma realidade própria do filme (aqui muito necessária). Nessas horas, ou o constrangimento é grande ou a falta de inteligência dos personagens ofende em demasia – mesmo ponderando aí num natural desespero pela situação.

Por outro lado, um ponto com algo de positivo do filme é uma possível metáfora para a idéia sobrenatural do funcionamento dos espelhos. Em meio a sustos e filosofia de bêbado, soa válida a idéia de um reflexo como um auto-retrato desagradável e incontrolável por uma auto-censura – o que só aumenta a decepção do filme como exemplar de horror.

Outra questão interessante, para a cidade, é o fato de terem coragem de trazer algo com quantidade mínima de terror e razoável de sangue num cinema púdico como o daqui – e com um público mediano na sessão. Mesmo que num caso como esse, quando o filme não é grande coisa.

Ps: O prólogo é difícil de digerir visualmente, e isso é um elogio, pela coragem.

Filme: Espelhos do Medo (Mirros, EUA/ Romênia, 2008)
Direção: Alexandre Aja
Elenco: Kiefer Sutherland, Paula Patton, Amy Smart.

Rigor conveniente
Na quarta-feira (10), quando assisti a Espelhos do Medo, vi pela primeira vez a atendente do Starplex cobrar o comprovante de matrícula para liberar a meia-entrada. Acho isso complicado, porque não se trata de um cartão, que você pode guardar na carteira e naturalmente levar pra qualquer canto. É um papel grande e que, pra carregar, ou você o amassa todo ou leva pra cima e pra baixo um desconfortável classificador. Você simplesmente não pode decidir ir pro cinema de sopetão, depois de despretensiosamente ter ido na rua fazer qualquer besteira. Se quer pagar o que lhe é de direito, tem que andar com o diabo do papel pra cima e pra baixo. (Não sei como funciona, nem se ainda funciona, a carteirinha da Une – União Nacional dos Estudantes).
Apesar disso tudo, não posso culpar o cinema pela atitude – os cinemas minimamente decentes que já fui só trabalham assim. Eles prestam um serviço e têm o direito de fazerem o possível para não serem lesados. Eu mesmo conheço um punhado de gente que não senta num banco de faculdade há mais de cinco anos e ainda paga meia. Ou pagava.
Mas aí entra outra questão. Não são poucos os filmes com censura 16 e até 18 anos que entram em cartaz por aqui – felizmente – e não foram poucas as vezes que vi crianças (ou pré-adolescentes, que seja) assistindo a esses filmes – infelizmente. A sessão de Casa da Mãe Joana (16 anos), há coisa de dois meses, parecia uma reunião de meninas (e meninos) sonhando com o ainda longínquo baile de debutantes. Lógico que não saí perguntando aos pestinhas quantos anos eles tinham, mas a diferença física média de alguém de 10 anos pra alguém de 16 é infinitamente mais perceptível da de alguém de 110 pra alguém de 116.
Se o cinema quer se mostrar mais sério, que assim seja também com a censura. Rigor conveniente não dá.

De Romeo e Julieta ao broxante
No mesmo dia, como de costume, as luzes se apagaram e começaram os trailers. O povo ainda chegava e os lanterninhas entravam em ação distraindo e achando lugar pra os retardatários. Enquanto via imagens de encomenda em cada amostra do que era projetado, eu permanecia injuriado com minha gripe sem fim.
Depois comecei a reconhecer um pessoal no trailer. Primeiro Nicole Kidman, depois Hugh Jackman (o Wolverine de X-Men). Mas nem me dei ao trabalho de imaginar nada que preste, principalmente pelas frases e imagens com aparência descartável. Até que, depois da última cena do trailer, linda e banal, tomei um susto. Tratava-se de Austrália, o suposto épico (que assim seja) de Baz Luhrmann, que dirigiu as interessantes mini-óperas Romeo e Julieta e (o melhor ainda) Moulin Rouge.
O cara já provou ter as manhas, e desde sempre espero esse novo filme dele, mas o trailer pareceu ligado num piloto automático dessas histórias de amor ordinárias que dão litros de dinheiro. Quero acreditar que só o trailer ficou assim.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.shakespeareinamericanlife.org/ e http://www.imdb.com/

sábado, 6 de dezembro de 2008

O Passado*



O doce amargo do amor

Hector Babenco é um diretor nascido na Argentina, naturalizado brasileiro, nominado ao Oscar pela direção em O Beijo da Mulher Aranha (1985) e responsável por obras relevantes no cinema nacional, desde Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977) a Carandiru (2003), passando por Pixote: A Lei do Mais Fraco – talvez seu filme mais importante historicamente. Ou seja, temos motivos suficientes para falar de qualquer coisa que ele faça. Sendo assim, mesmo não conhecendo toda a obra do cara, decidi escrever sobre seu último filme, O Passado (El Pasado, Brasil/Argentina, 2007) – uma das coisas recentes que mais me deu vontade de digitar desenfreadamente.

Temos aqui uma história que se passa basicamente em Buenos Aires, entre Rimini (homenagem à cidade natal de Fellini?) e suas mulheres. Interpretado por Gael García Bernal (ótimo), Rimini é um tradutor que acaba um relacionamento de 12 anos com Sofia (Analía Couceyro), que é na verdade o centro do filme – mais pela personagem do que pela atriz. Esse término é naturalmente difícil, devido à natural ressaca amorosa, potencializada pelo ruir do relacionamento próximo ao esplendor (em termos sexuais) da idade adulta. Ela se mostra insegura, enquanto Rimini tenta mostrá-la que “o passado é um bloco que não pode ser dividido”, numa resposta à tentativa dela de repartir entre ambos as trocentas fotos do casal.

Esse problema para colocar um ponto final e definitivo no relacionamento leva ambos a tomarem decisões que talvez não tomassem se não estivessem numa vulnerabilidade inimaginável durante alguns anos. Um ponto positivo é que aqui essas situações não parecem somente coisas do tipo “ah, tomei um chifre ou um pé na bunda, então vou extravasar”. Poucas palavras e atitudes dizem muito sobre uma pessoa, seu relacionamento atual, e suas frustrações anteriores, desde lembranças bonitas até paranóias de momentos que remetem a situações traumáticas para cada um deles. As pessoas aqui têm necessidades, problemas e histórias próprias.

Nessa questão, temos uma situação interessante. Os detalhes aqui dizem muito com pouco e cada imagem quer se mostrar útil ao andamento do roteiro, de uma ida ao cinema a um acidente que leva a uma elipse gigantesca. Isso mantém o filme enxuto, só que aqui a gordura chega a um nível tão baixo que deixa de ser saudável para o filme. Quando aparece, essa gordura parece ir diretamente para a barriguinha num corpo muito magro e até bem feito, se mostrando inconvenientemente perceptível.

