sábado, 28 de novembro de 2009

Casamento Silencioso*



A alegria de um viver melancólico

Casamento Silencioso (Nunta muta – Romênia/ Luxemburgo/ França, 2008), de Horatiu Malaele, é um caso curioso de filme (aparentemente de forma não intencional) dividido em duas partes claras, bem diferentes entre si, e com ligação direta com a qualidade – e falta dela. A primeira é marcada por uma irregularidade e pouca delicadeza que contrasta com a segunda, um flashback que mostra, de forma convincente e cativante, uma tristeza e uma vontade de viver bem própria – que parece emanar de muito do cinema feito em parte da Europa oriental.

A história é de um tema muito caro não só à Romênia como a toda aquela região: o passado político – explorado muito bem em, por exemplo, 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007), de Cristian Mungiu, vencedor da Palma de Ouro. Mas o filme de Mungiu, que prefere planos longos que captam toda uma agonia e uma sensação de uma situação e uma época, pouca dialoga com Casamento Silencioso além do óbvio. Malaele, que dirige o seu primeiro longa para o cinema, demonstra pouco tino para filmar a introdução, com vícios contemporâneos de quem morre de medo de o público piscar quando não existe uma cena de ação. O diálogo pouco diz de interessante e a direção não ajuda, as coisas estão invertidas – quanto mais corte e movimento o filme tem, no início, mais monótono ele parece. Até o momento em que somos apresentados a uma pequena digressão de um dos personagens, quando vemos o bendito casamento silencioso.

O casamento em si, e o absurdo real da situação, combinam uma dupla que, como raramente se vê, sincroniza com equilíbrio o riso e o choro. Todo esse momento, que deve durar coisa de meia-hora, não é uma homenagem ao cinema mudo, mas pode muito bem funcionar como um manifesto puritano dos que defendem filmes menos falados – e como eles podem comunicar emoção e comicidade apenas pelas imagens.

Após o generoso – pelo tamanho – flashback, o filme volta a assumir seu caráter tragicômico, agora muito mais triste, com o esperado caráter político de volta. E embora esse tom – advindo principalmente pela frase e pela imagem finais – pouco traga de novo, tudo que o carrega até ali vale muito a pena como peça única.

Filme: Casamento Silencioso (Nunta muta – Romênia/ Luxemburgo/ França, 2008)
Direção: Horatiu Malaele
Elenco: Meda Andreea Victor, Alexandru Potocean, Valentin Teodosiu, Alexandru Bindea
Duração: 87 minutos

Ps: Essa semana toda fui uma agonia só, refletida na quantidade de filmes vistos, apenas dois, e no texto – escrito às pressas. Mas, depois de enfim assentado (espero que até o dia 1º), e do quarto endereço em menos de quatro meses, espero parar com essa esculhambação nômade.

Filmes da semana:
1. Casamento Silencioso (2008), de Horatiu Malaele (cinema) (***1/2)
2. Coco antes de Chanel (2009), de Anne Fontaine (cabine de imprensa) (**)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Passaporte espanhol*

