sexta-feira, 2 de julho de 2010

Brilho de uma Paixão*



Vitória do impresso

Em Brilho de uma Paixão (Bright Star – Reino Unido/ Austrália/ França, 2009), Jane Campion mostra o que parece ser um alter-ego sem talento. Ao revisitar temas, sentimentos e tipos de abordagens, ela não se apresenta, por exemplo, como a mesma diretora de O Piano (1993). Visto Brilho de uma Paixão, é inevitável pensar que ela fez este como um rascunho para o outro – o que, óbvia e infelizmente, não é o caso.

Ainda que baseado na biografia de John Keats (1795-1821) por Andrew Motion, o que temos aqui é a relação de Keats (Ben Whishaw) – um dos maiores poetas britânicos do romantismo –, no final da vida, com Fanny Brawne (linda e ótima Abbie Conish, que parece irmã de Jack White). Temos um homem romântico, uma mulher mais jovem que mostra paixão recíproca, e a impossibilidade de ficarem juntos – por alguns motivos, mas especialmente pela falta de condições para Keats pagar as contas.

É Campion em retorno ao biofilme sobre personagem literário, como em Um Anjo em Minha Mesa (1990), quando falou sobre a (conterrânea) neo-zelandesa Janet Frame. Só que, ao abordar o poeta britânico, Campion cai em todas as armadilhas possíveis.

Poemas são recitados sem a fruição que podem ter quando lidos, e sem o poder que a mise-en-scène pode oferecer. O mel jogado na tela, mesmo não excessivo, é o suficiente para tirar a sensualidade melancólica ali presente. E os pequenos detalhes que envolvem a relação, um dos pontos altos do filme, parecem fracos quando vemos Conish em sintonia diferente da de Whishaw – e isso não em termo de situação social no filme, mas de atuação mesmo.

Todo o apego de Campion ao texto, a Keats e à dor dele, é tão perceptível quanto prejudicial à imagem. Até no final, quando ela nos lembra que Keats morreu sem ser reconhecido e que hoje é tido como expoente do movimento, a impressão é de que o personagem e sua obra só ficam maiores quando postos ao lado do filme. É quando a paixão, bem perceptível, atrapalha mais que cativa a transposição e o resultado.

Visto no Cinema do Museu – Salvador, junho de 2010.

Filmes da semana:
1. O Corvo (1943), de Henri-Georges Clouzot (DVDRip) (***)
2. Brilho de uma Paixão (2009), de Jane Campion (Cinema do Museu) (**)
3. Paris, Texas (1984), de Wim Wenders (DVDRip) (****)
4. Sissi (1955), de Ernst Marischka (**)
Curta:
5. Futebol Além dos Sentidos (2010), de Luciana Queiroz (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (**1/2)

Filmes do mês:
10. O Profeta (2009), de Jacques Audiard (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (***1/2)
9. Cidade Baixa (2003), de Sergio Machado (DVD) (***1/2)
8. Ligações Perigosas (1988), de Stephen Frears (DVD) (***1/2)
7. Batalha no Céu (2008), de Carlos Reygadas (sala Walter da Silveira) (***1/2)
6. Ascensor para o Cadafalso (1957), de Louis Malle (DVDRip) (****)
5. O Demônio das 11 Horas (1965), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (****)
4. Na Cidade de Sylvia (2007), de José Luis Guerín (DVDRip) (****)
3. Inimigos Públicos (2009), de Michael Mann (DVD) (****)
2. Paris, Texas (1984), de Wim Wenders (DVDRip) (****)
1. A Infância de Ivan (1962), de Andrei Tarkovsky (DVDRip) (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

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