sexta-feira, 30 de abril de 2010

Quincas Berro D’Água (pré-estreia no TCA)*




Bêbado e comportado

Marcada para as 20h, a pré-estreia de Quincas Berro D’Água (idem – Brasil, 2010), de Sérgio Machado (Onde a Terra Acaba, Cidade Baixa), começou com pontuais 20 minutos de atraso, quando Luís Miranda¹, Vladimir Brichta e Frank Menezes subiram ao palco. Trouxeram um clima amigável, de humor e aproximação com o público. Depois veio Sérgio Machado e o elenco da equipe, embora só Paulo José (Quincas) e ele tenham usado o microfone.

No que talvez tenha sido o mais belo momento da noite, Machado disse que Jorge Amado foi a primeira pessoa a ter acreditado no potencial dele como cineasta, e contou, com emoção transparente, o caso dos parabéns de Zélia Gattai. Em 2005, à época viúva de Jorge Amado, ela disse ter visto florescer a árvore onde estavam cinzas do escritor. Imaginou que ele deveria estar feliz, que algo de bom deveria ter acontecido. Entrou na Internet, buscou notícias e viu a premiação de Machado no Festival de Cannes. Foi de Gattai, a quem o filme é dedicado, o primeiro e-mail recebido por ele após o prêmio.

A sessão
Em momento alto da projeção, a abertura conseguiu mesclar Saul Bass (lembrança imediata de Anatomia de um Crime) e 007, com um, mesmo que bem discreto, tempero baiano. O porém é que, dali até o final do filme, áudio parecia alto demais. E embora não dê pra dizer se o problema maior era da cópia, do meu lugar (muito ao lado, na frente e próximo à saída de som) ou da regulagem no teatro, sensação foi compartilhada com as duas pessoas com quem falei sobre o problema – mais centrais e acima, no teatro.

Finda a apresentação, começa a história de Quincas, que decidiu morrer (ou “se deixou” morrer) no seu canto, perto daqueles com quem convive. Mas estes, além de desconhecidos, são discriminados pela filha Vanda (Mariana Ximenes), mãe (Walderez de Barros) e genro de Quincas (Vladimir Brichta), exemplares da burguesia caricata. Não ajuda ainda a lembrança de Mariana Ximenes em O Invasor (2002), de Beto Brant, que compreende uma crítica bem mais contundente.

Por outro lado, mais que alfinetar um comportamento, aqui se exalta outro – o que não é necessariamente ruim. O filme é menos uma crítica a uma burguesia reacionária e de aparências que um entusiasta de um tipo de comportamento mais “alegre” dos menos abastados de Salvador. Aqui novamente filmada para exportação, com Pelourinho, Baía de Todos os Santos e Elevador Lacerda normalmente mais figurativos que qualquer outra coisa.

Outra impressão que fica é que em outro pró do filme, o texto, narrado por Quincas (como não li a obra, adaptação não é análise pra mim), é mais visual que sonoro. Em que pese aí o incômodo no áudio, esse encaixe de texto com imagem parece funcionar mais pelo que está escrito que pela forma como a combinação audiovisual é feita.

Antes do filme, Machado falou em ciclo fechado, iniciado por Jorge Amado, que acreditou nele, e também finalizado no escritor, uma de suas influências e quem ele agora adapta em distribuição grandiosa. De fato, comparado com Onde a Terra Acaba (2001) e Cidade Baixa (2005), embora estes sejam diametralmente opostos, Quincas Berro D'Água deve ter mais pontos em comum com o primeiro.

Aqui, mais que o caráter cru de Cidade Baixa, temos uma espécie de defesa de um ídolo, de uma referência. Só que se em Onde Terra Acaba ele assumia um caráter de mediador com um bom material (entre arquivos e entrevistas), aqui ele, ao pegar a ficção, não consegue chegar a tanto. Não há mais contemplação alguma, atores geralmente não têm tanto tempo de tela, e tudo parece corrido; sendo a epiléptica câmera na mão em corrida o melhor exemplo do que existe de pior na falta de esmero que se transforma em hipotética defesa de um tipo de cinema contemporâneo.