- Ô, Milena, se o sexo entre a gente fosse um filme, qual seria?
- Sei lá, Bruno... um bem ótimo. E com sexo.
- E Sua Mãe Também, por exemplo.
- Eles têm ejaculação precoce.
- Mas o filme é excelente, e o sexo é bem filmado.
- Mas eles têm ejaculação precoce. Não gosto de coelhos. Pelo menos não da velocidade publicitária deles.
- Prefere a Coca, não é?, questiona ele, cujas mãos desenham um objeto aparentemente simétrico, e que só eles dois sabem exatamente o que é.
- Não, Diário Proibido não me inspira, responde Milena. E, se for pra chegar àquele nível, que seja com Johnnie Walker. Mais bem afeiçoado...
- E ainda existe quem fale em sexo frágil...
- Mas o Johnnie Walker é justamente pros dias de fragilidade, da frigidez. Pros dias inspirados, eu abuso do Passport.
- Você tá falando sério?
- Tô.
- Você tá de brincadeira...
- Tô...
- Você tá me achando com cara de idiota, não tá, sua vadia?, pensa Bruno, enquanto diz: você tá me sacaneando não tá, Mi?
- Lógico, abestalhado; você nunca viu uma garrafa de Passport?, é o pensamento dela, que responde: tô sim, Bu. É sério, eu tô de brincadeira.
- Você tá mais dissimulada do que Catherine Tramell...
- Olhaí, nosso filme poderia ser Instinto Selvagem.
- Ah, não, ele é muito lugar comum, quase um dogma de como filmar ousadia.
- Mas ela e ele juntos são incomparáveis. Como se não bastasse tudo ali, Michael Douglas é viciado em sexo, e Sharon Stone, além de exalar o bendito sexo, ainda tem Q.I. de gênio.
- Eu já acho que eles são incomparáveis mais por causa de Paul Verhoeven. Fala sério, em 1973 ele filmou Louca Paixão, e mais de 40 anos depois ele lança um A Espiã. Queria que ele fosse meu avô.
- E eu queria que ele fosse meu amante.
- Agora você tá de brincadeira...
- E você aprendendo...
- Aprendendo, mas ainda não no auge... eu seria, então, Antoine Doinel em Domicílio Conjugal?
- Com você me traindo e a gente ficando sem sexo? Não, obrigado...
- Então a gente estaria em Beijos Proibidos, dois anos antes – sem casar, ok?!
- Não, Bruno, desista. Você não é Antoine Doinel – e nem Truffaut. A gente tá falando de filmes com sexo, não sobre relacionamentos. O assunto é a droga, não o efeito colateral dela.
- Então a gente tem que vir pra Verhoeven. Ou para um dos espanhóis.
- Não se esqueça do óbvio ululante – os franceses...
- Desse jeito, a gente sempre vai descobrir alguém de algum país que sabe filmar sexo. E, convenhamos, nós somos ótimos na coisa – nós temos Carlos Reichenbach!
- Não, eu fico com meu cinema burguês, merci.
- Mas Carlão é diferente. Ele não faz esses filmes constrangedoramente panfletários, ele apenas pega a política como desculpa pra fazer o cinema dele. E ainda consegue ir do popular ao erudito com a naturalidade e o prazer de quem toma uma cerveja gelada depois de correr na orla. Ou de ficar uma hora e meia no ônibus pra casa.
- Mas a persona dele não me agrada. Fim. Sobem os créditos...
- Nossa, a gente vai brigar, é a vontade de Bruno, que se limita a dizer: faz sentido, mas acho que quase todos os filmes dele merecem uma revisão sua.
- E a gente merece um filme decente para definir nossa indecência.
- Já sei, diz o serelepe pobre coitado.
- Qual?
- As Idades de Lulu!
- Do que me lembro, o filme é muito bom, e o sexo deliciosamente pervertido... agora, pensando bem, apesar de coerente com o título, o resultado é ultra moralista. Não gostei. Você tá de brincadeira, não tá?!
- Tô...
- Fala sério...
- Eu falei sério...
- Você que tá de sacanagem, agora...
- É bom, não é?!
- Filho da puta, murmura ela consigo mesma, para dizer, segurando o riso: acho melhor a gente parar...
- E chegar à conclusão de que nosso sexo é infilmável e sem precedentes...
- Nossa... Eu não sei o que foi maior, se o elogio ou a pretensão...
- E importa?
- Não...
Eles param de falar.

Falsa Loura
Bruno e Milena roubaram seus nomes de personagens – nem tão principais – do ótimo Falsa Loura (2007), um dos principais de Carlos Reichenbach. O mesmo Carlão que – para me restringir à sua fase mais recente e acessível – também já fez, nos anos 2000, Garotas do ABC (2003). Ah se todo cinema político fosse assim...

Luna
Muita gente fala (com justiça) de Julio Medem e Pedro Almodóvar quando vem à tona a sensualidade em tela grande, mas pouca gente lembra do também espanhol Bigas Luna, cuja carreira mais inconstante talvez contribua para um certo esquecimento. Ainda assim, impossível não elogiar seu As Idades de Lulu (1990) – e também um Jamón Jamón (1992), e toda sua breguice, com a então adolescente Penélope Cruz. Diário Proibido, do (assim como Luna) também catalão Christian Molina, é outro bom exemplo do tesão na tela – embora, definitivamente, o mesmo não se possa dizer do roteiro.