Um exemplo claro é a ida de Rimini ao Brasil. Ele e sua mulher vêm a uma São Paulo que parece transposta para o Caribe de tão ensolarada e quente (mesmo que o verão de Buenos Aires seja tão ou mais quente que o de São Paulo). Rápida e bem amarrada ao roteiro, essa viagem soa como o enxerto necessário para se conseguir o apoio financeiro também no Brasil (Er... compreensível).

Mais rápidas ainda são as cenas de sexo, que comprovam a idéia de “não vamos perder tempo com isso, o filme precisa seguir adiante”. Poucas vezes se viu exemplos tão claros da piada pronta do “vai ser bom... não foi?!”. Não é uma questão de se filmar o sexo na íntegra, mas de se dar um jeito de manter uma coerência realista-naturalista (do filme) e não fazer parecê-lo artificial, numa maneira de filmar inicialmente interessante de pouco puritana. No fim das contas, o sexo aqui parece uma transa de coelho com um pouco de câmera lenta.

Ainda assim, entre sua casa, conferências e encontro com gente que não via, Rimini tem uma história com um bom grau de genuinidade e que convence, mesmo com ingredientes batidos, desde frustrações e tragédias amorosas ao envolvimento com drogas. Assim como convence o caráter de Sofia, que relativiza toda e qualquer idéia de fins justificarem meios, principalmente quando a situação é caracterizada pelo amor, ou pela falta dele.

Desse amor (outrora puro) e da obsessão ao fundo do poço e o conformismo, com passagem pelo melodrama, Babenco chega a um resultado um pouco irregular, mas pra lá de interessante. Até por terminar com um poder de sugerir como um final “feliz” pode (ainda) não ser o final, como também pode ser ironicamente amargo.

Filme: O Passado (El Pasado, Brasil/Argentina, 2007)
Direção: Hector Babenco
Elenco: Gael García Bernal, Analía Couceyro, Moro Anghileri, Ana Celentano.

8mm
Entre cabeça e braços
Braço sendo cortado por uma serra elétrica (1983), um extintor de incêndio esmagando várias vezes uma cabeça inocente (2002), e uma mulher cotó descendo ladeira abaixo – depois de ter tido seu braço gentilmente decepado por uma espada (2003). Essas são apenas algumas cenas de filmes que judiam da nossa tolerância à violência e que eu particularmente adoro (não citei os nomes pra não cortar o barato de quem ainda não viu). Ou seja, não tenho nada contra sangue e/ou derivados no cinema.
Ainda assim, não tive vontade de ver o Jogos Mortais 5. Pra não mentir, até que tive, mas a ordem de prioridades deixa coisas como O Passado e Lucía e o Sexo (muito bom) na frente. Já no caso de High School Musical, achei o primeiro uma das coisas que você se contorce de vergonha ao assistir, o segundo um pouco melhor (mas ainda assim fraquinho), e o terceiro não vi porque é dublado. Musical dublado, mesmo que com músicas não dubladas, soa esquizofrênico demais pra mim.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 29 de novembro de 2008

Show Não Pode Parar, O*



Auto-retrato encantadoramente honesto

Essa semana fui rever O Show Não Pode Parar (The Kid Stays In The Picture, EUA, 2002), de Nanette Burstein e Brett Morgen, sobre Robert Evans, de quem pouco ou nada se ouve hoje em dia. Curioso é que, por outro lado, até hoje se comenta Love Story, O Poderoso Chefão, O Bebê de Rosemary e Chinatown – todos produzidos ou com produção chefiada por ele, provavelmente o homem mais poderoso de Hollywood nos anos 1970.

Ainda antes de ter todo o poder que teve, Evans bateu o pé durante a produção de O Bebê de Rosemary (1968) para a manutenção de Roman Polanski na direção, que não agradava a Paramount e estava muito atrasado nas filmagens. “Se ele sair, eu saio”, disse. Ficaram os dois e o filme foi lançado, o que fez Mia Farrow acabar o casamento com Frank Sinatra (!) e depois ver que, pelo menos a nível profissional, fez a escolha certa. Dois anos depois, o mesmo Evans salvou a mesma Paramount da falência, graças a Love Story (1970), que levou o estúdio do nono para o primeiro lugar em Hollywood.

Essa breve introdução pode passar a impressão de que O Show Não Pode Parar é apenas mais um biodoc sustentado pela pessoa. Até porque é comum ver filmes que se apóiam muito mais no assunto do que no resultado como obra única que deve ser. Ainda mais se visualizarmos uma história basicamente sobre ascensão e decadência de uma celebridade (mesmo ele sendo mais do que apenas uma) –, sem nada de aparentemente original. Se pensarmos em Hollywood e numa autobiografia, o fedor inerente é de egocentrismo e de pieguice. Ou seja, temos todos os ingredientes pra chegar a um negócio sem gosto.

Mas o ponto é que sentimos aqui um tempero que faz a coisa funcionar. A começar pela narração, feita pelo próprio Robert Evans, que exala paixão e honestidade assustadoras e convincentes – mesmo quando compreensivelmente romantizadas. Da mesma maneira que imaginamos todo o prazer que ele sentiu ao lembrar de seus tempos áureos, quase sentimos o desespero contido de quem já freqüentou um tribunal e uma prisão – por motivos pouco louváveis. É interessante ver o sucesso de um Robert Evans galanteador e ambicioso transportado com a mesma sinceridade de um Robert Evans falido, drogado e esquecido.

Também é interessante que, embora o filme passe uma idéia de um egocentrismo inerente ao seu personagem principal (que admitiu ter no ego o seu maior problema), há muito ali sobre gente de verdade em Hollywood. Com direito ao estereótipo de gente escrota, já que em 40 anos sempre teve quem renegasse um cara como Robert Evans (mesmo no auge), mas também de gente capaz de gastar parte de um dinheiro sem fim em atitudes podres de humanas – e também quem seja bondosamente humano antes de se mostrar perfeitamente escroto: a lá Hollywood. Essas passagens não fazem parte de um estudo sociológico ou coisa do tipo dessas pessoas, obviamente periféricas no filme, mas deixam uma impressão ainda mais palpável sobre alguém que viveu o sonho impossível de muita gente.

O até discreto gosto de glamourização funciona, já que a Hollywood para exportação se apresenta como tal, mas também se mostra como única nesse pedaço de obra, que desde o começo já avisa. “Existem três lados para cada história: o seu lado, o meu lado, e a verdade. E ninguém está mentindo. As memórias compartilhadas servem a cada um de maneira diferente”, numa citação do biografado.

