sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Romance*



Rabiscos sobre arte e “arte”

Romance (idem, Brasil, 2008), de Guel Arraes (Lisbela e o Prisioneiro, O Auto da Compadecida), é o tipo de filme que pisa, do início ao fim, em terrenos já explorados, esgotados, assassinados, ressuscitados e re-explorados. De Tristão e Isolda a Titanic e E O Vento Levou, passando obviamente por Romeu e Julieta – só que tudo isso adocicado.

Escrito pelo pernambucano Guel Arraes e pelo gaúcho Jorge Furtado, o início do filme lembra o pior deste segundo, desde a (aqui discreta) falta de tino para dirigir atores até uma insistência na escrita literária e literal dentro do cinema. Menos mal que a (falsa?) voz off – geralmente invasiva no ainda assim interessante O Homem que Copiava, de Furtado – pouco incomoda com o passar do filme, já que ela, antes de felizmente desaperecer, se mescla a poesias e recitações entre Pedro (Wagner Moura) e Ana (Letícia Sabatella).

Os dois, aliás, são o filme – ou deveriam ser. Romance praticamente não usa enquadramentos abertos, e quando eles aparecem são pelo filme dentro do filme. São Paulo e Rio (apesar de vermos o Pão de Açúcar, ele é irrelevante) são apenas lugares genéricos e irrelevantes onde o que importa é arte que acontece neles (ou é afetada por eles) e os atores que vivem neles. Nesse sentido, a Paraíba é mais importante para a trama.

Ainda na atuação, aqui ela é relevante não só obviamente para a tela e o resultado final, mas também no diálogo com teatro, cinema e TV, além do que se pode tirar do trabalho com ela para se atuar na vida – e vice-versa – como deixa claro Orlando (Vladimir Brichta). Em outras e poucas palavras, Romance é muita atuação e expressão, é metalinguagem e hibridismo.

Em meio a essas duas últimas, onde o filme acerta mais, Wagner Moura e principalmente Letícia Sabatella mostram parte de seus potenciais em momentos interessantes, principalmente dentro de seus personagens, tanto na TV como no teatro. Por outro lado, falta coerência para se criar uma personalidade própria de fora (nos palcos, TV e cinema) para dentro do filme que vemos (Romance), de quem eles interpretam nos seus papéis dentro do filme para os que eles interpretam no filme.

Aí vale a discussão até que ponto essa metalinguagem pode confundir a questão personagem-dentro-do-personagem-do-ator. Fica mais fácil se enganar o espectador e justificar um "erro" de performance, uma vez que ele pode simplesmente ser defendido como parte do personagem que não se desvencilhou do ator. Isso pode soar picaretagem, mas não deixa de ser interessante para um filme que parece o sonho de todo ator, com uma atuação dentro da atuação, com toques de humor e extremos de drama.

Ainda assim, a linha narrativa, além de obviamente referenciada, é cuidadosamente bem tratada. As relações (às vezes conflituosas) entre produtor-diretor, teatro-cinema, “arte-indústria”, “atuação-realidade” (enfoque nas aspas), amor-paixão, entre outras, conseguem funcionar como abordagens únicas dentro de um tipo de história repetida em filmes melhores e piores.

No entanto, Romance é o tipo de filme cuja fala de Pedro, no início, é reveladora. Ele justifica a tragédia em sua peça ao citar Titanic, E O Vento Levou e (após segundos de respiração profunda)... a “novela das oito” (er... Globo Filmes). Mas esquece, por exemplo, de Werther de Goethe. Em um filme que se alimenta de tanta coisa e de tanta gente já visitada e revisitada, isso parece resumir parte das influências e dos problemas de um filme que trabalha tanto com amor, metalinguagem, metáforas e arte, assim como os seus limites e sua ligação com a vida real – ou com o que pensamos ser real.

Do início ao fim, entre outras coisas, lembramos de Godard (O Desprezo), Almodóvar (Fale com Ela) e Woody Allen (Annie Hall), pra mim a citação mais explícita delas. Nada de novo, nem de melhor. Por outro lado, em meio a tantas referências (que poderiam ser homenagens gratuitas), é bom perceber uma voz própria – mesmo que pouco audível.
Ps: A sacada do continuísmo é muito boa.