Verhoeven
Poderia passar mais algumas boas páginas recordando de gente com tino para filmar a libido [cada um com seu jeito e sua (in)coerência dentro do filme], mas – para não falar de E Sua Mãe Também – é sempre bom lembrar do holandês Paul Verhoeven. Que já fez algumas extravagâncias por vezes nem tão positivamente memoráveis, mas que também já nos brindou com, entre outras coisas, Louca Paixão (1973), A Espiã (2006) e Instinto Selvagem (1992). Bom garoto esse Verhoeven.

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição de novembro (também impressa) do Jornal Direitos - http://www.jornaldireitos.com.br/.

sábado, 21 de novembro de 2009

Bastardos Inglórios (2)*



A glória do cinema

Rever Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds – EUA/ Alemanha, 2009) em condições ideais (de saúde, de público e de exibição) é uma experiência não só difícil de ser descrita, como de ser repetida. Em primeiro lugar, devido ao crescimento da popularidade de Tarantino (o que deve contribuir para a dificuldade de encontrar salas com poucas pessoas em dias em que é possível a ida para o cinema) e, também, porque não sei até que ponto o próprio QT será capaz de fazer outra coisa assim.

É possível que as maiores sequências da carreira dele, lembradas separadamente, já tenham sido filmadas: a combinação de Urge Overkill e Uma Thurman em Pulp Fiction; Santa Esmeralda e a luta na neve em Kill Bill; as duas últimas sequências de Kill Bill Vol. 2... Isso, obviamente, sempre recordando de outras imagens e momentos também indeléveis e não citados aqui. Mas, pelo menos essa é a impressão que fica, isso se dá menos por uma queda de nível do que por uma maturidade que mantenha esse nível sempre no alto – o que acontece aqui.

Num exercício de futurologia, Bastardos parece o filme cuja manutenção da qualidade estratosférica (de domínio da mise-en-scène à combinação de criatividade e sensatez na construção do roteiro e dos diálogos), do início ao fim, acaba por prejudicar um destaque maior para alguns dos momentos excelentes dele – já que tudo aqui me parece excelente, inclusive o que a princípio me incomodou (trilha em cena na sala de projeção e as intervenções de Samuel L. Jackson na narração). Não há em Bastardos, como em Pulp Fiction (só para ficar no que considero o melhor exemplo), oscilações entre momentos de gênio – com até a letra o em caixa alta – e uma certa vontade excessiva de exposição do próprio potencial, que prejudica o ritmo do filme como peça definitiva e independente do restante da obra.

Muito disso talvez venha do fato de cada porção de Bastardos parecer um curta-metragem autônomo, sem que, para isso, os capítulos pareçam enxertados ou uma mera exibição egocêntrica. Aqui, não existem cenas brilhantes, mas sim partes inteiras (de 20 a 30 minutos) que parecem irretocáveis.

Como completamente apaixonado pelo que faz, Tarantino nos dá uma aula sobre a segunda guerra, mas não uma aula de história (pretensão buscada por quase todos que a filmam), e sim de cinema. E, nesse ponto, ele atinge uma ambição, e um deleite, talvez nunca atingidos anteriormente de maneira semelhante. A sua cara-de-pau para isso já foi chamada de fascista a irresponsável, passando por entediante (?!), mas soa, para mim, tão cativante quanto o melhor já feito por ele.

Filme: Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds – EUA/Alemanha, 2009)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth
Duração: 153 minutos

8mm
Cinema sem Camarão

Na quinta (19) e sexta-feira (20) participei do Cinema sem Camarão, evento promovido pela Facom – a Faculdade de Comunicação da Ufba. Apesar de um ou outro vídeo interessante (e um outro depoimento interessante), o melhor, como era de se esperar, ficou por conta de André Setaro – que, infelizmente, como mediador, pouco abriu a boca. Definitivamente, o cinema precisa de mais Setaros...