O Show Não Pode Parar mostra somente um lado da história. O que pode ser analisado como uma limitação (não acho), mas também como um ponto de vista que resulta numa obra pessoal (do autor do livro aos adaptadores), com ritmo e capacidade de prender a atenção como pouca coisa do gênero. Muito bom.

Filme: O Show Não Pode Parar (The Kid Stays In The Picture, EUA, 2002)
Direção: Nanette Burstein e Brett Morgen
Elenco: Robert Evans, Francis Ford Coppola, Catherine Deneuve, Jack Nicholson.


8mm
Em Itabuna: Essa semana decidi não falar sobre filmes em exibição no cinema de Itabuna por alguns motivos. Dos que estrearam (pois já falei de 007 e Ensaio sobre a Cegueira), ainda não tive tesão suficiente pra ver Jogos Mortais 5, e vi o Última Parada 174. Apesar de não ter convicção para afirmar que o filme é bom, gostei mais do que esperava. Ainda assim, não tive vontade nenhuma de escrever sobre.
Ou seja, se rabiscasse qualquer coisa, seria mais uma vez sobre algo que me agradou pouco. E eu queria falar sobre um filme que eu realmente gostei – ou, no caso, que já gostava e passei a gostar ainda mais. Às vezes, alisar é mais agradável que bater.

Woody Allen: Scarlett Johansson, Penélope Cruz e um atual vencedor do Oscar no elenco (Javier Bardem) já chamam atenção suficiente pra qualquer cinema, mesmo que ele exiba quantidade descomunal de coisas enlatadas e horrorosas como o daqui. Entendo que essas coisas atraiam público (e elas são necessárias, porque sem público não há cinema), mas às vezes elas impedem gente boa de estrear por aqui.
Se pensarmos que o ótimo Planeta Terror e o sensacional vencedor do Oscar (!) Onde Os Fracos Não Têm Vez passaram em Ilhéus e não vieram pra Itabuna, vem um frio na barriga toda quinta, quando geralmente é anunciada a programação do fim-de-semana. E vem também o inevitável medo de não assistir justamente ao novo Woody Allen.
Mas eis a questão: Vicky Cristina Barcelona é a maior bilheteria do autor no Brasil. Com esse elenco de classe, na semana de estréia, só perdeu pra o novo 007. Então, lá vai um recado pro Starplex: Vicky Cristina Barcelona tá dando dinheiro pros cinemas. Não tem desculpa, tragam pra cá.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 22 de novembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira*



Apocalipse quase didático

Ensaio sobre a Cegueira (Blindness, Canadá/Brasil/Japão, 2008), de Fernando Meirelles, é o projeto mais ambicioso do diretor paulistano até hoje, que ficou mundialmente conhecido por Cidade de Deus (2002), pelo qual concorreu ao Oscar de melhor direção, e que depois dirigiu O Jardineiro Fiel (2005). Agora ele dirige a obra adaptada do livro de José Saramago, publicado em 1995, quando Fernando Meirelles já tentava convencer o autor português a vender os direitos para ele filmar a obra – o que só veio acontecer 13 anos depois. Pensar nisso, e na capacidade do brasileiro dirigir obras pelo menos bem-acabadas como as duas citadas, faz crescer a expectativa para um projeto como esse e, depois do resultado final, faz também aumentar a decepção. Por mais que a obra consiga flertar com a genialidade, por outro lado, ela às vezes soa preguiçosamente óbvia e repetitiva.

Desde o Semcine (Seminário Internacional de Cinema), que aconteceu há quatro meses em Salvador, César Charlone (diretor de fotografia de Meirelles) já havia comentado sobre a fidelidade do filme à obra escrita. O próprio Charlone “retirou” parte do seu crédito na fotografia do filme, ao dizer que a idéia dos tons brancos, quase lácteos, já estavam claras no livro o escritor português. Ele só faltou falar (algo parecido): “Saramago que dirigiu a fotografia”.

Fotografia, aliás, que desde a primeira pessoa acometida pela cegueira sem precedentes, não só é fiel ao livro, enquanto cegueira branca, como incomoda quem assiste. O filme abusa de sua pupila, que em várias seqüências se acostuma a um branco-estourado, e em outras tem que se ajustar para um tom escuro que camufla praticamente tudo que está na tela.

Esses dois tipos extremos de imagem (principalmente o primeiro) são inicialmente interessantes no seu resultado, já que é passada a idéia de desconforto sentida pelos personagens. Por outro lado, soam evidentes demais, e esse desconforto pode atingir um grau de impaciência que, pelo menos no meu caso, fez as duas horas do filme parecerem dois dias. Já as imagens turvas, principalmente pelos momentos em que aparecem, passam a impressão de que Meirelles quis amenizar cenas apocalípticas e duras que exploram como poucas obras o lado tão obscuramente instintivo do ser humano.

Esse peso caótico do filme impressiona e pode funcionar como metáfora do estado atual das coisas (já que o lugar é propositadamente não identificado e genérico, e os personagens representam classes, etnias e personalidades distintas) até como o homem pode reagir diante de necessidades extremas. Na hora do desespero, por exemplo, uma mulher casada se vende antes do que uma prostituta, enquanto outra mulher casada e apaixonada desafia seu marido orgulhoso e “digno” para fazer o mesmo. Aqui há ainda exemplares claros e em sociedade de extremos de perdão, abnegação e altruísmo, mas também de egoísmo, oportunismo e completa falta de empatia – às vezes justamente de quem mais se deveria esperar. Não são muitos os filmes que tratam de tanta coisa e com certo sucesso ao mesmo tempo.

Outro mérito do filme, que aliás já caracteriza Meirelles, são as atuações. Juliane Moore (Magnólia, Boogie Nights), a única não infectada pela cegueira, consegue o que se espera de um papel tão acima dos outros como o dela. Entre os personagens periféricos, o melhor é Gael García Bernal (Diários de Motocicleta, Babel), que curiosamente não aparece tanto, mas é responsável por um personagem humanamente repulsivo, e pelo momento mais engraçado (e talvez ironicamente triste) do filme – numa referência a Stevie Wonder, em cena (pelo que li) improvisada.

Por outro lado, outra parte do mérito (e que pelo excesso audiovisual pode soar como demérito) parece muito mais de Saramago, desde as imagens até o fim, quando o roteirista Don McKellar (obviamente avalizado por Meirelles, que teve o “corte final” por contrato) encaixa uma narração em off para concluir o filme. Um final literário e didático demais, numa concessão pra explicar a quem não entendeu (?!). Uma pena, num filme que funciona melhor (e muito bem) justamente quando não explica, e sim explora.
Filme: Ensaio sobre a Cegueira (Blindness, Canadá/Brasil/Japão, 2008)
Direção: Fernando Meirelles
Elenco: Juliane Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Gael Garcia Bernal.