Talvez o material seja mais Globo Filmes que Jorge Amado, ainda que o final nos leve a crer que não, mas até o caráter supostamente desbocado do filme parece domesticado. Lógico que muito dessa análise, óbvia e infelizmente, é afetada pela não certeza do quão ruim é ou apenas estava o som. No fim, pensei: se eu, que sou baiano, tive tanto problema, imagine o resto?! Filme precisa de revisão.

Visto, em pré-estreia, no Teatro Castro Alves - Salvador, abril de 2010.

¹Tão bom quanto o áudio, acredite, estava a sintonia entre cérebro e olhos. Confundi Luís Miranda, que de fato apresentou o filme, com Hélio de la Peña, que não faço ideia de onde estava no dia. Já falei mais de uma vez, não acreditem no que escrevo. (Valeu, Helena!)

Quincas Berro D’Água (idem – Brasil, 2010)
Direção: Sérgio Machado
Elenco: Paulo José, Mariana Ximenes, Vladmir Brichta, Marieta Severo, Walderez de Barros
Duração: 102 minutos
Projeção: 2.35:1

8mm
Brincadeira de birutas

É uma pena Lissi no Reino dos Birutas (Lissi und der wilde Kaiser – Alemanha, 2007), animação do comediante-escritor-produtor-diretor-prodígio alemão Michael Herbig (responsável pela maior bilheteria da história da Alemanha), ter lançamento nacional na mesma semana de Alice: tive de repetir três vezes à vendedora que o meu ingresso, na verdade, era para o filme sem A. Não que haja deméritos demais no filme Tim Burton, que nem vi ainda, mas porque, entre os de aparência “infantil”, a tendência monopolizadora é ir para o lado hollywoodiano – e muitos deixarem de ver essa ótima opção para o gênero da animação via comédia.
Apesar da acessibilidade incompleta para a maioria [trata-se de paródia a Sissi (1955), filme austríaco de Ernst Marichka com Romy Schneider e também com o trinômio império-Baviera-arrogância], ele não é exatamente anti-Hollywood. Afinal de contas, não dá para taxar assim um filme com referências que vão da própria Alice a Kink Kong, passando por Titanic e O Pecado Mora ao Lado.
Por outro lado, Lissi é um belo exemplo de narrativa com humor sutil e crítico; só que com toques do politicamente incorreto, o que é cada vez mais difícil de ver em produções com amplo alcance em Hollywood. Ainda que seu melhor talvez esteja, de fato, no que pode ser tirado de situações estapafúrdias. Herbig consegue, por exemplo, fazer um diálogo entre o abominável homem das neves e o diabo; desenha um rei decadente com aparência roquenrol, em crise existencialista, para conversar (sem resposta) com Deus; sacaneia, várias vezes, a parte doentia de tudo estar à venda; e ainda consegue, no século XIX, enxertar a importância toque do celular (!). Mentes ordinárias não chegam a tanto.
Por mais que a maioria das críticas carregue uma dose até maior de ingenuidade (e pouco de forte como crítica de fato) e por mais que ele não tenha vergonha de abrir concessões (que vão do pastelão destoante – mas que prende as crianças – ao final hiper-adocicado), Lissi... não deixa de ser um exemplo de uma animação (e um tipo de comédia) com algo de genuíno. Pouco lembra o oásis de criatividade que é a Pixar, flerta com o que existe de não exatamente louvável na comédia-romântica genérica americana, mas consegue trazer um resultado que tem algo ligado ao local e a quem o fez.

