sexta-feira, 30 de julho de 2010

À Prova de Morte*




















À prova de riscos


A sensação de ver e rever À Prova de Morte (Death Proof – 2007, EUA), filme de Quentin Tarantino anterior a Bastardos Inglórios (2009) e só agora lançado no Brasil, equivale à (para mim hipotética) experiência vivida por um piloto de Fórmula-1 durante uma volta em circuito ideal de alta velocidade. Embora já tenhamos uma noção, graças ao resto do espaço, de como a velocidade tende a aumentar, a largada acontece já próxima da primeira curva, e a volta se inicia lenta. As outras quedas de velocidade são cuidadosas pausas para evitar que piloto e público se entediam em meio a toda aquela velocidade e volúpia, a princípio latentes, e que atingem o ápice – e o consequente risco – em dois momentos: no final da primeira metade e, após outras freadas calculadas, no (pré) término. Essa parte final, dentro da modalidade popular, foi feita sob medida para ter a maior reta, disfarçada de duas devido a uma discretíssima chincane no meio de ambas. Graças a essa ínfima queda de velocidade, o circuito foi liberado pelas atuais normas de segurança. A observação, importante para a experiência, é que o piloto despreza não só quase todos os atuais mecanismos de controle, como quase todos os carros atuais – inevitavelmente mais seguros. Ou seja, a experiência, dentro do quesito velocidade, é a absurdamente mais crua que qualquer coisa feita nos dias de hoje.

Tudo em À Prova de Morte remete a um tempo e espaço, só que eles não dizem respeito apenas aos anos 1970 (com piscadelas para a década de 1950), nem somente às Grindhouses, dos filmes-B exibidos com cópias mal-tratadas. Sem cerimônia alguma, em meio a inúmeras auto-citações, Tarantino se assume como grife, com o cuidado de evitar que isso se transforme em puro exercício narcisista. Não temos um límpido e específico cinema retrô, nem uma egotrip. Em meio ao perigo assumido por flertar descaradamente com os dois casos, temos a mistura ideal. Primeiro um cinema, depois Tarantino; nessa ordem, mas com relevância nas duas qualificações.

Se comparado a Bastardos Inglórios, a depender do ponto de vista, mal parece o mesmo diretor. No último, ele é mais contido no ritmo, nos diálogos, com um flerte mais europeu e sóbrio com a narrativa de filme histórico. Que, por outro lado, jamais sobrepõe o caráter de reconfiguração, de ficção, de cinema; e a crença no meio pelo qual se expressa é, provavelmente, a maior ligação entre Bastardos e À Prova de Morte.

A falação desenfreada (que às vezes parece excessivamente acelerada), as sequências musicais, o blaxploitation, tudo remete mais a Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994) e Jackie Brown (1997). Pode-se dizer que, se em Bastardos Inglórios ele atingiu sua maturidade como cineasta, em À Prova de Morte ele atingiu o ápice de sua adolescência. Só que a maioridade, nesse caso, não é superior à adolescência – nos dois casos, Tarantino mostra seus diferentes, talvez até opostos, melhores.

É verdade que a vingança permeia os quatro últimos filmes (completam a lista os dois Kill Bill) de Tarantino, mas isso não o torna monotemático – a vingança é, no máximo, a motivação, o ponto de partida para temas e resultados bem mais abrangentes. Entre outras coisas, Kill Bill é um filme de amor, e Bastardos Inglórios é uma reflexão sobre o cinema e sobre existir apenas nele (de diferentes maneiras, o que permeia toda a obra de QT).

Em À Prova de Morte, no entanto, temos uma homenagem não apenas ao passado, mas a um passado específico e, de certa forma, marginalizado: carros hiper-potentes, cinemas, seriados (até Vega$, idealizado por Michael Mann) e, principalmente, os dublês – antes de, muitas vezes, serem substituídos por computação gráfica. Prova é que, se a empatia por Zoe Bell (por ela mesma, que foi dublê de Uma Thurman em Kill Bill) é criada pelo mecanismo mais simples do “vou me vingar e você sabe o porquê”, a ligação com Stuntman Mike é simplesmente pelo carisma e pela sagacidade trazidos por Kurt Russell e por Tarantino. A homenagem aos filmes-B, aos filmes de slasher (diferença é a arma aqui: um carro), a maneira arriscada de ver (e às vezes suicida de fazer) filmes, tudo funciona como uma amplificação de um tipo de cinema e de pessoas – às vezes esquecidas.