8mm
Menos mal: A versão que passou em Cannes tinha narração (de Danny Glover – com a venda preta no olho) também no começo. Não imagino como isso foi possível, porque no meio do filme Glover começa que discretamente (ou nem tanto) se torna uma narração enxertada de forma pouco sutil. Imaginar narração no início, meio e fim dessa maneira é visualizar um resultado que, como apresentado em Cannes, começou e terminou ruim.

Aposentados em atividade: E As Duas Faces da Lei realmente é tão ruim quanto eu imaginava. Aliás, o filme não é nem tão fraco, mas sim podre de genérico e medíocre. Durante mais ou menos uma hora e meia, o melhor do filme é lembrar como Robert De Niro e Al Pacino já foram bem aproveitados. Quando acabou o filme, só pensei em rever coisas como Bons Companheiros e O Pagamento Final – que nem são os melhores enquanto performances, mas têm valor afetivo, o que não vem ao caso. Além de Fogo contra Fogo, obviamente, o único filme de verdade que eles atuam juntos.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 15 de novembro de 2008

007 – Quantum of Solace*



Certo (des)conforto

007 – Quantum of Solace (idem, EUA/ Reino Unido, 2008), de Marc Forster, é o 22º filme da maior franquia do cinema, e surge depois do ótimo 007 – Casino Royale (2006), de Martin Campbell, visto inicialmente com uma desconfiança enorme, mas que terminou elogiado.

O filme novo começa de onde acabou o anterior, o que deixa claro uma tendência de a franquia assumir uma guinada no Bond, que teve o (re)início de sua trajetória (re)contado em Casino Royale. A mudança é acompanhada também pela troca do agente secreto, pela segunda vez interpretado por Daniel Craig.

O ator inglês prometia desde ali um Bond diferenciado, e a continuação criava uma expectativa ainda maior pela repetição do trio de roteiristas do Casino Royale: Paul Haggis, Neal Purvis e Robert Wade. Aqui, os três fazem um enredo mais simples, que dá ao diretor a oportunidade de dirigir inúmeras e intermináveis cenas de ação. O problema é que eles não têm mais Martin Campbell, diretor nada genial mas com experiência não só em filmes do gênero, como também em James Bond – já havia dirigido Golden Eye (1995).

Quem está no comando das câmeras agora é o alemão (que se considera suíço) Marc Forster (Em Busca da Terra do Nunca). 29 anos mais novo do que Campbell, Forster passa a juvenil impressão de tentar bater o recorde de quantidade de cortes nos primeiros 20 minutos do filme – excetuando aí a abertura. Parafraseando Walter Murch (entre outras coisas, editor de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now), a edição aqui é hiperativa e funciona como um guia turístico que não pára de apontar as coisas. “Olhe pra a sua direita, agora para a sua esquerda, aliás, olhe para a frente; agora vire de novo, dê um pulo e olhe para trás”. Dá dor de cabeça.

Assim como Bond, a Bond Girl está diferente. Olga Kurylenko (29 anos na sexta-feira – 14) interpreta Camille, que tem no seu melhor a aparência morena-artificial-francesa-mas-na-verdade-ucraniana. Fora isso, uma Bond Girl que não fica, e faz você sentir falta de Eva Green – a Vésper de Casino Royale. Já Bond, um dia super-homem de smoking e um copo de martini, agora está sensível e busca vingança. Na maioria das vezes, parece mais um homem de verdade com façanhas de Bond do que um Bond com poucos momentos de homem de verdade, como sempre foi mais comum.

Caminhando sempre através desse percurso diferente do restante franquia, o filme mantém sua coerência e reforça a idéia do afastamento dos primeiros 007’s e uma aproximação do Bond dos Homo sapiens. Só não sei até que ponto isso é bom para o agente, de quem foi tirado até a clássica “my name is Bond, James Bond”.

No fim das contas, Quantum of Solace transpira investimento demais em humanidade e tensão – talvez desnecessárias nas quantidades apresentadas. Não tem muito a cara de Bond, nem de um filme de ação autoral que sobreviva ao tempo, mesmo com seus momentos. Para um título que pode ser entendido como (difícil tradução) “um mínimo de conforto – numa relação”, não deixa de ser irônico o desconforto que o filme pode causar.

Filme: 007 – Quantum of Solace
Direção: Marc Forster
Elenco: Daniel Craig, Olga Kurylenko, Judi Dench.


8mm
Confortante: Apesar dos problemas, duas cenas me chamaram a atenção. A primeira, talvez a melhor filmada em todo o filme, faz quem tem medo de altura se contorcer na cadeira em uma agonia de poucos minutos que podem parecem durar horas. A outra lembra uma máfia estilizada, com cena que envolve petróleo e remete ao Goldfinger (1964), ainda com Sean Connery.
Como de praxe, a abertura também ganha seus pontos. Tanto visualmente, numa coisa nem tão kitsch quanto pareceu no começo, como pela música: Another Way to Die, composta por Jack White, que também canta – ao lado de Alicia Keys.

Som: Falando em música, é lançado na segunda-feira (17) o livro O som no cinema brasileiro, de Fernando Morais da Costa, no Rio de Janeiro. Não conheço o cara, não sei de ninguém que estará no Rio, mas é sempre bom ver gente escrevendo sobre nosso cinema. A idéia e o fato por si só já são ótimos. Fica a torcida para que o livro, como resultado final, também.

Triste: A Agência Nacional do Cinema (Ancine) promove o “Mês do Filme Nacional”. Entre 17 e 20 de novembro (campanha valeu também entre os dias 10 e 13), os ingressos dos filmes nacionais vão custar R$ 4,00 nos cinemas que aderiram à promoção. A Agência investiu cerca de R$ 2 milhões na campanha, que abrange mais de 300 salas de cinema no país afora. Iniciativa válida, mas não se anime: na Bahia, só Salvador e Vitória da Conquista estão na promoção.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 8 de novembro de 2008

Pausa

Excepcionalmente nessa semana, não publicaremos a coluna 70mm – que volta normalmente na semana que vem.

Ao meio punhado de leitores, um pedido de desculpas.

sábado, 1 de novembro de 2008

Mamma Mia!*



Feminismo

Mamma Mia! (idem, EUA/ Alemanha/ Reino Unido, 2008), de Phyllida Loyd (que só tinha dirigido um filme pra TV anteriormente), foi uma grata surpresa em uma semana que parecia completamente insossa no cinema aqui em Itabuna. Um filme que consegue ser o que muito filme quer ser e não consegue, ou não tem coragem de admitir.