Filmes da semana:
1. O Signo do Leão (1958), de Eric Rohmer (***)
2. Almoço em Agosto (2008), de Gianni di Gregorio (cinema) (*1/2)
3. 500 Dias com Ela (2009), de Marc Webb (cinema) (**1/2)
4. As Testemunhas (2007), de André Téchiné (cinema (***1/2)
5. A Onda (2008), de Dennis Gansel (**1/2)
6. Pioneiros em Ingolstadt (1971), de Rainer Werner Fassbinder (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sábado, 14 de novembro de 2009

Garota Infernal*



O futuro que (ainda) não chega

Garota Infernal (Jennifer’s Body – EUA, 2009) é um filme cuja impressão deixada é a mesma que deu suporte à sua publicidade. Como as três mulheres principais por trás dele (Diablo Cody, Megan Fox e Karyn Kusama – ainda engantinhando em suas respectivas áreas), ele é, ou parece ser, sem nunca ter sido. Tem potencial e bons momentos, mas peca por passar a sensação de se perder justamente por um certo tom demasiadamente imaturo – o que tem a ver menos com o público teen do que com a dúvida de onde se quer chegar.

A começar por Diablo Cody, a ex-stripper que roteiriza apenas seu segundo longa, mas já uma super-estrela-indie para muitos. Trata-se de alguém com algum feeling para gags, mas que, se em alguns momentos se apresenta possessa pela linha positiva de Judd Apatow, às vezes seus diálogos parecem escritos por um menino de 12 anos recém-apresentado à MTV. Sua caligrafia é pessoal, mas ela (ainda?) não consegue conciliar a sua bagagem (das citações musicais ao domínio – ou não – da escrita) com as concessões que faz; desnecessárias, mas disfarçáveis – e, infelizmente límpidas tanto aqui como em Juno. Quando vemos Megan Fox nadar “nua” (embora na prática, é lógico, não vejamos nada) em um lago deveras sombrio, temos o melhor exemplo de cena descartável, mas que (além de ter estado no trailer – outro óbvio ululante) ajuda um bocado a explorar ainda mais o corpo de quem quer que fosse protagonista – se não Megan Fox, alguém que igualmente garantiria parte do público graças ao fenótipo abençoado.

Megan Fox, por sua vez, é um caso de estranheza que, embora diferenciada, parece ter a mesma magnitude de Cody. Com 23 anos, seus únicos trabalhos relevantes para o cinema (em termo de visibilidade) foram com Michael Bay e os seus Transformers. Ou seja, Fox é uma estrela sem nunca ter atuado de verdade – até porque nunca teve, no cinema, um diretor de seres humanos. Aqui, no entanto, além de ter toda sua voluptuosidade novamente explorada, ela tem uma oportunidade maior de mostrar seu poder de atuação, embora não consiga afirmar até que ponto se sustenta pelo simples fato de a câmera gostar dela ou se ela é realmente talentosa. Seja como for, a expectativa para o futuro dela só cresce.

Já Karyn Kusama é outro exemplo curioso. Em 2000 dirigiu seu primeiro longa, o Girlfight (na estreia de Michelle Rodriguez no cinema), com o qual ganhou prêmios e respeito no circuito independente americano – e foi lembrado com o lançamento de Menina de Ouro (2004), de Clint Eastwood, com história semelhante. Dois filmes superestimados, com o adendo de que o segundo tem uma decência trazida por Eastwood, e o primeiro – apesar de interessante pelo seu caráter independente – é o trabalho de apenas uma iniciante com talvez algum tino.

Em Garota Infernal, contudo, Kusama permanece uma iniciante talentosa. A direção é bem cuidada, sem aparentes vícios teen-publicitários – eles já estão no roteiro –, e com a coragem de investir menos no terror do que no gore, trazendo um agradável tom ultrajante para o público de Crepúsculos da vida. No fim, ela oscila – no que talvez não tenha tanta culpa – entre uma cara de pau absurdamente divertida (com “cuspes” e “voos noturnos”) às bobagens do roteiro, igualmente inconstante.