No final da primeira metade, Tarantino se arrisca ao mostrar um acidente inacreditável, no qual ele não só sublinha sua maneira de filmar o ato, como passa um marcador de texto na perspectiva de todos os envolvidos. Ele não se expõe apenas uma vez em presunçoso acidente, e sim quatro vezes mais ao filmar todas as “opções” possíveis.

O que melhor descreve a experiência de À Prova de Morte não é somente uma mescla ideal entre energia e adrenalina, mas uma questão de fé. O resultado é obtido de tal maneira apenas no cinema, e graças a alguém que acredita piamente nele. Mesmo que de maneira distintas, ou também por isso, seus dois últimos filmes são a maior prova de uma religião.

8mm
Semcine (dia a dia)
Segunda-feira
Primeiro a exibição de Ao Sul da Fronteira (2009), de Oliver Stone, extremo oposto do que é veiculado, é verdade, mas que corre o risco de se tornar tão ingênuo quanto o que combate; vale mais por ser oposição do que por ser uma oposição a ser levada a sério.
No debate pós-filme, tivemos o co-roteirista Tariq Ali, paquistanês que vive na Inglaterra; Miguel Littín, chileno já conhecido do Seminário; e Gustavo Dahl como mediador. Uma monumental fome não me deixou ficar até o fim, mas pude ver Ali dizer, por exemplo, que algumas faculdades na Inglaterra (até na Inglaterra!) têm tirado Filosofia da grade curricular – e pelo que disse, não são exatamente exceções.
Ponto pior, no entanto, foi o caso de Dawson Isla 10 (2009), de Miguel Littín, previsto para encerrar a noite e que teve sessão cancelada graças a blecaute sofrido pelo TCA. Depois de fazer público de ioiô (“entrem na sala”, “evacuem a sala”), aproximadamente uma hora depois da queda de energia, sessão foi oficialmente cancelada; e posteriormente adiada para o encerramento do festival, amanhã.

Terça-feira
Só assisti ao Desajuste Social (1961), de Pier Paolo Pasolini. Bem acessível para seus padrões revolucionários, teve exibição prejudicada devido ao formato da sala do ICBA – Instituto Cultural Brasil-Alemanha. Graças à disposição das cadeiras para o teatro, ninguém fica em frente à tela. Crueldade com a coluna.

Quarta-feira
Ótima mesa redonda sobre montagem. Ao se falar sobre uma suposta autoralidade da função, Susan Korda (montadora bissexta e professora) disse que “o único autor do filme é o roteirista. Todos os outros são intérpretes”. Mais inspirada do dia, contou casos de Billy Wilder, Ridley Scott e Francis Ford Coppola, e disse ainda que duas das perguntas feitas nas test screenings (sessões teste antes dos filmes estrearem) que realmente funcionam são “onde você sentiu tédio?” e “onde você se sentiu confuso?”. Já Peter Przygoda (parceiro dos bons tempos de Wim Wenders) fez questão de salientar o caráter trabalhador da função, enquanto Ricardo Miranda (editor de, entre outras coisas, A Idade da Terra, de Glauber Rocha) falou muito na escola soviética, na qual é especialista. Isabelle Rathery (que já trabalhou com Jacques Doillon e Walter Salles), embora aparentasse muito conteúdo, pareceu se debater entre o esforço em falar novamente o português e o simples rebater o debate. Que, infelizmente, perdeu o interesse quando começou a eterna (e geralmente infrutífera) discussão sobre indústria americana e autoralidade europia – insuflado até por um espectador, quando microfone veio para plateia. O que faz sentido, e que dá boas conversas de bar, mas não dá para gostar de boas conversas de bar em um seminário com pessoas que podem oferecer bem mais.
À tarde não aconteceu debate nenhum, até onde vi. Em quase um hora, um dos quatro presentes sequer tinha se apresentado, graças a longas auto-promoções e poucas idéias de fato sobre O Presente da Imagem em Movimento. Valorizei meu tempo.

