sábado, 29 de novembro de 2008

Show Não Pode Parar, O*



Auto-retrato encantadoramente honesto

Essa semana fui rever O Show Não Pode Parar (The Kid Stays In The Picture, EUA, 2002), de Nanette Burstein e Brett Morgen, sobre Robert Evans, de quem pouco ou nada se ouve hoje em dia. Curioso é que, por outro lado, até hoje se comenta Love Story, O Poderoso Chefão, O Bebê de Rosemary e Chinatown – todos produzidos ou com produção chefiada por ele, provavelmente o homem mais poderoso de Hollywood nos anos 1970.

Ainda antes de ter todo o poder que teve, Evans bateu o pé durante a produção de O Bebê de Rosemary (1968) para a manutenção de Roman Polanski na direção, que não agradava a Paramount e estava muito atrasado nas filmagens. “Se ele sair, eu saio”, disse. Ficaram os dois e o filme foi lançado, o que fez Mia Farrow acabar o casamento com Frank Sinatra (!) e depois ver que, pelo menos a nível profissional, fez a escolha certa. Dois anos depois, o mesmo Evans salvou a mesma Paramount da falência, graças a Love Story (1970), que levou o estúdio do nono para o primeiro lugar em Hollywood.

Essa breve introdução pode passar a impressão de que O Show Não Pode Parar é apenas mais um biodoc sustentado pela pessoa. Até porque é comum ver filmes que se apóiam muito mais no assunto do que no resultado como obra única que deve ser. Ainda mais se visualizarmos uma história basicamente sobre ascensão e decadência de uma celebridade (mesmo ele sendo mais do que apenas uma) –, sem nada de aparentemente original. Se pensarmos em Hollywood e numa autobiografia, o fedor inerente é de egocentrismo e de pieguice. Ou seja, temos todos os ingredientes pra chegar a um negócio sem gosto.

Mas o ponto é que sentimos aqui um tempero que faz a coisa funcionar. A começar pela narração, feita pelo próprio Robert Evans, que exala paixão e honestidade assustadoras e convincentes – mesmo quando compreensivelmente romantizadas. Da mesma maneira que imaginamos todo o prazer que ele sentiu ao lembrar de seus tempos áureos, quase sentimos o desespero contido de quem já freqüentou um tribunal e uma prisão – por motivos pouco louváveis. É interessante ver o sucesso de um Robert Evans galanteador e ambicioso transportado com a mesma sinceridade de um Robert Evans falido, drogado e esquecido.

Também é interessante que, embora o filme passe uma idéia de um egocentrismo inerente ao seu personagem principal (que admitiu ter no ego o seu maior problema), há muito ali sobre gente de verdade em Hollywood. Com direito ao estereótipo de gente escrota, já que em 40 anos sempre teve quem renegasse um cara como Robert Evans (mesmo no auge), mas também de gente capaz de gastar parte de um dinheiro sem fim em atitudes podres de humanas – e também quem seja bondosamente humano antes de se mostrar perfeitamente escroto: a lá Hollywood. Essas passagens não fazem parte de um estudo sociológico ou coisa do tipo dessas pessoas, obviamente periféricas no filme, mas deixam uma impressão ainda mais palpável sobre alguém que viveu o sonho impossível de muita gente.

O até discreto gosto de glamourização funciona, já que a Hollywood para exportação se apresenta como tal, mas também se mostra como única nesse pedaço de obra, que desde o começo já avisa. “Existem três lados para cada história: o seu lado, o meu lado, e a verdade. E ninguém está mentindo. As memórias compartilhadas servem a cada um de maneira diferente”, numa citação do biografado.

O Show Não Pode Parar mostra somente um lado da história. O que pode ser analisado como uma limitação (não acho), mas também como um ponto de vista que resulta numa obra pessoal (do autor do livro aos adaptadores), com ritmo e capacidade de prender a atenção como pouca coisa do gênero. Muito bom.

Filme: O Show Não Pode Parar (The Kid Stays In The Picture, EUA, 2002)
Direção: Nanette Burstein e Brett Morgen
Elenco: Robert Evans, Francis Ford Coppola, Catherine Deneuve, Jack Nicholson.


8mm
Em Itabuna: Essa semana decidi não falar sobre filmes em exibição no cinema de Itabuna por alguns motivos. Dos que estrearam (pois já falei de 007 e Ensaio sobre a Cegueira), ainda não tive tesão suficiente pra ver Jogos Mortais 5, e vi o Última Parada 174. Apesar de não ter convicção para afirmar que o filme é bom, gostei mais do que esperava. Ainda assim, não tive vontade nenhuma de escrever sobre.
Ou seja, se rabiscasse qualquer coisa, seria mais uma vez sobre algo que me agradou pouco. E eu queria falar sobre um filme que eu realmente gostei – ou, no caso, que já gostava e passei a gostar ainda mais. Às vezes, alisar é mais agradável que bater.