Filmes da semana:
1. Estranhos no Paraíso (1984), de Jim Jarmusch (DVDRip) (***)
2. Jovens, Loucos e Rebeldes (1993), de Richard Linklater (DVDRip) (***)
3. O Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein (DVDRip) (hc)
4. Onde a Terra Acaba (2001), de Sérgio Machado (DVDRip) (***1/2)
5. Ela Matou em Êxtase (1971), de Jess Franco (sala Alexandre Robatto – DVD) (**)
6. Lissi no Reino dos Birutas (2007), de Michael Herbig (Multiplex Iguatemi) (***)
7. À Meia-Luz (1944), de George Cukor (DVDRip) (***)
8. Quincas Berro D’Água (2010), de Sérgio Machado (Teatro Castro Alves – Pré-estreia) (**1/2)

Top-10 abril:
10. A Caixa (2009), de Richard Kelly (Multiplex Iguatemi) (***)
9. Lissi no Reino dos Birutas (2007), de Michael Herbig (Multiplex Iguatemi) (***)

8. Le Dernier Jour (2004), de Rodolphe Marconi (DVDRip) (***)
7. Onde a Terra Acaba (2001), de Sérgio Machado (DVDRip) (***1/2)
6. Crimes e Pecados (1989), de Woody Allen (DVDRip) (***1/2)
5. Macbeth (1948 – 114minutos), de Orson Welles (DVDRip) (***1/2)
4. O Filho da Noiva (2001), de Juan José Campanella (DVD) (***1/2)
3. Comédias e Provérbios: Pauline na Praia (1983), de Eric Rohmer (DVDRip) (****)
2. Antes do Pôr-do-Sol (2004), de Richard Linklater (DVDRip) (****1/2)
1. Noite Americana (1973), de François Truffaut (DVD) (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Brincadeira russa*

“Ele
te consome
te faz querer parar de escrever
pra só ler.
E quando dizem
que ele faz pensar
ele se revira.
Irrita
qualquer justificativa pra genialidade.
Calem a boca
amarrem as mãos.”

“Não gosto dele
o nome é feio e grande”

Tento ser educado
mas ela me interrompe
o pensamento.

“E ainda tem outro porém
O nome dele tem uma grafia diferente
pra cada dia do ano”.

“Mais um motivo
pra substituir o livro de cabeceira”

“Na cabeceira
só tenho um lenço
pra tirar o pó da cara”

Antes fosse pra cheirar
o pó.
Talvez a estupidez
tivesse o mesmo destino da mucosa,
pensei.
“Na cabeceira?”
Ela só pode estar de sacanagem.

“Olha, eu tenho
que ir”,
continuo
sem paciência.
“Já?”
“Uma amiga pediu pra eu olhar um livro
de Ruy Castro.
A edição nacional é do outro lado.”

Saio.
Quero me sair.
Ela
a idiota
vem junto.

“Ele tá na sessão mineira ou carioca?”
Susto
“Você me enganou com a patacoada
de Dostoievski?”

Crime e Castigo
é clichê
Você não prefere que eu diga quantas edições de Noites Brancas
existem em línguas latinas?”

Itabuna, março de 2010

Santa Veneza
Fiódor Dostoiévski, e suas dezenas de grafias adaptadas, é o tipo de escritor que me deixa receoso de falar qualquer coisa a respeito do que escreveu – e isso é um dos maiores elogios que posso fazer a qualquer coisa. Mas indo para o assunto da coluna, uma de suas adaptações que muita gente esquece (já que foge da trinca Os Irmãos Karamazov, Os Idiotas e Crime e Castigo) é a de Luchino Visconti para Noites Brancas (1957) – onde São Petesburgo, local do romance, é transferida para Veneza. E embora confesse não ter achado a potencial obra-prima de um cruzamento entre os dois, lembro bem que Maria Schell tem uma das expressões que melhor combina, no cinema, ingenuidade e arrebatamento.

Rússia americana
No cinema, outro que carrega uma boa influência de Dostoievski é Woody Allen. Todavia, com o seu hábito de, há quatro décadas, fazer um filme por ano, fica difícil citar ou lembrar de todos em que é visível (sem piadas necrófilas) a presença dele. Ainda que o exemplo mais óbvio seja sempre o A Última Noite de Boris Gruchenko (1975), ali a literatura russa e Bergman lutam, mesmo amigavelmente, para decidir quem tem mais força no resultado final. Mas isso não é novidade, e acontece em quase todos os outros filmes de Woody Allen. De qualquer jeito, bom garoto também, esse nova-iorquino.