Filme: Romance (idem, Brasil, 2008)
Direção: Guel Arraes
Elenco: Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andréia Beltrão, Vladimir Brichta, José Wilker.


8mm
Festas e desejos...
Essa é a última edição de 2008 da coluna 70mm, que só volta 10 de janeiro. Uma pausa razoável para o réveillon e a ressaca do meu punhado de leitores (momento possessivo), de quem espero sempre o melhor.
Que o próximo ano seja marcado por filmes bons e ruins, já que o contraste ajuda a valorizar o(s) melhor(es). Que os bons venham em doses cavalares e os ruins em doses homeopáticas. Amém.

...para Itabuna e região
Pensei em fazer balanço em termos cinematográficos, mas desisti. Primeiro porque tem coisa que não abro mão de ver no cinema, o que significa que ainda não vi coisas que já estrearam e (ainda?) não passaram por aqui (caso do Queime depois de Ler, dos irmãos Coen), ou então que demoram uma eternidade pra chegar aos cinemas do Brasil – como o À Prova de Morte, de Tarantino.
De qualquer jeito, espero um 2009 melhor para a cidade e a região. Primeiro porque tento ser otimista nesse sentido, o que obviamente não quer dizer nada, já que isso não passa de uma torcida. E segundo porque já soube de um festival de cinema (não sei se de curtas ou do quê exatamente, só vi o final da entrevista da responsável pelo evento no programa Bem Viver, da TV Itabuna), marcado para julho – pelo que me lembro, o primeiro da cidade.
Vai que a gente consegue juntar uma meia dúzia de pessoas e, melhor, vai que a gente consegue levá-las a fazerem alguma coisa pelo cinema (ou pelos que gostam de cinema) daqui?! Bem, deve ser o espírito natalino, mas acho que ultrapassei todo e qualquer limite de otimismo agora...

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.romanceofilme.com.br/

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Zeitgeist (2007), de Peter Joseph
* Sexo, Mentiras e Videotape (1989), de Steven Soderbergh
* Rede de Mentiras (2008), de Ridley Scott (cinema)
* Ratatouille (2007), de Brad Bird
* Romance (2008), de Guel Arraes (cinema)
* Superbad (2007), de Greg Mottola
* Rocky Balboa (2006), de Sylvester Stallone
* Fog City Mavericks – Os cineastas de São Francisco (2007), de Gary Leva

sábado, 20 de dezembro de 2008

Alice*



Não precisa ofender pra atingir

Não costumo assistir a séries de TV, nem a minis, pois exigem uma disciplina excessiva e porque, como o ministério da saúde não adverte, elas podem causar dependência. Ainda assim, acho obviamente interessante uma Capitu da vida, baseado num cara que fala de gente e da gente (brasileiros) – Machado Assis. Mas, quebrando o protocolo, vou aqui falar de outra mini-série nacional, que desde sua proposta inicial me agradou um bocado: Alice (Brasil, 2008), produção HBO com direção geral de Sérgio Machado (Cidade Baixa) e Karim Aïnouz (Madame Satã, O Céu de Suely), e que acabou no último dia 14.

Dividida em 13 episódios semanais, a série narra a história da personagem homônima (interpretada pela talentosa Andréia Horta), que parte de Palmas para São Paulo. Curiosamente, o fato de a premissa ser clichê, com zilhões de pessoas fazendo percurso semelhante há décadas, me parece menos óbvio do que pouco explorado.

São Paulo é das maiores cidades do mundo e a maior metrópole de todo o hemisfério sul. Mas, cinematograficamente falando, ela é bem menos visitada do que Rio de Janeiro e Buenos Aires, só pra ficarmos na nossa América. E um seriado como Alice, apesar da visibilidade restrita (somente na TV paga ou pelo site da HBO na internet), parece peça importante para uma indústria do gênero – sem me alongar tanto nesse ponto homérico.

Primeiro porque temos a maior cidade do país como personagem – o que não é inédito nem em séries nem em filmes, mas explorar a questão com qualidade é sempre interessante. E segundo (mas não por último) porque temos outras metrópoles (além do Rio) com tamanho, gente e luzes suficientes para se comportarem como tal e abrirem uma espécie de ‘franquia’ – Salvador, BH, Porto Alegre, Brasília, Recife, Curitiba, Fortaleza, Manaus e Belém, todas com no mínimo dois milhões de habitantes em suas regiões metropolitanas. Isso pra se limitar às capitais mais populosas e esquecer de meio mundo nos cinco cantos do país. Ver pessoas dessas cidades falando dessas cidades significa (teoricamente) honestidade, diversidade e miscigenação cinematográfica, num potencial que talvez nenhum outro país (EUA?) tenha.