Woody Allen: Scarlett Johansson, Penélope Cruz e um atual vencedor do Oscar no elenco (Javier Bardem) já chamam atenção suficiente pra qualquer cinema, mesmo que ele exiba quantidade descomunal de coisas enlatadas e horrorosas como o daqui. Entendo que essas coisas atraiam público (e elas são necessárias, porque sem público não há cinema), mas às vezes elas impedem gente boa de estrear por aqui.
Se pensarmos que o ótimo Planeta Terror e o sensacional vencedor do Oscar (!) Onde Os Fracos Não Têm Vez passaram em Ilhéus e não vieram pra Itabuna, vem um frio na barriga toda quinta, quando geralmente é anunciada a programação do fim-de-semana. E vem também o inevitável medo de não assistir justamente ao novo Woody Allen.
Mas eis a questão: Vicky Cristina Barcelona é a maior bilheteria do autor no Brasil. Com esse elenco de classe, na semana de estréia, só perdeu pra o novo 007. Então, lá vai um recado pro Starplex: Vicky Cristina Barcelona tá dando dinheiro pros cinemas. Não tem desculpa, tragam pra cá.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 22 de novembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira*



Apocalipse quase didático

Ensaio sobre a Cegueira (Blindness, Canadá/Brasil/Japão, 2008), de Fernando Meirelles, é o projeto mais ambicioso do diretor paulistano até hoje, que ficou mundialmente conhecido por Cidade de Deus (2002), pelo qual concorreu ao Oscar de melhor direção, e que depois dirigiu O Jardineiro Fiel (2005). Agora ele dirige a obra adaptada do livro de José Saramago, publicado em 1995, quando Fernando Meirelles já tentava convencer o autor português a vender os direitos para ele filmar a obra – o que só veio acontecer 13 anos depois. Pensar nisso, e na capacidade do brasileiro dirigir obras pelo menos bem-acabadas como as duas citadas, faz crescer a expectativa para um projeto como esse e, depois do resultado final, faz também aumentar a decepção. Por mais que a obra consiga flertar com a genialidade, por outro lado, ela às vezes soa preguiçosamente óbvia e repetitiva.

Desde o Semcine (Seminário Internacional de Cinema), que aconteceu há quatro meses em Salvador, César Charlone (diretor de fotografia de Meirelles) já havia comentado sobre a fidelidade do filme à obra escrita. O próprio Charlone “retirou” parte do seu crédito na fotografia do filme, ao dizer que a idéia dos tons brancos, quase lácteos, já estavam claras no livro o escritor português. Ele só faltou falar (algo parecido): “Saramago que dirigiu a fotografia”.

Fotografia, aliás, que desde a primeira pessoa acometida pela cegueira sem precedentes, não só é fiel ao livro, enquanto cegueira branca, como incomoda quem assiste. O filme abusa de sua pupila, que em várias seqüências se acostuma a um branco-estourado, e em outras tem que se ajustar para um tom escuro que camufla praticamente tudo que está na tela.

Esses dois tipos extremos de imagem (principalmente o primeiro) são inicialmente interessantes no seu resultado, já que é passada a idéia de desconforto sentida pelos personagens. Por outro lado, soam evidentes demais, e esse desconforto pode atingir um grau de impaciência que, pelo menos no meu caso, fez as duas horas do filme parecerem dois dias. Já as imagens turvas, principalmente pelos momentos em que aparecem, passam a impressão de que Meirelles quis amenizar cenas apocalípticas e duras que exploram como poucas obras o lado tão obscuramente instintivo do ser humano.

Esse peso caótico do filme impressiona e pode funcionar como metáfora do estado atual das coisas (já que o lugar é propositadamente não identificado e genérico, e os personagens representam classes, etnias e personalidades distintas) até como o homem pode reagir diante de necessidades extremas. Na hora do desespero, por exemplo, uma mulher casada se vende antes do que uma prostituta, enquanto outra mulher casada e apaixonada desafia seu marido orgulhoso e “digno” para fazer o mesmo. Aqui há ainda exemplares claros e em sociedade de extremos de perdão, abnegação e altruísmo, mas também de egoísmo, oportunismo e completa falta de empatia – às vezes justamente de quem mais se deveria esperar. Não são muitos os filmes que tratam de tanta coisa e com certo sucesso ao mesmo tempo.