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição (também impressa) de abril do Jornal Direitos www.jornaldireitos.com.br.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Segredo dos seus Olhos*




Paixão (não) sentida

Que eu tenha visto, o melhor resumo do maior porém de O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de sus Ojos – 2009, Argentina/ Espanha), de Juan José Campanella, foi feito por Filipe Furtado. Na comunidade do Cinemascópio no Orkut, ele disse que “a história policial ocupa 70% do filme, a história de amor horrivel ocupa 70% das preocupações do Campanella”. Mas, verdade seja dita, não acho nem a história de amor nem o filme (tão) ruins quanto ele.

Por mais que o diretor (do ótimo O Filho da Noiva e do meio fraco Clube da Lua) invista tanto no que há de menos convincente (o romance), temos um ótimo roteiro, ótimas atuações (exceção feita à não exatamente expressiva Soledad Villamil) e uma direção relativamente firme. Enquanto filme policial, ele segue um inevitável esquema, mas traz ainda algo de genuíno, com um gênero essencialmente americano com pitadas de um certo jeito de ser platino. Já o plano-sequência no estádio de fato é vaidoso, e parece filmado para chamar mais atenção para si do que para ajudar no ritmo do filme, mas é incrível não só sua engenhosidade, como tudo que Campanella reúne em uma única cena.

Nela, ele junta a paixão pelo futebol (daquele povo no estádio), pelo filmar (por mais narcisista que seja, só um apaixonado pelo ato pensa em plano tão megalômano) e por uma causa, a busca pelo assassino Nesse momento, ele é feliz nos três pontos. E embora apenas aí ele comulgue, numa mesma cena, o sucesso da trinca, em outras ele faz com que pelo menos um elemento delas funcione. Como exemplos mais claros temos a discussão no bar que os leva ao estádio, a cena em que a advogada Irene (Villamil) percebe que o assassino é de fato o culpado (e o que ela faz), o momento em que ela pensa erroneamente que Benjamín (Darín excelente, como sempre) flerta com ela, e a descoberta do paradeiro do assassino.

Por mais que o filme tenha os seus poréns escancarados, ele também consegue reunir elementos a princípio – e que de fato se mostram algo – incompatíveis (o romance com pretensões eternas e melodramáticas dentro de um filme policial) para chegar a um todo cuja eficácia é mais estranha que infeliz. E se o resultado está longe de ser brilhante, por outro lado é tão oscilatório dentro de um caráter pré-determinado (claramente comercial) que não dá pra chamar de medíocre.

Visto no Cine Vivo – Salvador, abril de 2010.

O Segredo dos seus Olhos (El Secreto de sus Ojos – 2009, Argentina/ Espanha)
Direção: Juan José Campanella
Elenco: Ricardo Darín, Soledad Villamil, Pablo Rago, Javier Godino
Duração: 127 minutos
Projeção: 2:1

8mm
Tempo
Vi As Melhores Coisas do Mundo na antevéspera de O Segredo de Seus Olhos. Um teve cinco, o outro teve sete dias para digestão. E embora a cotação de ambos tenha sido a mesma a princípio, filme de Campanella parece agradar (bem) mais ao se pensar nele.

Griffith
Em alguns filmes não vou usar o sistema de estrelinhas. Isso porque, como no caso de um D.W. Griffith [e praticamente tudo dele, embora aqui fale especificamente de seu Lírio Partido (1919)], existe tanta coisa por trás dele e do filme que soaria injusto colocá-lo no mesmo nível dos outros – é hors concours.
A propósito, o que são as imagens do sorriso?!