No que diz respeito à trama da série, em linhas gerais, ela é compreensivelmente previsível e esquemática para jovens em SP. Temos em Alice uma menina-mulher de interior (uma capital com 200 mil habitantes é interior quando comparada a São Paulo) recém-chegada numa metrópole, com o pacote completo do arquétipo, dos sonhos às bobagens.

Ela está no meio de quem bebe, fuma, transa, cheira e trai, não necessariamente nessa ordem, nem necessariamente com freqüências semelhantes. Também no meio de héteros, homos, curiosos (sem aparente preocupação em se assumirem como bis ou não), como também entre crianças, tios, pais, avós e afins. Essa coisa de tentar retratar muita gente interagindo com muita gente, de idéias e ideais diferentes, é um trunfo de Alice. Isso porque não se trata apenas de uma visão pretensamente sem preconceito e otimista daquele mundo próprio da série, mas sim uma transposição convincente de pessoas que conseguem conviver entre o caos assombroso e opções que supostamente só SP pode oferecer.

Todo os percalços dos personagens e especialmente de Alice mostram pouco de genuíno à primeira vista. Mas, bem feita e bem amarrada como foi, a série transforma esse suposto defeito em uma qualidade principal: fala de muitos para muitos, sem a pretensão megalomaníaca de soar como verdade universal, e sem colocar o tempo todo (só às vezes) a mão atrás da cabeça do espectador enquanto o chama de burro.

O mais próximo que Alice chegou do segundo caso talvez tenha sido no começo (explicativo demais) e nos dois últimos episódios, quando flertou descaradamente com o moralismo e o melodrama, mas felizmente não avançou nesse relacionamento. Para terminar a série, como aconteceu como todos os episódios (com exceção do penúltimo, um ótimo média-metragem por si só), vem a voz off, que confirma ainda mais a idéia de uma menor pretensão revolucionária em detrimento de um maior alcance de um público com bem pouca, mas ainda assim com um mínimo de inteligência. No final das contas, em meio a deslizes de um excessivo didatismo, a série funciona como tentativa válida de popularizar o que, apesar de pouco original, é bem feito.

Mini-série: Alice (idem, Brasil, 2008)
Direção geral: Karim Aïnouz e Sérgio Machado
Elenco: Andréia Horta, Carla Ribas, Regina Braga, Vinicius Zinn.

8mm
Sergipe triste
Um ponto realmente negativo (e discreto) da série diz respeito ao irritante retrato de um sergipano, que aparece acho que no penúltimo episódio. Ver uma série coordenada por um baiano e um cearense leva a crer que, quando vier à tona um personagem nordestino, ele seja tratado com um olhar diferente do ‘tipo exportação’, projetado por quem não conhece pra quem não conhece. O problema é que o cara (interpretado pelo ótimo soteropolitano João Miguel, de O Céu de Suely), empresário radicado em São Paulo há não sei quanto tempo, é um mal educado e matuto rude do período jurássico, que, entre outras coisas, vê a mulher como um bicho que precisa “comer direito e sem frescura” – ou coisa do tipo. O retrato decepciona por vermos nordestinos falando de nordestinos como qualquer um não-nordestino com ojeriza à região (e provavelmente sem conhecer) falaria.

Capitu
Queria ter visto tudo, mas só assisti a um capítulo de Capitu (Brasil, 2008), de Luiz Fernando Carvalho. O problema é que a mini-série, como foi apresentada, diz pra você cancelar qualquer compromisso durante quatro ou cinco noites seguidas, em dias úteis e no fim de semana. Mas, no único episódio que vi, fui de um quase êxtase ao desapontamento com uma irritante obviedade de escolha – mesmo que dentro de uma suposta coerência autoral.
Primeiro fiquei feliz em ver alguém com coragem para colocar Black Sabbath na trilha sonora de uma adaptação da Globo e de Machado de Assis. Mas, acho que ainda no mesmo bloco, me decepcionei quando ouvi Money de Pink Floyd numa hora que algum dos personagens falava em dinheiro (ou falta de, aqui pouco importa). A escolha pareceu preguiçosa, já que a música toca pouco e não se sustenta como um momento marcante pelo casamento som-imagem, mas apenas como um reforço talvez previsível e desnecessário da situação. Ainda assim, pelo que li e pelo que não vi, a série pareceu no mínimo interessante.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.alice-hbo.tv/