Outro mérito do filme, que aliás já caracteriza Meirelles, são as atuações. Juliane Moore (Magnólia, Boogie Nights), a única não infectada pela cegueira, consegue o que se espera de um papel tão acima dos outros como o dela. Entre os personagens periféricos, o melhor é Gael García Bernal (Diários de Motocicleta, Babel), que curiosamente não aparece tanto, mas é responsável por um personagem humanamente repulsivo, e pelo momento mais engraçado (e talvez ironicamente triste) do filme – numa referência a Stevie Wonder, em cena (pelo que li) improvisada.

Por outro lado, outra parte do mérito (e que pelo excesso audiovisual pode soar como demérito) parece muito mais de Saramago, desde as imagens até o fim, quando o roteirista Don McKellar (obviamente avalizado por Meirelles, que teve o “corte final” por contrato) encaixa uma narração em off para concluir o filme. Um final literário e didático demais, numa concessão pra explicar a quem não entendeu (?!). Uma pena, num filme que funciona melhor (e muito bem) justamente quando não explica, e sim explora.
Filme: Ensaio sobre a Cegueira (Blindness, Canadá/Brasil/Japão, 2008)
Direção: Fernando Meirelles
Elenco: Juliane Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Gael Garcia Bernal.

8mm
Menos mal: A versão que passou em Cannes tinha narração (de Danny Glover – com a venda preta no olho) também no começo. Não imagino como isso foi possível, porque no meio do filme Glover começa que discretamente (ou nem tanto) se torna uma narração enxertada de forma pouco sutil. Imaginar narração no início, meio e fim dessa maneira é visualizar um resultado que, como apresentado em Cannes, começou e terminou ruim.

Aposentados em atividade: E As Duas Faces da Lei realmente é tão ruim quanto eu imaginava. Aliás, o filme não é nem tão fraco, mas sim podre de genérico e medíocre. Durante mais ou menos uma hora e meia, o melhor do filme é lembrar como Robert De Niro e Al Pacino já foram bem aproveitados. Quando acabou o filme, só pensei em rever coisas como Bons Companheiros e O Pagamento Final – que nem são os melhores enquanto performances, mas têm valor afetivo, o que não vem ao caso. Além de Fogo contra Fogo, obviamente, o único filme de verdade que eles atuam juntos.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 15 de novembro de 2008

007 – Quantum of Solace*



Certo (des)conforto

007 – Quantum of Solace (idem, EUA/ Reino Unido, 2008), de Marc Forster, é o 22º filme da maior franquia do cinema, e surge depois do ótimo 007 – Casino Royale (2006), de Martin Campbell, visto inicialmente com uma desconfiança enorme, mas que terminou elogiado.

O filme novo começa de onde acabou o anterior, o que deixa claro uma tendência de a franquia assumir uma guinada no Bond, que teve o (re)início de sua trajetória (re)contado em Casino Royale. A mudança é acompanhada também pela troca do agente secreto, pela segunda vez interpretado por Daniel Craig.

O ator inglês prometia desde ali um Bond diferenciado, e a continuação criava uma expectativa ainda maior pela repetição do trio de roteiristas do Casino Royale: Paul Haggis, Neal Purvis e Robert Wade. Aqui, os três fazem um enredo mais simples, que dá ao diretor a oportunidade de dirigir inúmeras e intermináveis cenas de ação. O problema é que eles não têm mais Martin Campbell, diretor nada genial mas com experiência não só em filmes do gênero, como também em James Bond – já havia dirigido Golden Eye (1995).

Quem está no comando das câmeras agora é o alemão (que se considera suíço) Marc Forster (Em Busca da Terra do Nunca). 29 anos mais novo do que Campbell, Forster passa a juvenil impressão de tentar bater o recorde de quantidade de cortes nos primeiros 20 minutos do filme – excetuando aí a abertura. Parafraseando Walter Murch (entre outras coisas, editor de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now), a edição aqui é hiperativa e funciona como um guia turístico que não pára de apontar as coisas. “Olhe pra a sua direita, agora para a sua esquerda, aliás, olhe para a frente; agora vire de novo, dê um pulo e olhe para trás”. Dá dor de cabeça.

Assim como Bond, a Bond Girl está diferente. Olga Kurylenko (29 anos na sexta-feira – 14) interpreta Camille, que tem no seu melhor a aparência morena-artificial-francesa-mas-na-verdade-ucraniana. Fora isso, uma Bond Girl que não fica, e faz você sentir falta de Eva Green – a Vésper de Casino Royale. Já Bond, um dia super-homem de smoking e um copo de martini, agora está sensível e busca vingança. Na maioria das vezes, parece mais um homem de verdade com façanhas de Bond do que um Bond com poucos momentos de homem de verdade, como sempre foi mais comum.