Grande parte do mérito está numa das bandas que mais embalou boites afora nos anos 70: ABBA. Os suecos não tinham um cuidado extraterreno na composição musical, muito menos ligação direta com a música erudita, mas fizeram sucesso durante certo tempo com um som minimamente pessoal e bem pop, acessível a qualquer um.

Como musical, Mamma Mia! se liga imediatamente a Across the Universe (2007), de Julie Taymor, e, com boa vontade, a Moulin Rouge (2001), de Baz Luhrmann. Esse último entra como exemplo de como uma referência futura e presente de como se fazer um musical sem nenhuma música original (que eu me lembre) e mesmo assim chegar a um resultado autoral e bem acabado. Ali vemos mescla de músicas de quatro (ou até mais) décadas diferentes numa roupagem que faz você acreditar que ali está a trilha sonora de duas ou três gerações.

Já em Acrosse the Universe temos um musical baseado nas músicas de um banda – no caso, os Beatles –, também como aqui. Só que em Mamma Mia!, obviamente, as músicas parecem muito mais datadas (especialmente se comparado a Moulin Rouge), já que ABBA, fundada em 1971 (dois anos antes do primeiro álbum) e findada em 1983 (dois anos após o último álbum), não passava a pretensão de ficar para a eternidade. E assim parece ser também o filme, que investe muito mais no que cada música já representava do que numa roupagem nova (musicalmente falando) a cada uma delas.

Como esperado, Meryl Streep é o pilar de tudo, já que seu talento para atuar é maior do que qualquer coisa que esteja ali. Ela interpreta Donna Sheridan, mãe de uma filha (Sophie, interpretada por Amanda Seyfried) que não sabe quem é o pai, e que descobre que nem a própria mãe sabe.

Aí aparece o primeiro traço de feminismo do filme. As mulheres que comandam, enquanto os homens são submissos, imploram, esperneiam e só conseguem o que querem após aprovação ou consentimento das mulheres. Elas são “promíscuas” (de família), independentes, e eles fracassados, geralmente também românticos. Numa cena próxima a um cais, as mulheres exalam felicidade, independência e espontaneidade. No mesmo lugar, quando é a vez dos homens se divertirem, a coisa leva um tom muito mais homo-erótico-pastelão – lembra Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). Não é um filme feminino, mas sim feminista caricato (se é que isso existe).

Curioso também que, mesmo sendo um musical e tendo músicas com sonoridades praticamente iguais às de 30 anos atrás, o filme consegue manter um fio narrativo que se sustenta razoavelmente bem tanto pelos diálogos como pela trilha sonora, num encaixe acima da média para o gênero. Por outro lado, o que muitas vezes prende (e ao mesmo tempo distrai) a atenção ou é a paisagem (obviamente perfeita, com locações da Grécia à Califórnia), com personagens, história e até música em segundo plano, ou a quantidade estratosférica de cortes. Outro ponto é que não há números ou coreografias memoráveis, que corroboram ainda mais a idéia de que você vários videoclipes dentro de um só gigantesco, e não um musical. No good.

Vale frisar também que Mamma Mia! passa ok enquanto não se leva a sério. Um exemplo claro disso é quando uma discussão dramática-conflituosa se torna ultra constrangedora, porque gente do mundo de Alice volta repentinamente para o mundo dos terráqueos – e quebra todo o clima construído até ali.

Como esperado, o seu final é devidamente feminista, e a lógica do mundo de cá (ausente em quase todo o filme) é deixada de lado pela lógica do lado de lá. Mas talvez relevável, principalmente por tudo que foi honesta e fantasiosamente construído – mesmo que às vezes pouco elaborado. Um alto astral que pode levar à condescendência e que deixa tudo ok.

Filme: Mamma Mia! (idem, EUA, Alemanha e Reino Unido, 2008)
Direção: Phyllida Loyd
Elenco: Meryl Streep, Amanda Seyfried, Stellan Skarsgård, Pierce Brosnan e Colin Firth.

8mm
(Falta de) som
Não consegui encontrar na Internet como é o sistema de som de Mamma Mia!, mas fiquei com a impressão de que faltava alguma coisa no áudio. O som não parecia um Dolby, e em alguns poucos momentos tinha um abafa típico de mono. Além de um pouco baixo. Não sei se o problema era da cópia, do próprio filme (acho difícil) ou do áudio da sala – ou até comigo. Se ajudar o Starplex, vi o filme na terça-feira (28) às 17 horas.

Tema irrelevante: Quando digo feminismo, isso não tem ligação nenhuma com a qualidade do filme. Você pode ter uma coisa que transpira misoginia, como Cães de Aluguel (1992), de Tarantino, e ainda assim ser muito bom e com mulheres entre fãs do filme. Já um outro filme (teoricamente) sobre amor pode ser um lixo de plástico encomendado, como o Noites de Tormenta, comentado aqui semana passada. Se preferir, você ainda pode entrar no mundo imoral de obras-primas como O Poderoso Chefão (1972), Scarface (1983), Bons Companheiros (1990) e Fogo contra Fogo (1995) – entre algumas outras dezenas. Pessoas e temas detestáveis podem resultar em ótimos filmes, assim como idéias e mensagens ótimas podem se transformar num martírio de duas horas. O óbvio ululante da semana.

“Os” caras: Falando em Fogo contra Fogo, cadê o As Duas Faces da Lei? Não li nada de bom sobre o filme, mas é apenas a segunda (a outra foi em Fogo contra Fogo) e talvez a última vez em que Robert de Niro (65) e Al Pacino (68) contracenem juntos. Por pior que seja, a pergunta é: quando foi a última vez que você viu dos dois maiores atores dos últimos quarenta anos atuando juntos?

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.paramountpictures.com.br/mammamia

sábado, 25 de outubro de 2008

Noites de tormenta*



Emoção de plástico

Assisti a Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe, EUA/Austrália, 2008), de George C. Wolfe, na quarta-feira, depois de achar que dificilmente assistiria a algo tão ruim quanto o filme anterior que vi no cinema: Missão Babilônia. Não acreditava que Richard Gere e Diane Lane pudessem estar em uma coisa tão ruim quanto eu temia. Resultado: nunca subestime seu pessimismo.