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Tudo Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (*Mas Tinha Medo de Perguntar) (1971), de Woody Allen
* Noites de Cabíria (1957), de Federico Fellini
* Hair (1979), de Milos Forman
* E Sua Mãe Também (2001), de Alfonso Cuarón
* Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada (2007), de Peter Hedges (cinema)
* Max Payne (2008), de John Moore (cinema)

* Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry
* Pink Floyd ao vivo em Pompéia (1972), de Adrian Maben

sábado, 13 de dezembro de 2008

Espelhos do Medo*



Espelho corajoso e desagradável

Espelhos do Medo (Mirrros, EUA/ Romênia, 2008), de Alexandre Aja, é o tipo de filme que tem todo um pedigree assustadoramente sangrento e atrativo por trás. Primeiro por ser obra do prodígio francês, que chegou ao quarto longa-metragem antes de completar 30 anos – o que aconteceu em agosto. Segundo por se tratar de uma refilmagem de horror (com mudança de título) do sul-coreano Espelho (Geoul sokeuro, Into the mirror – não vi), de 2003, de alguém que já havia trabalhado numa refilmagem clássica do gênero, o Viagem Maldita (The Hills Have Eyes, 2006), com versão original dirigida em 1977 (traduzida na época como Quadrilha dos Sádicos) por Wes Craven, que produziu o filme de 2006. Mas, apesar de toda essa genealogia, ela parece bem mais interessante que a prole.

Temos aqui Ben Carson, um ex-policial (Kiefer Sutherland, de 24 horas) que agora trabalha sozinho num prédio cabuloso, que há mais meio século quase derreteu após um incêndio, mas que ainda guarda as cicatrizes sombrias da catástrofe. Trata-se do Mayflower, um prédio que, quando em chamas, lembra muito uma pintura do final de O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski.

A “semelhança” (referência? coincidência?) com o filme do diretor polonês, contudo, acaba por aí. Não temos aqui uma história conspiratória e um investimento excepcional na sugestão do horror, mas sim um produto que parece uma tentativa pouco feliz de utilizar coisas tradicionais do gênero e de “subgêneros” (o sangue gore) pra chegar a um resultado decente. Desde o sobrenatural ao jeito ofensivo de se filmar sangue, de homicídio a suicídio, passando por gente se queimando violentamente.

O problema é que, apesar de o filme funcionar bem acabado com seu sangue e cenas raras de serem vistas no cinema comercial de hoje em dia, o horror aqui sofre dos mesmos males da maioria dos filmes médios (ou seja, ruins) do gênero. Enquanto é 100% terror e tensão está ok, mas ele flerta demais com conflitos psicológicos e familiares, e com a possibilidade de estarmos diante de uma possibilidade sobrenatural dentro de um mundo real – ou fora de uma realidade própria do filme (aqui muito necessária). Nessas horas, ou o constrangimento é grande ou a falta de inteligência dos personagens ofende em demasia – mesmo ponderando aí num natural desespero pela situação.

Por outro lado, um ponto com algo de positivo do filme é uma possível metáfora para a idéia sobrenatural do funcionamento dos espelhos. Em meio a sustos e filosofia de bêbado, soa válida a idéia de um reflexo como um auto-retrato desagradável e incontrolável por uma auto-censura – o que só aumenta a decepção do filme como exemplar de horror.

Outra questão interessante, para a cidade, é o fato de terem coragem de trazer algo com quantidade mínima de terror e razoável de sangue num cinema púdico como o daqui – e com um público mediano na sessão. Mesmo que num caso como esse, quando o filme não é grande coisa.

Ps: O prólogo é difícil de digerir visualmente, e isso é um elogio, pela coragem.

Filme: Espelhos do Medo (Mirros, EUA/ Romênia, 2008)
Direção: Alexandre Aja
Elenco: Kiefer Sutherland, Paula Patton, Amy Smart.