Quinta-feira
Embora tenha fugido do tema (Dramaturgia nas Telas), mesa redonda valeu especialmente por Lucrecia Martel, que se juntou a Susan Korda como a que mais acrescentou ao Seminário através das palavras. A diretora argentina (O Pântano, Menina Santa) falou sobre a dificuldade histórica de seu povo reconhecer o castelhano como um idioma cinematográfico. De maneira bem pessoal, e deixando clara que se tratava de uma impressão, lembrou que, na Guerra das Malvinas, o governo mentia ao dizer que o país estava ganhando, o que – na opinião dela – contribuiu para uma descrença do povo no seu próprio idioma. No entanto, graças ao mesmo conflito e no decorrer do tempo, rádios passaram a não tocar músicas inglesas, o que abriu espaço para a música em espanhol. O que trouxe uma nova identificação, uma certa confiabilidade do povo com o idioma.
Martel também falou de sua estreita ligação com o som, uma vez que as histórias ouvidas na família que funcionaram como principal motivação para a carreira de cineasta. Lembrou ainda a importância de sotaques, de diferentes maneiras de se expressar, e (pena não lembrar citação exata) deu uma linda alfinetada no assassinato que a TV faz com a língua falada e suas variantes.
O franco-israelense Ariel Schweitzer deu uma amostra do material do brasileiro-israelense David Perlov, e seu Diários de Perlov, cujos 10 minutos de projeção foram o suficiente para atrair algum interesse. Dois brasileiros também contribuíram, perdão, mas me foge agora o que falaram.
Na Oficina de Montagem, à tarde, Susan Korda voltou a se mostrar espirituosa, com boa didática e capacidade para diálogo. Mostrou imagens de Tubarão e Bonnie e Clyde, assumiu ser influenciada por Walter Murch (montador de Apocalipse Now, O Paciente Inglês e tem no livro Num Piscar de Olhos uma das bíblias da edição) e se mostrou claramente americana. Mesmo muito boa, e bem intencionada ao querer fugir um pouco (e só um pouco) da parte obviamente estúpida dos screening tests de Hollywood, debate caiu bem ao mostrar um curta e pedir opinião do público. Ela fez questão de dizer e repetir que espectadores não deveriam fazer perguntas, mas depoimentos. Na 30ª, ainda tinha gente que questionava. Educada e paciente, essa Susan.

Ps1: Em O Sarcófago, tão interessante quanto falho curta de Daniel Lisboa, áudio do TCA voltou a irritar. No filme seguinte, já ok.

Ps2: Nos Filmes do mês, não entra nada do Semcine – que vai até amanhã (31).

Filmes da semana:
1. O Escafandro e a Borboleta (2008), de Julian Schnabel (DVDRip) (****)
2. Juana La Loca (2001), de Vicente Aranda (**1/2)

Semcine (vistos até quinta-feira – 29):
1. Ao Sul da Fronteira (2009), de Oliver Stone (Teatro Castro Alves) (**1/2)
2. Desajuste Social (1961), de Pier Paolo Pasolini (ICBA – DVD) (***)
3. Immobilité (2008), de Mark Amerika (Teatro Castro Alves) (aguentei só dez minutos)
Curtas:
4. O Sarcófago (2010), de Daniel Lisboa (Teatro Castro Alves) (**1/2)
5. Six Dollar Fifty Man (2009), de Mark Albison e Louis Sutherland (**1/2)

Filmes do mês:
10. Um Americano em Paris (1951), de Vincente Minelli (DVDRip) (***)
9. O Professor Aloprado (1963), de Jerry Lewis (DVDRip) (***)
8. O Show deve continuar (1979), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
7. Cabaret (1972), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
6. A Riviera não é Aqui (2008), de Dany Boon (Cinema do Museu) (***1/2)
5. Toy Story 3 (2010), de Lee Unkrich (Cine Orient – Shopping Barra) (***1/2)
4. De Olhos Bem Fechados (1999), de Stanley Kubrick (DVD) (****)
3. O Escafandro e a Borboleta (2008), de Julian Schnabel (DVDRip) (****)
2. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (UCI Multiplex Iguatemi) (****1/2)
1. La Jetée (1962), de Chris Marker (DVDRip) (*****) – curta

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A Riviera não é Aqui*



Risos diferentes

A Riviera não é Aqui (Bienvenue chez les Ch’tis – FRA, 2008), de Dany Boon, é dos casos em que a comédia é maior que o filme; ou seja, a ideia de fazer rir se torna obsessão, sem necessária relação com qualidade final – ou a falta dela. Aqui, esse caráter obstinado pelo riso, felizmente, se alia a um esmero para a feitura do produto como audiovisual, e o resultado é delicioso.

Desde créditos iniciais, somos apresentados a parte do mapa da França, que o personagem principal percorre de sul a norte; região mais fria, chuvosa e com sotaque e dialeto diferenciados para onde Phillipe (Kad Merad) se muda. Boon trabalha com muito do que é clichê em qualquer adaptação e mudança de ambiente, só que com caráter regionalizado. O que se nos leva a pensar que somente os franceses podem captar tudo que existe ali, de bom e de ruim, de caricatural e de verossimilhante.

