sábado, 28 de fevereiro de 2009

Sim, Senhor*



Crítica (e otimismo) da cegueira

Sim, Senhor (Yes Man, EUA, 2008), de Peyton Reed, parece um filme cego. Algum mais chato pode falar em dirigido por um cego, embora não tenha nada a ver com Dirigindo no Escuro, de Woody Allen, que dirige um filme – dentro do filme – sem enxergar. Em Sim, Senhor, o ponto mais saliente pra mim é que o filme parece errar quando mira e acertar quando atira num alvo para o qual mal olha.
A história trata de um cara (Carl, interpretado por Jim Carrey) que tem uma tendência sobre-humana de dizer não a tudo. Desde o início, quando somos apresentados a esse tipo de pessoa, fica claro que não importa o que seja feito de indelicado, esquemático ou constrangedor (bundas de fora com roupa de hospital, piadas com idosos e dentadura, etc): o importante é o riso. Se preferir em parágrafos garrafais: em Sim, Senhor o fim (riso) justifica os meios (esdrúxulos).

Uma cena chave dessa idéia é durante a cerimônia de “aceitação” de Carl, evento responsável pela guinada na vida dele, e no roteiro do filme. A idéia é passar a dizer sim e a aceitar as coisas e as pessoas sem pestanejar – analogia óbvia com o que faz o público médio de filmes como esse. A premissa é aparentemente bem irracional mesmo, a ponto de inicialmente nosso querido Jim Carrey desafiar qualquer lógica em detrimento da “promessa pelo sim”.

A partir dessa idéia do sim desenfreado a tudo que se vê e se encontra, liga-se no turbo a idéia de colocar qualquer atitude que leve à risada da primeira à sétima instâncias, e que tudo se junte no final, bem como o papai Syd Field manda nos manuais de roteiro – mesmo que existam roteiros bem piores dentro desse manual, diga-se de passagem.

O curioso é que essa obsessão quase homicida pelo encaixe das coisas e (principalmente) pelo riso, se por um lado ganha pelo cansaço e você realmente ri, por outro faz você observar pontos positivos de pingos isolados, que sufocam menos e permitem uma saudável respiração de todos nós. De um ou dois diálogos com respostas afiadinhas a um retrocesso causado (indiretamente) por esse “sim” automático. Temos aí um ponto que representa uma revira-volta, esperada para se aumentar uma tensão e se chegar ao final feliz, embora inesperada pelo motivo – de aparência inocente. Mas, não só.

Esse mesmo fato remete também – de uma maneira um tanto irônica devido ao completo mal-entendido –, a uma questão essencialmente norte-americana: a paranóia defensiva (ou ofensiva, se menos ingênuo). Essa questão pode soar oportunista, datada e opressora para uns (nada de novo), mas a mim, como foi abordada, me pareceu mais até oportuna.

Talvez o grande porém é que esse ponto está deslocado, num filme claramente mais “industrial” do que “político” – o que obviamente não o impede de levar sua carga de produto para exportação que é. E o mesmo porém fica ainda mais forte por se tratar de uma comédia ‘alto astral’ que parece gritar: “só quero ser escrita com C e A maiúsculos; e pouco ou nada além disso”. Para mim, não consegue – mesmo com uma ótima cena final, especialmente por (mais uma vez) seu tom mais auto-crítico e irônico do que cômico.

Fime: Sim, Senhor (Yes Man, EUA, 2008)
Direção: Peyton Reed
Elenco: Jim Carrey, Zooey Deschanel, Molly Sims

8mm
Terra agradece
Ela pode nunca vir a se tornar grande atriz (apesar de desde Fim dos Tempos já ter minha simpatia declarada), mas Zooey Deschanel, aqui, está de novo estranhamente linda – mesmo que nem tão estranha. Ver aqueles olhos azuis cantarem, rirem, dirigirem uma moto, e mandarem você morrer afogado é dessas coisas que realmente não têm preço. Me permitindo a coroa da frivolidade, a beleza dela ajuda a melhorar o filme.