O filme até que começa bem, apesar de já inconstante. Somos apresentados à família de Adrienne (Diane Lane), mãe de um filho (mais novo e decorativo) e uma filha – mais velha e caricata/doidinha até a medula. Adrienne é recém-desquitada, seu ex-marido – Jack Willis (Christopher Meloni) – é um canalha, que dá um chilique constrangedor para tentar voltar a ela. Os dois não chegam a um consenso, ele viaja com os filhos, e ela diz que vai pensar enquanto toma conta de uma pousada para uma amiga, que também vai curtir em algum canto – depois de salientar para Adrienne o quão escroto Jack é.

Depois do piti bem fraquinho, os (mais ou menos) 15 minutos seguintes do filme não conseguem, mas até que tentam salvar o filme. Eles funcionam como um bom road movie (que o filme não é), ao levar você a querer viajar, tomar um vinho (ou não), curtir a paisagem por onde passar, as pessoas que vai conhecer, e tudo de bom que pode acontecer em uma viagem. Parte desse mérito está na belíssima North Carolina (especialmente seu litoral), aqui fotografada pelo brasileiro Affonso Beato – que já trabalhou com Walter Salles, Stephen Frears e Pedro Almodóvar, além de Glauber Rocha.

Mas os principais problemas de Noites de Tormenta aparecem junto com o Dr. Paul Flanner (Richard Gere). Ele viaja para a dita pousada, onde encontra Adrienne e lá permanece como o único hóspede durante um fim-de-semana – ou um feriadão, não lembro, mas você acredita que isso é possível. O fato de terem filhos e serem divorciados aumenta uma natural empatia entre eles, e o resto você pode imaginar.

A previsibilidade do roteiro não chega nem a ser o ponto mais fraco, porque muito mais do que a repetição de clichês, o jeito de filmar não convence. As duas cenas de sexo (aquilo é sexo?) são púdicas, e não transbordam tesão algum – e eles ainda transam em condições adversas. Para um filme que toma o rumo que toma, é essencial fazer os laços entre os dois parecer real – logo, é importante fazer o sexo parecer sexo.

Se sexo mais real resultaria em censura maior e mais problemas para público e retorno de dinheiro, que se investisse na relação de carinho, de companheirismo, no crescimento dessa relação entre duas pessoas maduras – ele com seus 50 e poucos, ela com seus 40 – e carentes. Exemplo bom disso é Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, que mistura sutileza, graça e autoralidade que faltam aqui.

O que também prejudica o maior investimento nesse relacionamento é a quantidade de assuntos delicados abordados. Além de uma relação conturbada dentro de duas (ou até três) famílias, temos morte de mãe, morte de pai, morte de filho. O roteiro é um genocida que não consegue encontrar o balanço ideal entre crueldade e realidade, e com isso não parece chegar nem perto do choro que busca do público.

Após tons devidamente melodramáticos, o final do filme tenta ser onírico e recompensador para aquele que ama. O que fez eu me lembrar imediatamente de Ondas do Destino (1996), de Lars Von Trier, em caminho semelhante, mas com uma direção que faz você acreditar que vê em pessoas de carne e osso, além de sexo, carinho e amor de verdade. O que definitivamente não acontece aqui.

Filme: Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe, EUA/Austrália, 2008)
Direção: George C. Wolfe
Elenco: Richard Gere, Diane Lane e Christopher Meloni.


8mm
Já foi bom: Curiosamente, Richard Gere (veja só) está até razoável e Diane Lane melhor ainda, mas ambos (e especialmente ela) passam a impressão de terem caído nas mãos erradas. Principalmente se lembrarmos de Infidelidade (2002), dirigido pelo indecente (isso é um elogio) Adrian Lyne (Proposta Indecente, Lolita) e estrelado justamente pelos dois.

Guerra Fria e 007 atualizados: Arquivo X – Eu Quero Acreditar (2008), e Missão Babilônia (2008) – principalmente esse segundo – faz você achar que vê um filho (bastardo) de 007 em tempos de Guerra Fria. Russos perversos, Rússia (e países da ex-União Soviética) pior ainda e o ídolo-herói americano com a missão a ser cumprida. Só que ao invés de Roger Moore ou Sean Connery, temos... er... Vin Diesel.
Não quero entrar numa discussão sobre quão imbecis e estúpidos podem ser os dois países, nem agora os dois presidentes – Medvedev e Bush, esse já de saída. Mas imaginar coisas piores foi o que mais ficou dos dois filmes, o que é duplamente ruim.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 18 de outubro de 2008

Casa da Mãe Joana*



Ode à preguiça...

Fui assistir a Casa da Mãe Joana (idem, BRA, 2008), de Hugo Carvana, na expectativa de ver um filme... er... bom. Li coisas boas de gente boa sobre ele, e como sempre vivo em busca de motivos para me tornar otimista, lá fui eu todo serelepe. Apesar de ter sido a sessão mais cheia que fui em um bom tempo aqui em Itabuna, me desculpem, mas não bateu.

A abertura do filme é relevante e tenta justificar os inúmeros defeitos da obra como um todo, já que vemos um castelo de conto de fadas, que busca fazer você acreditar na realidade própria do filme. Tentativa coerente e louvável, mas o que vem a seguir não funciona assim.

A primeira cena, depois de uma apresentação de créditos de gosto bem duvidoso, é feliz ao brincar com a interpretação inicial sobre a lógica daquilo. Você é chamado de burro e dá risada, percebendo o sentido da coisa e ficando feliz com a sacada. Problema é quando, depois de apresentar gente malandra feita de carne e osso, começa um outro filme, que parece um sitcom mal tratado.

Na grande maioria das comédias, o humor deve estar ligado em 220v, mas aqui está quase sempre em 110v, e algumas vezes com lapsos de completa falta de energia. Existem cenas com relativa autoralidade, mas puns, bundas e piadas prontas soam pastelões demais e criativas de menos.

Outro problema é a dificuldade para se lidar com o passar do tempo, que parece ser claramente uma junção de defeito no roteiro e na direção – e que a edição não poderia consertar nem se quisesse. Maior ainda que isso, apesar de talvez menos perceptível, é a construção do ambiente – alô, direção de arte?! Como pode tanta gente preguiçosa, que se mostra como um grupo de quatro amigos tão profundo quanto a bandeija de garçom que no sonho traz o whisky para eles, ter pôsteres de Che Guevara, Truffaut e The Who? Ídolos?

O único jeito de tentar explicar isso é visualizar que os personagens ali na verdade são (ou foram) muito mais do que estão na tela. Mas só se consegue imaginar isso se soubermos que o filme foi concebido graças a uma experiência de Hugo Carvana, que na juventude dividiu um apartamento no Leblon. Isso reforça a impressão de que o filme e os personagens estão em órbitas, talvez até galáxias diferentes – e nunca passam perto enquanto giram, e quando giram.