Rigor conveniente
Na quarta-feira (10), quando assisti a Espelhos do Medo, vi pela primeira vez a atendente do Starplex cobrar o comprovante de matrícula para liberar a meia-entrada. Acho isso complicado, porque não se trata de um cartão, que você pode guardar na carteira e naturalmente levar pra qualquer canto. É um papel grande e que, pra carregar, ou você o amassa todo ou leva pra cima e pra baixo um desconfortável classificador. Você simplesmente não pode decidir ir pro cinema de sopetão, depois de despretensiosamente ter ido na rua fazer qualquer besteira. Se quer pagar o que lhe é de direito, tem que andar com o diabo do papel pra cima e pra baixo. (Não sei como funciona, nem se ainda funciona, a carteirinha da Une – União Nacional dos Estudantes).
Apesar disso tudo, não posso culpar o cinema pela atitude – os cinemas minimamente decentes que já fui só trabalham assim. Eles prestam um serviço e têm o direito de fazerem o possível para não serem lesados. Eu mesmo conheço um punhado de gente que não senta num banco de faculdade há mais de cinco anos e ainda paga meia. Ou pagava.
Mas aí entra outra questão. Não são poucos os filmes com censura 16 e até 18 anos que entram em cartaz por aqui – felizmente – e não foram poucas as vezes que vi crianças (ou pré-adolescentes, que seja) assistindo a esses filmes – infelizmente. A sessão de Casa da Mãe Joana (16 anos), há coisa de dois meses, parecia uma reunião de meninas (e meninos) sonhando com o ainda longínquo baile de debutantes. Lógico que não saí perguntando aos pestinhas quantos anos eles tinham, mas a diferença física média de alguém de 10 anos pra alguém de 16 é infinitamente mais perceptível da de alguém de 110 pra alguém de 116.
Se o cinema quer se mostrar mais sério, que assim seja também com a censura. Rigor conveniente não dá.

De Romeo e Julieta ao broxante
No mesmo dia, como de costume, as luzes se apagaram e começaram os trailers. O povo ainda chegava e os lanterninhas entravam em ação distraindo e achando lugar pra os retardatários. Enquanto via imagens de encomenda em cada amostra do que era projetado, eu permanecia injuriado com minha gripe sem fim.
Depois comecei a reconhecer um pessoal no trailer. Primeiro Nicole Kidman, depois Hugh Jackman (o Wolverine de X-Men). Mas nem me dei ao trabalho de imaginar nada que preste, principalmente pelas frases e imagens com aparência descartável. Até que, depois da última cena do trailer, linda e banal, tomei um susto. Tratava-se de Austrália, o suposto épico (que assim seja) de Baz Luhrmann, que dirigiu as interessantes mini-óperas Romeo e Julieta e (o melhor ainda) Moulin Rouge.
O cara já provou ter as manhas, e desde sempre espero esse novo filme dele, mas o trailer pareceu ligado num piloto automático dessas histórias de amor ordinárias que dão litros de dinheiro. Quero acreditar que só o trailer ficou assim.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.shakespeareinamericanlife.org/ e http://www.imdb.com/

sábado, 6 de dezembro de 2008

O Passado*



O doce amargo do amor

Hector Babenco é um diretor nascido na Argentina, naturalizado brasileiro, nominado ao Oscar pela direção em O Beijo da Mulher Aranha (1985) e responsável por obras relevantes no cinema nacional, desde Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977) a Carandiru (2003), passando por Pixote: A Lei do Mais Fraco – talvez seu filme mais importante historicamente. Ou seja, temos motivos suficientes para falar de qualquer coisa que ele faça. Sendo assim, mesmo não conhecendo toda a obra do cara, decidi escrever sobre seu último filme, O Passado (El Pasado, Brasil/Argentina, 2007) – uma das coisas recentes que mais me deu vontade de digitar desenfreadamente.

Temos aqui uma história que se passa basicamente em Buenos Aires, entre Rimini (homenagem à cidade natal de Fellini?) e suas mulheres. Interpretado por Gael García Bernal (ótimo), Rimini é um tradutor que acaba um relacionamento de 12 anos com Sofia (Analía Couceyro), que é na verdade o centro do filme – mais pela personagem do que pela atriz. Esse término é naturalmente difícil, devido à natural ressaca amorosa, potencializada pelo ruir do relacionamento próximo ao esplendor (em termos sexuais) da idade adulta. Ela se mostra insegura, enquanto Rimini tenta mostrá-la que “o passado é um bloco que não pode ser dividido”, numa resposta à tentativa dela de repartir entre ambos as trocentas fotos do casal.