Terra treme
Sophia Loren conversando pra todo o mundo ouvir, e olhando nos olhos de ninguém menos que Meryl Streep. A mesma galáxia vê Robert de Niro elogiando Sean Penn com honestidade no olhar vindo dos dois lados. (Diante de tanto talento, e com Los Angeles propensa a abalos císmicos, o mundo todo aproveita a desculpa e começa a tremer também. Pausa para o acontecimento, e pausa para o efeito colateral da pausa. Mundo volta ao normal. Volto a escrever o texto.)
No discurso, Penélope Cruz lembra de Pedro Almodóvar, Fernando Trueba e Bigas Lunas, diretores que apostaram (e apostam) nela (desde) nova. Sean Penn dedica seu segundo Oscar (além de aos gays – ele interpreta o histórico político Harvey Milk) a Mickey Rourke (concorrente e que ganhou no sindicato da categoria), num clássico caso de dois caras que sabem como não serem queridos, mas cuja honestidade da rabugentice também cativa (ou já cativou) muita gente – como eu.
O melhor da edição do Oscar desse ano, pra mim, foi essa coisa do reconhecimento – mais do que protocolar, soou de coração nesses casos. Na cerimônia, antigos vencedores apresentando os indicados e entregando o Oscar ao ganhador parece ter sido a sacada da noite.
Ou seja, gente reconhecendo gente, e de maneira aparentemente honesta, o que é sempre bom. Principalmente por se tratar de uma cerimônia competitiva (embora qualquer tipo de “competição artística” deva ser bem menos relevante como competição do que qualquer uma esportiva, por exemplo – lembrem-se disso sempre, por favor) em que muita coisa chama mais a atenção e está mais presente do que o mérito.

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Klaps (1976), de Krzysztof Kieslowski (curta)
* Um Canto de Amor (1950), de Jean Genet (curta)
* Premonição (2000), de James Wong
* Eu e as Mulheres (2007), de Jon Kasdan
* O Silencio dos Inocentes (1991), de Jonathan Demme
* O Casamento (1976), de Arnaldo Jabor
* Sim, Senhor (2008), de Peyton Reed (cinema)
* Fando e Lis (1968), de Alejandro Jodorowsky

Imagens em: http://www.imdb.com/ e http://www.myparkmag.co.uk/

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Mudança

Jornal mudando de sede, sem edição no carnaval. Sábado que vem, se tudo ocorrer como planejado, tudo de volta normalmente – coluna 70mm incluída.

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* E o Vento Levou (1939), de Victor Flemming
* Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese
* Não Furtarás (1988-90), de Krzystof Kieslowski (média-metragem parte do “Decálogo”)
* Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood
* Não Cobiçarás a Mulher do Próximo (1988-90), de Krzystof Kieslowski (média-metragem parte do “Decálogo”)
* Leonera (2008), de Pablo Trapero (cinema)
* Uma Rua Chamada Pecado (1951), de Elia Kazan
* Monty Python – O Significado da Vida (1983), de Terry Jones (e Terry Gilliam)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Falsa Loura*



Espelho quebrado

Carlos Reinchebach, 63, é um dos que defende mais abertamente o cinema “popular” no sentido financeiro do termo, idéia coerente não só com os que habitam sua obra, mas também com o ambiente de sua juventude. Em entrevista que vi há algum tempo não lembro onde, ele disse que sente falta dos anos 60 e 70, quando o preço do ingresso do cinema era equivalente ao da passagem de ônibus, e quando as classes C e D eram um público fiel das produções brasileiras. No mínimo simpático a essas camadas da população, a relação delas com as mais abastadas é o pano de fundo de seu último filme, Falsa Loura (idem, BRA, 2008), no qual Carlão (como é mais conhecido) revisita com relativo sucesso não só suas convicções sócio-políticas, como aprofunda (como poucas vezes já vi) o ser humano que é a personagem título.