Caminhando sempre através desse percurso diferente do restante franquia, o filme mantém sua coerência e reforça a idéia do afastamento dos primeiros 007’s e uma aproximação do Bond dos Homo sapiens. Só não sei até que ponto isso é bom para o agente, de quem foi tirado até a clássica “my name is Bond, James Bond”.

No fim das contas, Quantum of Solace transpira investimento demais em humanidade e tensão – talvez desnecessárias nas quantidades apresentadas. Não tem muito a cara de Bond, nem de um filme de ação autoral que sobreviva ao tempo, mesmo com seus momentos. Para um título que pode ser entendido como (difícil tradução) “um mínimo de conforto – numa relação”, não deixa de ser irônico o desconforto que o filme pode causar.

Filme: 007 – Quantum of Solace
Direção: Marc Forster
Elenco: Daniel Craig, Olga Kurylenko, Judi Dench.


8mm
Confortante: Apesar dos problemas, duas cenas me chamaram a atenção. A primeira, talvez a melhor filmada em todo o filme, faz quem tem medo de altura se contorcer na cadeira em uma agonia de poucos minutos que podem parecem durar horas. A outra lembra uma máfia estilizada, com cena que envolve petróleo e remete ao Goldfinger (1964), ainda com Sean Connery.
Como de praxe, a abertura também ganha seus pontos. Tanto visualmente, numa coisa nem tão kitsch quanto pareceu no começo, como pela música: Another Way to Die, composta por Jack White, que também canta – ao lado de Alicia Keys.

Som: Falando em música, é lançado na segunda-feira (17) o livro O som no cinema brasileiro, de Fernando Morais da Costa, no Rio de Janeiro. Não conheço o cara, não sei de ninguém que estará no Rio, mas é sempre bom ver gente escrevendo sobre nosso cinema. A idéia e o fato por si só já são ótimos. Fica a torcida para que o livro, como resultado final, também.

Triste: A Agência Nacional do Cinema (Ancine) promove o “Mês do Filme Nacional”. Entre 17 e 20 de novembro (campanha valeu também entre os dias 10 e 13), os ingressos dos filmes nacionais vão custar R$ 4,00 nos cinemas que aderiram à promoção. A Agência investiu cerca de R$ 2 milhões na campanha, que abrange mais de 300 salas de cinema no país afora. Iniciativa válida, mas não se anime: na Bahia, só Salvador e Vitória da Conquista estão na promoção.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

sábado, 8 de novembro de 2008

Pausa

Excepcionalmente nessa semana, não publicaremos a coluna 70mm – que volta normalmente na semana que vem.

Ao meio punhado de leitores, um pedido de desculpas.

sábado, 1 de novembro de 2008

Mamma Mia!*



Feminismo

Mamma Mia! (idem, EUA/ Alemanha/ Reino Unido, 2008), de Phyllida Loyd (que só tinha dirigido um filme pra TV anteriormente), foi uma grata surpresa em uma semana que parecia completamente insossa no cinema aqui em Itabuna. Um filme que consegue ser o que muito filme quer ser e não consegue, ou não tem coragem de admitir.

Grande parte do mérito está numa das bandas que mais embalou boites afora nos anos 70: ABBA. Os suecos não tinham um cuidado extraterreno na composição musical, muito menos ligação direta com a música erudita, mas fizeram sucesso durante certo tempo com um som minimamente pessoal e bem pop, acessível a qualquer um.

Como musical, Mamma Mia! se liga imediatamente a Across the Universe (2007), de Julie Taymor, e, com boa vontade, a Moulin Rouge (2001), de Baz Luhrmann. Esse último entra como exemplo de como uma referência futura e presente de como se fazer um musical sem nenhuma música original (que eu me lembre) e mesmo assim chegar a um resultado autoral e bem acabado. Ali vemos mescla de músicas de quatro (ou até mais) décadas diferentes numa roupagem que faz você acreditar que ali está a trilha sonora de duas ou três gerações.

Já em Acrosse the Universe temos um musical baseado nas músicas de um banda – no caso, os Beatles –, também como aqui. Só que em Mamma Mia!, obviamente, as músicas parecem muito mais datadas (especialmente se comparado a Moulin Rouge), já que ABBA, fundada em 1971 (dois anos antes do primeiro álbum) e findada em 1983 (dois anos após o último álbum), não passava a pretensão de ficar para a eternidade. E assim parece ser também o filme, que investe muito mais no que cada música já representava do que numa roupagem nova (musicalmente falando) a cada uma delas.