Para um não francês – especificamente, alguém que entende apenas um pouco da língua e tudo que sabe de lá é sem nunca ter ido –, tudo isso se torna secundário, e o que fica é a comédia. O texto e as gags visuais, mesmo gritantes em alguns raros momentos, são maravilhosos. O momento em que lhe é dito que algo de ruim acontecerá (comparação com Paris), o espasmo de deficiente, as paradas da Polícia, a mudança da mulher, a recepção dos nortistas em solidariedade a ele – não são poucos os momentos dignos de nota.

Ponderado o desafio, o sucesso também vale para a tradução usada no Brasil – ou pelo menos à cópia que, essa semana, esteve no Cinema do Museu em Salvador. Ainda que a tradução tenha passado a ideia de que o sotaque do norte da França, no geral, seja equivalente ao carioca (o que me parece não ter sentido), foi uma saída, e difícil cravar em outra como indiscutivelmente melhor.

Em meio a essa incapacidade geográfica de total absorção da obra, fica a comédia. E A Riviera não é Aqui, como tal, é bem boa.

Visto no Cinema do Museu – Salvador, julho de 2010.

8mm
* A Riviera não é Aqui, enquanto esteve em exibição na França, conseguiu um público de 20 milhões – o país tem 65. Com 190, nosso filme de maior alcance interno recente (Se Eu Fosse Você 2) levou 6 milhões às salas; e o maior da história nacional (quando o brasileiro ia ao cinema), é Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), que sequer chegou a 11.

* Será que só eu não gostei de Brilho de uma Paixão (2009), de Jane Campion?

Filmes da semana:
1. Cabaret (1972), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
2. A Riviera não é Aqui (2008), de Dany Boon (Cinema do Museu) (***1/2)
3. A Todo Volume (2008), de Davis Guggenheim (DVDRip) (**1/2)
4. O Show deve continuar (1979), de Bob Fosse (DVDRip) (***)
5. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (UCI Multiplex Iguatemi) (****1/2)
Curta:
6. La Jetée (1962), de Chris Marker (DVDRip) (*****)

* Coluna 70mm também publicada em www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Encontro Explosivo*




Assexuada corrida contra o nada

Encontro Explosivo (Knight and Day – EUA, 2010), de James Mangold (Garota, Interrompida; Identidade; refilmagem de Os Indomáveis), é um filme que oscila entre o competente e o medíocre. Em cenas de ação, Mangold tem mão segura, auxiliada por computação gráfica igualmente ok, enquanto o roteiro investe em contorcionismos que buscam o “nada é o que parece”, assim como tenta percorrer o maior número possível de lugares turísticos. Nesse segundo quesito, a ligação com Transformers faz sentido, com restante e resultado não muito diferentes.

Desde a abertura, o som busca uma imponência que logo se transforma em falta de educação. Por mais que pese a incerteza se culpa é do sistema da sala ou do filme, áudio quer atenção não pela competência e fluência do uso do Dolby Surround, mas pela ditadura do volume.

Mas se as imagens, por outro lado, estão bem domadas nas mãos de Mangold, elas também se mostram burocráticas. Ele tem mérito por trabalhar com um filme de ação, e com tantas ações, sem parecer que os cortes são excessivos, ainda mais nos dias hoje. Verdade que o filme quase nunca respira, mas o problema aí é do roteiro: não é fácil transpor para menos de duas horas filmagens em tantos cartões postais e com tanta munição a ser distribuída. Não à toa, quando Patrick O’Neil resolve brincar de “ele é”, “ele não é”, “o outro que é” em roteiro já tão preocupado e comprometido com outras coisas, fica impressão de furo na história. Quando nos convencemos de onde, de fato, vem a falcatrua, graças a uma imagem cuja hipotética réplica não adianta (fim, temos um culpado), somos levados a outra reviravolta.

Como? O que importa é que Tom Cruise e Cameron Díaz fiquem juntos – Roy Miller e June Havens, sabemos, são subterfúgios. O pudor ao (não) se filmar sequer a nudez, aliado ao prazer de ambos em estar próximo do perigo e de armas, passa uma gigantesca impressão de que os dois não têm libido. Quando ele enfim mostra algum tesão (ou o filme quer que a gente acredite nisso), faria sentido se ela dissesse que ele era mais sensual com armas na mão; até porque, nesse momento, ela está sob o efeito de um efeito de espécie de “soro da verdade”.