Depois de uma citação de Sócrates, o filme começa um com dança mais do que sensual entre Regina e Silmara – respectivamente interpretadas por Luciana Brites e Rosane Mulholland. Essa última nos dá a entender, logo em seguida, ser uma operária que, além de sexo, exala arrogância e impaciência com mulheres sem metade do talento visual dela – ou seja, com quase todo mundo. Para completar bem esse raciocínio, ela berra para uma amiga: “todo mundo acha que eu faço programa, mas, olha, eu não sou puta” – não exatamente nessas palavras, talvez, embora a rispidez seja ainda maior do que a que você pensa. Na sequencia, ela “bate o ponto” ao se pegar no meio da rua com alguém que, até que se esclareça mais tarde, é mais estranho do que parece.

Essa primeira parte é uma introdução, que, assim como todo o resto do filme, questiona a imagem e a impressão das pessoas para si e para os outros. É bom dizer que, frases como “nem tudo é o que parece” ou “a primeira impressão (nem sempre) é a que fica”, se ditas numa discussão que quer se basear em argumentos, irritam qualquer um. Só que em Falsa Loura, felizmente, Carlão consegue trabalhar com esses pensamentos de “senso comum” (para ser educado) e transformá-los em um resultado eficaz como audiovisual.

Os personagens por quem devemos sentir empatia são membros das classes C e D, aqui desenhadas com naturalismo, que consegue viver muito bem com a questão política e social do filme, discreta e funcional. Os representantes das classes A e B (do empresário ao vocalista da banda), por sua vez, são pintados como predadores caricatos, o que ajuda na impressão ideológica de seu autor, mas destoa no que diz respeito às personalidades convincentes das operárias.

A loura
Silmara, assim como suas colegas tipicamente proletárias, passa longe da erudição e gosta mesmo é do “popular” – não sem razão, uns podem chamar de brega. A questão é que esse brega não é julgado, mas apenas transformado numa parte não só integrante como necessária ao mundo dessas mulheres, que sonham em transar com esses ídolos-fetiches. Esse sonho talvez exista nem tanto pelo sexo em si, mas pelo fato de atingirem um ápice teoricamente inatingível para elas, num misto de determinismo e preguiça – embora a situação seja muito mais complexa, trata-se de uma harmonia com a obra.

Dessa maneira, quando uma delas consegue realizar esse sonho a princípio utópico para todas do grupo, há também um conflito natural, entre pessoas que mal se conhecem e que vivem realidades distintas, numa relação que beira criador e criatura sem nada em comum. O ponto positivo é que esse relacionamento dos menos abastados diante dos objetos de admiração e cobiça, flui com certa naturalidade – dentro de uma dificuldade natural. Reichenbach é feliz ao mostrar que as interações ali não se baseiam nas diferenças sociais ou financeiras (que aqui destroem), mas sim numa coisa que todo ser humano sente: desejo.

Esse desejo é coerente com a citação a Sócrates, no começo, na qual se fala sobre o prazer e a dor, e como a busca por um significa estar sujeito ao outro. Mais do que isso, uma vez que o filme vai muito além de sua epígrafe, essa busca é capaz de mostrar a fragilidade de boas intenções, assim como da idéia do personagem diante da vida, ou de um simples fato, visto, sentido e interpretado de maneira diferente por quatro pessoas (diretamente) envolvidas nele.

O trabalho com pessoas e pensamentos populares, apesar do risco de ser seduzido e às vezes fisgado por inúmeros clichês, torna o trabalho de Carlão ainda mais interessante, uma vez que ele dá profundidade ao seu tema e aos seus personagens. Apesar dos estereótipos sem nenhuma carga humana, completamente distintos de Silmara e as do seu meio, eles acabam por se fechar numa obra coerente, do determinismo ao fatalismo melancólico.

Como um dos expoentes do movimento da “Boca do Lixo” dos anos 70, o gaúcho radicado em São Paulo mostra que sabe trabalhar com o “lixo” e o “luxo”, com ênfase nas aspas em ambos, e transformá-los num luxo de filme. Sem aspas – e com pouco ou nada de luxuoso, mas excepcionalmente bem acabado. Muito bom.