Como esperado, Meryl Streep é o pilar de tudo, já que seu talento para atuar é maior do que qualquer coisa que esteja ali. Ela interpreta Donna Sheridan, mãe de uma filha (Sophie, interpretada por Amanda Seyfried) que não sabe quem é o pai, e que descobre que nem a própria mãe sabe.

Aí aparece o primeiro traço de feminismo do filme. As mulheres que comandam, enquanto os homens são submissos, imploram, esperneiam e só conseguem o que querem após aprovação ou consentimento das mulheres. Elas são “promíscuas” (de família), independentes, e eles fracassados, geralmente também românticos. Numa cena próxima a um cais, as mulheres exalam felicidade, independência e espontaneidade. No mesmo lugar, quando é a vez dos homens se divertirem, a coisa leva um tom muito mais homo-erótico-pastelão – lembra Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). Não é um filme feminino, mas sim feminista caricato (se é que isso existe).

Curioso também que, mesmo sendo um musical e tendo músicas com sonoridades praticamente iguais às de 30 anos atrás, o filme consegue manter um fio narrativo que se sustenta razoavelmente bem tanto pelos diálogos como pela trilha sonora, num encaixe acima da média para o gênero. Por outro lado, o que muitas vezes prende (e ao mesmo tempo distrai) a atenção ou é a paisagem (obviamente perfeita, com locações da Grécia à Califórnia), com personagens, história e até música em segundo plano, ou a quantidade estratosférica de cortes. Outro ponto é que não há números ou coreografias memoráveis, que corroboram ainda mais a idéia de que você vários videoclipes dentro de um só gigantesco, e não um musical. No good.

Vale frisar também que Mamma Mia! passa ok enquanto não se leva a sério. Um exemplo claro disso é quando uma discussão dramática-conflituosa se torna ultra constrangedora, porque gente do mundo de Alice volta repentinamente para o mundo dos terráqueos – e quebra todo o clima construído até ali.

Como esperado, o seu final é devidamente feminista, e a lógica do mundo de cá (ausente em quase todo o filme) é deixada de lado pela lógica do lado de lá. Mas talvez relevável, principalmente por tudo que foi honesta e fantasiosamente construído – mesmo que às vezes pouco elaborado. Um alto astral que pode levar à condescendência e que deixa tudo ok.

Filme: Mamma Mia! (idem, EUA, Alemanha e Reino Unido, 2008)
Direção: Phyllida Loyd
Elenco: Meryl Streep, Amanda Seyfried, Stellan Skarsgård, Pierce Brosnan e Colin Firth.

8mm
(Falta de) som
Não consegui encontrar na Internet como é o sistema de som de Mamma Mia!, mas fiquei com a impressão de que faltava alguma coisa no áudio. O som não parecia um Dolby, e em alguns poucos momentos tinha um abafa típico de mono. Além de um pouco baixo. Não sei se o problema era da cópia, do próprio filme (acho difícil) ou do áudio da sala – ou até comigo. Se ajudar o Starplex, vi o filme na terça-feira (28) às 17 horas.

Tema irrelevante: Quando digo feminismo, isso não tem ligação nenhuma com a qualidade do filme. Você pode ter uma coisa que transpira misoginia, como Cães de Aluguel (1992), de Tarantino, e ainda assim ser muito bom e com mulheres entre fãs do filme. Já um outro filme (teoricamente) sobre amor pode ser um lixo de plástico encomendado, como o Noites de Tormenta, comentado aqui semana passada. Se preferir, você ainda pode entrar no mundo imoral de obras-primas como O Poderoso Chefão (1972), Scarface (1983), Bons Companheiros (1990) e Fogo contra Fogo (1995) – entre algumas outras dezenas. Pessoas e temas detestáveis podem resultar em ótimos filmes, assim como idéias e mensagens ótimas podem se transformar num martírio de duas horas. O óbvio ululante da semana.

“Os” caras: Falando em Fogo contra Fogo, cadê o As Duas Faces da Lei? Não li nada de bom sobre o filme, mas é apenas a segunda (a outra foi em Fogo contra Fogo) e talvez a última vez em que Robert de Niro (65) e Al Pacino (68) contracenem juntos. Por pior que seja, a pergunta é: quando foi a última vez que você viu dos dois maiores atores dos últimos quarenta anos atuando juntos?

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.paramountpictures.com.br/mammamia