Esse problema para colocar um ponto final e definitivo no relacionamento leva ambos a tomarem decisões que talvez não tomassem se não estivessem numa vulnerabilidade inimaginável durante alguns anos. Um ponto positivo é que aqui essas situações não parecem somente coisas do tipo “ah, tomei um chifre ou um pé na bunda, então vou extravasar”. Poucas palavras e atitudes dizem muito sobre uma pessoa, seu relacionamento atual, e suas frustrações anteriores, desde lembranças bonitas até paranóias de momentos que remetem a situações traumáticas para cada um deles. As pessoas aqui têm necessidades, problemas e histórias próprias.

Nessa questão, temos uma situação interessante. Os detalhes aqui dizem muito com pouco e cada imagem quer se mostrar útil ao andamento do roteiro, de uma ida ao cinema a um acidente que leva a uma elipse gigantesca. Isso mantém o filme enxuto, só que aqui a gordura chega a um nível tão baixo que deixa de ser saudável para o filme. Quando aparece, essa gordura parece ir diretamente para a barriguinha num corpo muito magro e até bem feito, se mostrando inconvenientemente perceptível.

Um exemplo claro é a ida de Rimini ao Brasil. Ele e sua mulher vêm a uma São Paulo que parece transposta para o Caribe de tão ensolarada e quente (mesmo que o verão de Buenos Aires seja tão ou mais quente que o de São Paulo). Rápida e bem amarrada ao roteiro, essa viagem soa como o enxerto necessário para se conseguir o apoio financeiro também no Brasil (Er... compreensível).

Mais rápidas ainda são as cenas de sexo, que comprovam a idéia de “não vamos perder tempo com isso, o filme precisa seguir adiante”. Poucas vezes se viu exemplos tão claros da piada pronta do “vai ser bom... não foi?!”. Não é uma questão de se filmar o sexo na íntegra, mas de se dar um jeito de manter uma coerência realista-naturalista (do filme) e não fazer parecê-lo artificial, numa maneira de filmar inicialmente interessante de pouco puritana. No fim das contas, o sexo aqui parece uma transa de coelho com um pouco de câmera lenta.

Ainda assim, entre sua casa, conferências e encontro com gente que não via, Rimini tem uma história com um bom grau de genuinidade e que convence, mesmo com ingredientes batidos, desde frustrações e tragédias amorosas ao envolvimento com drogas. Assim como convence o caráter de Sofia, que relativiza toda e qualquer idéia de fins justificarem meios, principalmente quando a situação é caracterizada pelo amor, ou pela falta dele.

Desse amor (outrora puro) e da obsessão ao fundo do poço e o conformismo, com passagem pelo melodrama, Babenco chega a um resultado um pouco irregular, mas pra lá de interessante. Até por terminar com um poder de sugerir como um final “feliz” pode (ainda) não ser o final, como também pode ser ironicamente amargo.

Filme: O Passado (El Pasado, Brasil/Argentina, 2007)
Direção: Hector Babenco
Elenco: Gael García Bernal, Analía Couceyro, Moro Anghileri, Ana Celentano.

8mm
Entre cabeça e braços
Braço sendo cortado por uma serra elétrica (1983), um extintor de incêndio esmagando várias vezes uma cabeça inocente (2002), e uma mulher cotó descendo ladeira abaixo – depois de ter tido seu braço gentilmente decepado por uma espada (2003). Essas são apenas algumas cenas de filmes que judiam da nossa tolerância à violência e que eu particularmente adoro (não citei os nomes pra não cortar o barato de quem ainda não viu). Ou seja, não tenho nada contra sangue e/ou derivados no cinema.
Ainda assim, não tive vontade de ver o Jogos Mortais 5. Pra não mentir, até que tive, mas a ordem de prioridades deixa coisas como O Passado e Lucía e o Sexo (muito bom) na frente. Já no caso de High School Musical, achei o primeiro uma das coisas que você se contorce de vergonha ao assistir, o segundo um pouco melhor (mas ainda assim fraquinho), e o terceiro não vi porque é dublado. Musical dublado, mesmo que com músicas não dubladas, soa esquizofrênico demais pra mim.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.