quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Gêneros e continuações

Tropa de Elite 2: O Inimigo agora é outro é um filme pós-crítica – e não (apenas) cinematográfica. Quando o Capitão Nascimento diz que o deputado Fraga “vive me chamando de fascista”, é como se Padilha respondesse ao norte das acusações do primeiro filme. Agora a questão é plural: Capitão Nascimento prossegue com sua mentalidade que tende ao reacionário, mas temos o deputado Fraga do outro lado, a esquerda. Os dois lados apresentam momentos de caricatura, mas são bem menos salientes que os golpes que Padilha desfere para quase todos os lados.

A combinação dos gêneros de ação e policial está mais bem acabada, com a inevitável lembrança de Bons Companheiros (1990), obra-prima de Martin Scorsese para quem o filme parece bater continência. A onipresente narração opinativa, um cena do meio na abertura dos créditos, as imagens frisadas em momentos de voz off, a carnificina como prelúdio para o final, e mais coisas que não me lembro. A diferença é que, na mescla de gêneros, Scorsese investe em estilização audiovisual que aproximam o filme dele, enquanto Padilha abraça as convenções para se diferenciar no algo a dizer. O que ele tem (como conteúdo, além do domínio técnico), de uma maneira que consegue ser mais política (por agradar a maioria) e relevante (bem menos simplória) que no primeiro filme.

Caso oposto é o de Atividade Paranormal 2, onde a fé na franquia é bem maior que a no gênero. Voltamos a tomadas longas e estáticas, voltamos à tentativa de fazer o não visto provocar medo, voltamos a, em momentos ápice, câmera tremida e mise-en-scène confusa. Só que sem metade do efeito.

A dose de radicalização do primeiro filme trazia um mérito ligado a recursos pouco usados no horror recente. Nos melhores momentos daquele, tínhamos a força do minimalismo, de uma novidade que nada tinha de novo, mas sim de "esquecida". Desde a Bruxa de Blair (1999), quase dez anos antes, talvez ninguém tenha explorado tão bem o baixo-orçamento para o gênero. Agora, não: passou-se um ano, o efeito ainda era forte. Ao invés de uma continuação, tem-se um decalque mal feito. Uma pena.

Últimos filmes:
1. Tropa de Elite 2 (2010), de José Padilha (Shopping Barra) (***1/2)
2. A Suprema Felicidade (2010), de Arnaldo Jabor (Cine Vivo) (***)
3. Atividade Paranormal 2 (2010), de Tod Williams (Multiplex Iguatemi) (**)
4. Eu Matei Minha Mãe (2009), de Xavier Dolan (Cinema do Museu) (**1/2)
5. A Bela Junie (2008), de Christophe Honoré (Telecine Cult) (***1/2)
6. Tropa de Elite 2 (2010), de José Padilha (Cine Vivo) (****)
7. Interiores (1978), de Woody Allen (DVD) (**1/2)
8. Senna (2010), de Asif Kapadia (Multiplex Iguatemi) (***1/2)
9. A Noiva Estava de Preto (1968), de François Truffaut (DVD) (***1/2)
10. Pacto de Sangue (1944), de Billy Wilder (DVD) (****1/2)
11. Profissão Repórter (1975), de Michelangelo Antonioni (DVD) (***)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Sobre últimos dias

Embora admire Visconti, é curioso como seus filmes – ou pelo menos os que já vi – não batem à primeira vista. Ao final de Belíssima (1951), quase digo “não gostei”, em situação idêntica a Morte em Veneza (1971), Noites Brancas (1957) e O Leopardo (1963), três que preciso rever.

Nesse campo, inclusive, dois dos filmes revisitados mostraram-se distintos de impressão inicial.

Na primeira vez que assisti a A Dupla Vida de Veronique (1991), de Krzysztof Kieslowski, estava na mais fanática fase consumista, resumia aos filmes a “compro ou não compro o DVD”. Na época, queria-o loucamente, já que apenas o final me incomodou, por parecer uma tentativa de explicação poética. “Mas que poesia?”, me pergunto hoje. O filme soou um Kieslowski apenas envernizado, sem a inspiração da maior parte de seu Decálogo (1989).

Por outro lado, e aí vem uma bomba, como consegui não gostar do primeiro contato que tive com François Truffaut e seu Jules e Jim (1962)?

Dia desses relia o Grandes Diretores de Cinema e vi que o filme, ou mais especificamente seu início, foi influência até para nada menos que Bons Companheiros (1990), de Martin Scorsese. Com o olhar de hoje, e a lembrança de algumas idas à obra-prima de Marty, filmes são bem diferentes, e cada um ligado a seu tempo, sem parecerem datados por isso.

No caso de Truffaut, todo o contexto do avanço do feminismo, com a Segunda Guerra ainda na memória da maioria dos vivos, mas também uma história sobre pessoas com muito sentimento e nem tantas respostas ou soluções felizes. Pessoas que nunca deixarão de existir.

Já em Scorsese, presenciamos a linguagem MTV elevada a um perceptível e inimaginável grau de controle, só que aliado ao ápice de sua montadora Thelma Schoonmaker. Depois dali, ela estreitou sua ligação com a tesoura, mas Ilha do Medo (2010) voltou a lembrar o que podemos ter de melhor dele. Que continuem assim.

Últimos filmes:
1. A Dupla Vida de Veronique (1991), de Krzysztof Kieslowski (DVD) (**1/2)
2. Jules e Jim – Uma Mulher para Dois (1962), de François Truffaut (DVD) (****)
3. Piaf: Um Hino ao Amor (2007), de Oliver Dahan (DVD) (**1/2)
4. Enfim Viúva (2007), de Isabelle Mergaut (Cine Vivo) (**1/2)
5. Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese (DVD) (****)
6. Dois Irmãos (2010), de Daniel Burman (Cinema do Museu) (***)
7. Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders (DVD) (***)
8. Belíssima (1951), de Luchino Visconti (DVD) (***)