Mas se o “soro da verdade”, inevitavelmente, lembra Kill Bill (2003), a época do lançamento e parte do gênero de Encontro Explosivo coincidem com À Prova de Morte (2007) outro de Quentin Tarantino e que chega ao Brasil mais de três anos após lançado em Cannes. Nele, tem-se basicamente duas perseguições de carro, um acidente, e duas ou três maiores mudanças de locações, com assumida pinta de diversão vagabunda, barata e com computação gráfica nula. Bem menos em quantidade na descrição, bem mais em ação e energia.

Em Encontro Explosivo o importante é evitar que alguém se distraia até que vejamos Cameron Díaz e Tom Cruise juntos, mesmo que não exista nada que convença, nem explícito (o filmar o desejo e afins), nem implícito (através de detalhes não diretamente ligados ao sexo). Quando se pensa em 007 (com o que isso aqui muitas vezes parece), mesmo nos piores momentos daquele, impressão é de filme assexuado. Que poderia investir no que tem de melhor, via roteiro antes de se enrolar de tanto contorcer-se, e pela competência nas cenas de ação. Achou melhor não.

Visto, em cabine de imprensa, no UCI Multiplex Iguatemi – Salvador, julho de 2010.

8mm
Outro encontro explosivo
Várias auto-citações e divagações fílmicas que remetem à falação desenfreada de Pulp Fiction (1994) e Cães de Aluguel (1991) – parece uma versão feminina deste –, um acidente, o ritmo, a cena, a dança. Enfim lançado no Brasil, a primeira sessão (para mim) de À Prova de Morte (2007) conseguiu ser mais ambígua que a de Bastardos Inglórios (2009); embora sejam abordagens distintas. Não sei se é uma decepção em meio a sequências monumentais, não sei se é fabuloso com calculado tempo apenas para respirar. Seja como for, talvez tenha as sequências menos esquecíveis de Tarantino.

Concorrência
O filme entra em cartaz hoje, em semana que temos, com todos ainda em muitas salas, Toy Story 3, Shrek para Sempre e Eclipse, além de Encontro Explosivo. Por mais que sejam públicos diferentes (e Toy Story, o outro que vi, seja muito bom), são quatro – quatro! – filmes gigantes nas suas pretensões financeiras, o que leva a uma grande ocupação de salas. Concorrência por elas será difícil para À Prova de Morte, que deve ficar restrito a sessões noturnas. Que me lembre, e tenha consultado, apenas O Aprendiz de Feiticeiro tem tamanho equivalente aos outros, e está previsto para apenas 6 de agosto. Como um não especialista em marketing, não vejo nexo em, depois de três anos de molho (graças à Europa Filmes, detentora original dos direitos de exibição no Brasil), não esperar mais uma ou duas semanas para lançá-lo.

Filmes da semana:
1. A Viagem (1967), de Roger Corman (DVDRip) (**1/2)
2. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (Cine Vivo) (****)
3. Síndromes e um Século (2006), de Apichatpong Weerasethakul (DVDRip) (**1/2)
4. Encontro Explosivo (2010), de James Mangold (UCI Multiplex Iguatemi) (**1/2)
5. Pele de Asno (1970), de Jacques Demy (DVDRip) (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Toy Story 3*



Repita, por favor

15 anos após a estreia no longa-metragem com o primeiro Toy Story, a Pixar, de fato, se firmou como o primeiro estúdio a ser estrela de cinema – como twittou o crítico Roger Ebert. Com o terceiro filme da franquia (Toy Story 3 – EUA, 2010), de Lee Unkrich, e toda uma indiscutível autoria construída ao longo dos anos (Procurando Nemo, Ratatouille, Wall-E), temos um compreensível mais do mesmo – só que com irresistível toque de reciclagem e reinvenção.

“Quando você não tem um dono, você para de sofrer”, por exemplo, é um raciocínio não tão assimilável para crianças, e nem é o único da mesma linha em Toy Story 3. O que não quer dizer que a Pixar (via Unkrich) intelectualize a infância e tudo que a permeia, mas sim que ela consegue trabalhar com uma orquestração que, disfarçada de filme infantil, permite interpretações que levam a simbologias e metáforas sobre crescer, sobre se relacionar, sobre a vida. E, o que é melhor, com a naturalidade de uma criança com seu brinquedo preferido.

Até o desfecho, bem magro dentro do gênero, traz no fundo uma dura sensação de inevitabilidade do caráter transitório de tudo na vida. Temos fim de um amor, de uma etapa, de ilusões; sem que a convicção da tristeza final impeça a beleza de vir à tona.