Ainda assim, é bom vermos o Rio de Janeiro – ou qualquer lugar – enfim urbano, e não mais um cine-favela pronto pra virar exportação. E também um final com uma ironia afiada, que alfineta muita gente e o país como um todo. Só seria melhor se essa mensagem fosse dita sem a voz off, da narração. Do jeito que ficou, foi como explicar uma piada.

Esse final resume pelo bem e pelo mal o filme, que não consegue fazer você entrar no mundo sugerido por ele (pelo menos eu não consegui), num misto de fantasia e preguiça. Essa última, infelizmente, soa presente até no resultado final.

Filme: Casa da Mãe Joana (idem, BRA, 2008)
Direção: Hugo Carvana
Elenco: Hugo Carvana, José Wilker, Paulo Betti e Pedro Cardoso.


8mm
Genérica: Quem ver Tainacã (!) no filme pode acreditar que ela é interpretada por Deborah Secco – eu saí da sessão achando que ela era. Mas, não era ela, e sim Fernanda de Freitas. Ela já trabalhou em Zuzu Angel (ainda não vi), Cidade Baixa e Tropa de Elite – não lembro dela em nenhum dos dois. Alguém se ligou?

Todo mundo nu: Sobre o manifesto anti-nudez de Pedro Cardoso. Existem roteiristas, diretores e atores, e roteiristas, diretores e atores – todos eles ligados aos filmes. Mas, antes do filme, todos os atores lêem roteiros e conversam (ou deveriam) com diretores. Só fazem o que querem, com quem querem e na frente de quem quiserem.

Felizmente, graças a coisas como Cidade Baixa (do baiano Sergio Machado, 2005), O Céu de Suely (do cearense Karim Aïnouz, 2006) e agora a mini-série da HBO Alice (só pra citar o que me lembro agora), temos cenas de nudez e sexo justificáveis (pelo contexto) e excepcionalmente bem filmadas. Nisso somos fo*a! Literalmente.

Humor (quase) negro: Uma das cenas do filme que tenta ser engraçada reúne Paulo Betti e uma “companheira”. O que mais ficou pra mim da cena é a lembrança de como morreu Michael Hutchence, vocalista do INXS. É quase uma piada de humor negro – só que sem graça.

Casa da Mãe Joana (em Itabuna): Tentei assistir ao “Bezerra de Menezes” na quinta-feira (16), mas não dá dizer que consegui. Imediatamente atrás de mim, uma mãe muito bondosa levou também sua filhinha de seus quatro, cinco anos, sei lá – que falou a sessão inteira. O filme é censura livre, ok, mas cadê o mínimo de bom senso? Será que ela não conhece ninguém que possa ficar com a filha durante duas horas? Prejudicada pelos chiliques naturais da pestinha, toda a sala agradeceria.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens disponíveis em http://www.casadamaejoanaofilme.com.br/

domingo, 12 de outubro de 2008

Hellboy



Capetinha boa praça

Bem, após essa breve introdução de Domingos*, acho válido dizer que esse texto que vocês lêem agora nasceu prematuro. O papo foi quarta à noite e tive de fazer tudo até a meia-noite de quinta, quando acabei de escrever o que acho sobre Hellboy 2 – O Exército Dourado (Hellboy 2 – The Golden Army, EUA/Alemanha, 2008)¹, do mexicano Guillermo del Toro.

O filme começa com uma explicação em texto, assim como o primeiro (de 2004), e um breve retorno à infância do nosso protagonista. Um início (talvez desnecessário) pensado para quem não viu o nascer e as primeiras peripécias do garoto do inferno – afinal de contas, os produtores não querem imaginar uma alma sequer que deixe de ver a continuação porque não viu o primeiro.

Concessões geralmente não são legais, mas mesmo com elas, Hellboy transborda o tato de quem o dirige, e isso é sempre bom (e difícil) em continuações com orçamento generoso – aproximadamente US$ 72 milhões de dólares. Del Toro, um meninão crescido, competente e apaixonado pelo horror-fantástico, delicia os fãs do gênero com monstros-personagens que exalam uma bizarrice autoral muito bem vinda.

A ligação com as criaturas de O Labirinto do Fauno (2006), o filme anterior de Del Toro, são imediatas e inevitáveis, e esse talvez seja o maior problema dessa continuação. Da idéia de fábula ao visual e concepção dos monstros, a semelhança é menor com Hellboy do que com o último filme do mexicano. O mais diferenciado aqui é o vilão, o príncipe Nuada, que parece um vocalista (mais) estilizado de banda norueguesa de black metal.

Uma coisa, porém, está presente nos filmes de Del Toro e aqui incomoda um pouco: a tentativa de suavizar/camuflar alguns cortes. A mais justificável (e difícil) das idéias de se fazer isso foi em Festim Diabólico (1948), de Hitchcock. O problema é que (além de um não ser o outro), mais até do que nos outros filmes, a coisa parece satisfazer mais uma mania do que uma função narrativa.

Por outro lado, num diferencial especialmente do filme de 2006, o que temos aqui é uma adaptação de história em quadrinhos para encher multiplexes, graças especialmente às (bem filmadas) muitas e longas seqüências de ação, que não deixam ninguém dizer que o filme é chato – e que também fazem você imaginar que escrever o roteiro não foi das tarefas mais árduas.

Vale dizer também que nosso herói (Ron Perlman, devidamente irreconhecível) está bem, próximo do limite ideal entre o humano e o obviamente fantasioso. O humor também está ok e aqui até Selma Blair (que interpreta Liz Sherman, paixão do Hellboy) está mais... er... carismática.

O filme tem lá suas afetações e concessões, mas funciona. Graças principalmente a Del Toro por trás das câmeras, é um passatempo acima da média, inclusive nos problemas, mas que passa pelo toque pessoal.

8mm
Parabéns – Falando em Guillermo Del Toro, o diretor mexicano fez aniversário na quinta-feira, 9 de outubro (quando John Lennon completaria 68 anos). Latino, 44 anos, sete filmes (longas) e uma indicação ao Oscar – de melhor roteiro por O Labirinto do Fauno em 2007. Nada mal.

Três – Espero impaciente por três filmes – com possibilidade, creio eu, de passarem aqui em Itabuna. O primeiro é Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, dupla de Central do Brasil que ainda não pisou na bola e parecem ter feito o melhor filme da parceria até agora. O segundo é Ensaio sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, que me atrai mais pra saber como um brazuca se sai dirigindo tanta gente boa junta, e baseado num livro quase sacro. E o terceiro é Velha Juventude (estreou por agora no Festival do Rio), de Francis Ford Coppola (trilogia de O Poderoso Chefão, Apocalypse Now), que ficou dez anos sem oficialmente dirigir nada. Outra obra-prima?