Fime: Falsa Loura (idem, Brasil, 2008)
Direção: Carlos Reichenbach
Elenco: Rosanne Mulholland, Djin Sganzerla, João Bourbonnais, Cauã Reymond, Mauricio Mattar


8mm
Mulheres

Curioso que, sem pensar previamente nisso, terminei vendo, em menos de uma semana, três filmes basicamente com mulheres e sobre mulheres, mas com praticamente mais nada em comum entre eles – além da qualidade. De Falsa Loura a 8 Mulheres, passando por Virgens Suicidas; do naturalismo ao coerente teatro caricato, flertando com um pouco de minimalismo pelo caminho.
De um Brasil proletário e conflituoso, mas felizmente não resumido a isso, a uma França fria, burguesa e ironicamente divertida, além de muito francesa – sem redundância ou hipérbole alguma no que digo. Para completar, todos trazendo consigo parte de suas influências, mas também funcionando como peças únicas de idioma próprio – mesmo que filhos das línguas mãe. Ô coisa boa essa diversidade...

Até onde você vai, QT?
Os filmes de Quentin Tarantino são uma droga. Primeiro você tem o contato inicial graças a um outro (primordialmente no cinema, quando não numa locadora ou emprestado), antes de passar você mesmo a comprar – o DVD. Depois você começa a aumentar a dose do medicamento (o filme) de tal maneira que, após tanto uso, você sabe que cada recaída (revisão) vai levar àquela sensação de “ah, foi bom, mas quero uma sensação nova”. Só que, depois de alguns dias de rebordosa (vendo outras coisas dificilmente do mesmo nível), lá está você pensando novamente no bendito entorpecente: o filme que só ele faz.
Essa semana vi o primeiro trailer do Bastardos Inglórios (tradução vai ser essa literal mesmo?), o novo dele. Quando soube do projeto, e da ligação com a segunda guerra mundial, fiquei meio ressabiado porque achava o assunto “sério” demais pra QT. Para um cara que se mostra obcecado por tanta coisa em sua obra, é inevitável achar que enfim ele vai ficar cansativo graças aos inúmeros maneirismos. Mas, se hoje uma pergunta permanece sem resposta pra mim, essa é: até onde vai o seu talento Tarantino?
Ps: O À Prova de Morte, o anterior dele lançado no festival de Cannes num pré-histórico 2007, permanece sem confirmação por aqui. Culpa da Europa Filmes...

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Falsa Loura (2008), de Carlos Reinchebach
* Jules e Jim (1962), de François Truffaut
* Além das Nuvens (1995), de Michelangelo Antonioni e Wim Wenders
* Blade Runner (1982), de Ridley Scott
* 8 mulheres (2002), de François Ozon
* Alma Corsária (1994), de Carlos Reinchenbach
* Garotos de Programa (1991), de Gus Van Sant
* Virgens Suicidas (1999), de Sofia Coppola
* Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha

Imagens em: http://www.revistapaisa.com.bbr/ e http://www.artcenicas.com/

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Silêncio

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Carrie, a Estranha (1976), de Brian de Palma
* Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes
* O Desespero de Veronika Voss (1982), de Rainer Werner Fassbinder
* Casablanca (1942), de Michael Curtiz
* Juventude Transviada (1955), de Nicholas Ray
* O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha
* Sonho de Cassandra (2007), de Woody Allen
* Dois Dias em Paris (2007), de Julie Delpy

Teoricamente não posso dar um piu, literalmente, mas a peste da Julie Delpy fez eu dar uma gargalhada monumental - e igualmente perigosa, mas não me contive. E não só. Apesar de o filme ter muita coisa que incomoda, alguns momentos são uma delícia de leveza (e outros "apenas" muito bons), de porcos e coelhos a cenouras e Rimbaud.

Aliás, coisa legal assistir no mesmo dia a O Dragão... e Dois Dias em Paris e levar em consideração a coisa da identidade em questão - mas isso é apenas uma divagação.