Embora talvez não tão brilhante como o melhor da Pixar, Toy Story 3, pelo menos, mantém um nível decente. É cinema de (e também para) gente grande.

Visto no Cine Orient – Shopping Barra.

Filmes da semana:
1. O Professor Aloprado (1963), de Jerry Lewis (DVDRip) (***)
2. Um Americano em Paris (1951), de Vincente Minelli (DVDRip) (***)
3. A Jovem Rainha Victoria (2009), de Jean-Marc Vallée (Cinema do Museu) (**)
4. De Olhos Bem Fechados (1999), de Stanley Kubrick (DVD) (****)
5. Toy Story 3 (2010), de Lee Unkrich (Shopping Barra) (***1/2)
6. Patrick 1,5 (2008), de Ella Lemhagen (Cinema da Ufba) (**)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Brilho de uma Paixão*



Vitória do impresso

Em Brilho de uma Paixão (Bright Star – Reino Unido/ Austrália/ França, 2009), Jane Campion mostra o que parece ser um alter-ego sem talento. Ao revisitar temas, sentimentos e tipos de abordagens, ela não se apresenta, por exemplo, como a mesma diretora de O Piano (1993). Visto Brilho de uma Paixão, é inevitável pensar que ela fez este como um rascunho para o outro – o que, óbvia e infelizmente, não é o caso.

Ainda que baseado na biografia de John Keats (1795-1821) por Andrew Motion, o que temos aqui é a relação de Keats (Ben Whishaw) – um dos maiores poetas britânicos do romantismo –, no final da vida, com Fanny Brawne (linda e ótima Abbie Conish, que parece irmã de Jack White). Temos um homem romântico, uma mulher mais jovem que mostra paixão recíproca, e a impossibilidade de ficarem juntos – por alguns motivos, mas especialmente pela falta de condições para Keats pagar as contas.

É Campion em retorno ao biofilme sobre personagem literário, como em Um Anjo em Minha Mesa (1990), quando falou sobre a (conterrânea) neo-zelandesa Janet Frame. Só que, ao abordar o poeta britânico, Campion cai em todas as armadilhas possíveis.

Poemas são recitados sem a fruição que podem ter quando lidos, e sem o poder que a mise-en-scène pode oferecer. O mel jogado na tela, mesmo não excessivo, é o suficiente para tirar a sensualidade melancólica ali presente. E os pequenos detalhes que envolvem a relação, um dos pontos altos do filme, parecem fracos quando vemos Conish em sintonia diferente da de Whishaw – e isso não em termo de situação social no filme, mas de atuação mesmo.

Todo o apego de Campion ao texto, a Keats e à dor dele, é tão perceptível quanto prejudicial à imagem. Até no final, quando ela nos lembra que Keats morreu sem ser reconhecido e que hoje é tido como expoente do movimento, a impressão é de que o personagem e sua obra só ficam maiores quando postos ao lado do filme. É quando a paixão, bem perceptível, atrapalha mais que cativa a transposição e o resultado.

Visto no Cinema do Museu – Salvador, junho de 2010.

Filmes da semana:
1. O Corvo (1943), de Henri-Georges Clouzot (DVDRip) (***)
2. Brilho de uma Paixão (2009), de Jane Campion (Cinema do Museu) (**)
3. Paris, Texas (1984), de Wim Wenders (DVDRip) (****)
4. Sissi (1955), de Ernst Marischka (**)
Curta:
5. Futebol Além dos Sentidos (2010), de Luciana Queiroz (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (**1/2)

Filmes do mês:
10. O Profeta (2009), de Jacques Audiard (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (***1/2)
9. Cidade Baixa (2003), de Sergio Machado (DVD) (***1/2)
8. Ligações Perigosas (1988), de Stephen Frears (DVD) (***1/2)
7. Batalha no Céu (2008), de Carlos Reygadas (sala Walter da Silveira) (***1/2)
6. Ascensor para o Cadafalso (1957), de Louis Malle (DVDRip) (****)
5. O Demônio das 11 Horas (1965), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (****)
4. Na Cidade de Sylvia (2007), de José Luis Guerín (DVDRip) (****)
3. Inimigos Públicos (2009), de Michael Mann (DVD) (****)
2. Paris, Texas (1984), de Wim Wenders (DVDRip) (****)
1. A Infância de Ivan (1962), de Andrei Tarkovsky (DVDRip) (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.