Eternidade – Cadê o novo do Quentin Tarantino, Europa Filmes?! Mais de um ano depois da estréia do filme em Cannes, nada de previsão oficial e defintiva para o Brasil até agora. A demora pra a chegada de À Prova de Morte (Death Proof) já virou uma eterna prova de paciência.

* Texto de estréia da coluna 70mm, publicada no semanário O Trombone – Itabuna-BA.

¹ Visto no cinema – 7 de outubro de 2008.

domingo, 28 de setembro de 2008

Planeta Tarantino

Hoje vi o Planeta Terror* (Planet Terror, 2007, EUA), a parte do Robert Rodriguez do Grindhouse (idem, 2007, EUA). Continuo achando que Rodriguez consegue a façanha de filmar cenas geniais e, num mesmo filme, ter momentos de uma criança apaixonada por cinema que tá pegando pela primeira vez numa câmera – não falo aqui de problemas técnicos e derivados, que fazem parte da idéia do Grindhouse, mas do filme e sua coerência como um todo.

Pra resumir, gostei, apesar do eterno sabor amargo rodrigueano, mas também acho que o cara tem feito coisas cada vez mais bem acabadas. Até como compositor, já que a trilha original talvez seja a melhor coisa do filme. O problema é que ele não tem o talento que imagina ter como cineasta – ou que faz você acreditar, durante alguns segundos, não sei. E isso faz eu pensar cada vez mais em uma coisa: QT e seu Death Proof (2007).

Penso porque o Planeta Tarantino é desde sempre mais interessante do que o do seu amiguinho texano. Europa Filmes, cadê vocês?

* Visto em DVD – 28 de julho

Ps: Segundo episódio de Alice daqui a pouco...

domingo, 7 de setembro de 2008

Ah, Alice...

Hoje vi a apresentação da HBO para a série Alice, produzida pelo canal e que estréia na América Latina no próximo dia 21. E digo que, depois de fazer uma escala em Júpiter, minha expectativa pela coisa já está em Netuno, prestes a se perder em seu tamanho desmedido.

Três motivos para isso: Karim Aïnouz e Sérgio Machado como roteiristas e diretores gerais, série filmada em película, e atriz principal transbordando um carisma sem igual. Visualize uma expressão que passa um carinho maior até do que Hermila Guedes. Pois é: Andréia Horta, que é justamente a Alice.

Ah, perdão, você pergunta de que diabos se trata Alice? Pois bem, ela é uma mulher que vem de Palmas-TO para São Paulo – inicialmente para ficar três dias, salvo engano – e lá passa por coisas guiadas pela dupla já citada.

O elenco chama a atenção, assim como as (não tão) poucas imagens mostradas nessa apresentação de hoje. Imaginar Sérgio Machado e principalmente Karim Aïnouz (são outros dois diretores, mas minha expectativa cai notadamente sobre eles) dirigindo aquilo é realmente animador. Que eu não quebre a cara.

domingo, 24 de agosto de 2008

Glória...

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Christiane Kubrick (se vendo) em Glória feita de sangue (Paths of Glory, EUA, 1957)*, de seu seu falecido esposo. Que sabia filmar. E que também sabia escolher uma esposa/atriz/não atriz.

domingo, 27 de julho de 2008

Era uma vez...



Mais uma vez...

A sessão de Era Uma Vez... (BRA, 2008) no Semcine, em Salvador, fez eu me sentir um imbecil em Cannes, hiperbolizando o acontecimento. Antes da projeção, os principais atores do filme subiram ao palco da imponente sala principal do Teatro Castro Alves acompanhados do diretor Breno Silveira, que quase recita uma poesia para interpretar o filme por todos nós. No final, uma platéia ensandecida aplaudiu a coisa, alguns em pé, fazendo eu acreditar estar numa projeção de um vencedor da Palma de Ouro.

A história é simples: ele (Dé, interpretado por Thiago Martins) é um trabalhador honesto, um "exemplo" de pessoa, que faz tudo por todo mundo e não usa drogas, mesmo que toda a sua trupe o faça: ele é o clássico-bonzinho-com-cara-de-coitado-sem-dinheiro por quem deve se fazer tudo no roteiro para que o rapaz ganhe a empatia de todo mundo. Já ela (Nina, interpretada por Vitória Frate) é a menina linda e igualmente boazinha, só que entupida de dinheiro e de carência, uma vez que o mundo que ela vive é obviamente fútil, e ela é muito mais que isso. Para completar, temos ainda a favela e a praia cariocas prontas para exportação, explicitada através do imponente símbolo da Columbia na abertura do filme.

Antes da projeção, Breno Silveira falou que não importava se uma história ou um tema eram simples ou batidos, mas o importante era como isso seria contado. Nada mais óbvio. O problema é que a história dele, escrita por Patrícia Andrade – a mesma dupla de Dois Filhos de Francisco (2005) –, não tem nada de muito de genuíno. Como ele explicou (argh!) antes da sessão, o filme tenta levar você às risadas e às lágrimas em altas proporções e a todo momento: praticamente uma novela.

Temos basicamente uma clássica história de amor, com toques de Cidade de Deus (2002) e de Tropa de Elite (2007) – é verdade. E se nesse último a questão sócio-político-econômica já poderia ser considerada fascista, no caso de Era uma vez... a irresponsabilidade atinge um grau ainda maior, apesar de menos presente – o que não abona a maneira rasa e banal como a relação tráfico-favela-zona nobre é tratada aqui.

Mas, no fundo e no final, o filme é uma história de amor, que ironicamente, para chegar à sua resolução catártica, acaba precedido por uma seqüência de provas de burrice e de falta de amor. É verdade que inteligência e amor dificilmente caminham lado a lado, mas as armadilhas provocadas pelo roteiro, mesmo que resultem num até esperado melodrama, são tão ilógicas que fazem você se perguntar onde está tanto amor.

Ainda assim, vale dizer que Era Uma Vez... é tecnicamente bem feito e relativamente bem atuado, especialmente os personagens periféricos. Como um todo, os personagens principais ainda oscilam um pouco, mas se sobressaem em meio a todo o filme.

ssas atuações e uma boa intenção de falar de amor, contudo, não salvam Era uma vez..., que mesmo assim deve ser um sucesso estrondoso de bilheteria. Plagiando um amigo, Era uma vez... poderia se chamar Mais uma vez...

Visto no dia 22 de julho no Teatro Castro Alves – Salvador.