Filme: Garota Infernal (Jennifer’s Body – 2009, EUA)
Direção: Karyn Kusama
Elenco: Megan Fox, Amanda Seyfried, Johnny Simmons
Duração: 102 minutos

8mm
É sim
Rever Bastardos Inglórios, em condições físicas idéias (e em sala com pessoas educadas), foi a melhor experiência cinematográfica do ano, como esperava. Ele é do mesmo nível do que de melhor Tarantino pode fazer – se não for, realmente, sua obra-prima. No fim, é inevitável perguntar: até onde você vai, QT?

Filmes da semana:
1. Domicílio Conjugal (1970), de François Truffaut (***1/2)
2.
2012 (2009), de Roland Emmerich (cabine de imprensa) (*1/2)
3. Deixa Ela Entrar (2008), de Tomas Alfredson (cinema) (****)
4. Garota Infernal (2009), de Karyn Kusama (cinema) (**1/2)
5. Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino (cinema) (****1/2)
6. Véronique et son cancre (1958), de Eric Rohmer (curta) (**1/2)

* Coluna
70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 7 de novembro de 2009

Anticristo*



O nada travestido

Terminada a sessão de Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009), a sensação que fica é a que o eterno conflito entre o talento e a auto-importância de Lars Von Trier (Ondas do Destino, Dançando no Escuro, Dogville) finalmente chegou ao fim – ou pelo menos aqui essa briga tem claramente um perdedor e um vencedor. Se por um lado o início e o final nos deixam claro que o filme assistido é do dinamarquês perturbado, todo o resto do filme dá a impressão de apenas um menino em busca de atenção.

Em Anticristo, mais até do que em outras obras a princípio tão ou mais polêmicas, Lars Von Trier exala a sua vontade de chocar, embora o problema aqui seja o fato de esse desejo iconoclasta ser muito maior que o seu esmero (já que capacidade ele tem) para dar à obra um resultado minimamente bem tratado. E o começo e o fim, que talvez sejam os pontos mais altos do filme, também são a prova de que o homem do Dogma 95 não é mais o mesmo.

O excepcional manipulador, e nem tão bom encenador, dá lugar a um (em parte) estilista (maior que o de costume) que parece funcionar apenas como tal. Quando o filme tem sua assinatura, ela parece borrada, como se escrita por um bêbado, cuja caligrafia única – cheia de referências e com boa carga pessoal, inclusive nos defeitos – nos atinge com a aparência de feita a olhos fechados. Aqui, Lars Von Trier, que sempre chamou a atenção pelo seu caráter a princípio intimista, inicia e finaliza o filme mostrando uma faceta de quem tem algum talento – do que ninguém duvida – mas se apresenta infantil no restante do tempo, com um aspecto de completo desleixo para com o cinema e compromisso único com o chocar, não importa o quão gratuito esse chocar soe.

Difícil falar mais do filme sem cair numa vala comum de opções para se depreciar o filme de Von Trier, mas é inegável que, aqui, ele parece ter se perdido por completo. Uma pena, em meio ao nada agressivo e excessivamente auto-importante que Anticristo prima por ser – e o muito melhor que LVT pode fazer.

Filme: Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009)

Direção: Lars Von Trier

Elenco: Willem Dafoe, Charlotte Gainsbourg

Duração: 104 minutos


8mm

Digital

Desde que vim pra Salvador, a maioria dos filmes a que assisti foram em projeções digitais – o Rain. Se em alguns casos a coisa não incomoda, em outros a passagem da película para o sistema foi patética, com aqueles gigantescos e nada sedutores pixels a me engolir. Os melhores (ou piores, melhor dizendo) exemplos foram Enquanto o Sol Não Vem e (especialmente) Amantes.

Para os que já se sentiram minimamente lesados com isso, vale a “Carta aberta aos responsáveis pela projeção digital no Brasil”: http://www.gopetition.com/online/31415.html.


Filmes da semana:

1. Diário Proibido (2008), de Cristian Molina (cinema)

2. Anticristo (2009), de Lars Von Trier (cinema)

3. Verdade Nua e Crua (2009), de Robert Luketic (cinema)


* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.