Filmes da semana:
1. Rashômon (1950), de Akira Kurosawa (DVDRip) (***)
2. O Segredo de seus Olhos (2009), de Juan José Campanella (Cine Vivo) (***)
3. Macbeth (1948 – 114minutos), de Orson Welles (DVDRip) (***1/2)
4. Lírio Partido (1919), de D.W. Griffith (DVDRip) (hc)
5. Antes do Pôr-do-Sol (2004), de Richard Linklater (DVDRip) (****1/2)
6. O Cavalheiro do Telhado e a Dama das Sombras (1995), de Jean-Paul Rappeneau (Walter da Silveira) (**)
7. A Moça com a Pistola (1968), de Mario Monicelli (Walter da Silveira – DVD) (**1/2)
8. Identificação de Uma Mulher (1982), de Michelangelo Antonioni (DVDRip) (**1/2)
Curta:
1. Noite de Sexta Manhã de Sábado (2006), de Kleber Mendonça Filho (Vimeo) (****)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

As Melhores Coisas do Mundo*



As Melhores Coisas do Mundo (idem – Brasil, 2010), de Laís Bondanzky (Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade), tem a ideia de “falar do adolescente e para eles”, em palavras da própria diretora acessíveis no kit entregue à imprensa antes da cabine realizada na terça-feira (13). O que, se por um lado ajuda a deixar clara a intenção do filme, por outro deixa ainda mais límpida a briga entre o que o filme tenta ser e o que, na maior parte do tempo, parece ser – e talvez de fato seja.

Ele tem momentos de fluência notável, que beiram ou alcançam o brilhantismo. Mas em meio a momentos altos e de certa aparência genuína (como a conversa entre os irmãos sobre virgindade, e o momento em que Mano, para querer transar com “a gostosa” da turma, se perde ao querer tocar Something – isso para não falar na cena dos ovos), As Melhores Coisas do Mundo assume um caráter excessivamente genérico. É evidente que Mano pode ter uma adolescência “normal”, mas o problema é quando o caráter ordinário da descoberta chama mais atenção por do que ela em si; quando o ato de conhecer e se conhecer parece pré-programado e independente de como acontece.

Por outro lado, é verdade que o filme cresce ao abrir várias janelas para os conflitos de outros personagens. Temos homossexualismo, bissexualidade (no início, é natural pensamos que Mano tem dúvida – mesmo velada – quanto ao seu caráter hétero), e traição, sem soluções fáceis para nada disso a princípio. Em meio a um natural tom pouco maduro levado no filme (não dá pra cobrar de jovens de 15 anos – que ali predominam – inteligência, sensatez e vivência), vemos, através de pequenos detalhes, como é difícil não só o ser adolescente, como também a convivência com os adultos, e a relação dos adultos com eles. Existe beleza e crueldade no crescer e errar, e Bondanzky é feliz ao nos mostrar ambos – ainda que peque na parte final, e ainda que use seu público alvo como álibi para isso.

Em cena que se passa no hospital, carregada de sincera rebeldia, o filme atinge seu ápice: diferentes e diferenças expostos e analisados, mas sem pretensão salvadora ou forçadamente otimista. Embora me pareça que o resultado seria muito mais contundente se os créditos subissem ali, o filme prefere abdicar do interessante naturalismo usado anteriormente para substituí-lo por uma incompatível abstração; vemos uma pretensa poesia em um texto que é todo prosa. E, em um alongamento cada vez mais nocivo, toda a complexidade abordada se converte no simplório “final feliz”. É como se tudo que aconteceu até ali, com os outros, fosse jogado para debaixo do tapete, apenas porque seu personagem principal “venceu” ao passar por aquela etapa.

O adolescente retratado por Bondanzky, o “falar deles”, (por mais que os “micros” sejam mais eficientes que os “macros”) é complexo e fascinante – como a época. Já o adolescente público, o “para eles”, (especialmente se nos atermos aos últimos cinco minutos) é tratado como alguém que precisa de uma pré-formatada dose de otimismo – para não dizer alienação. As duas partes são tão fortes quanto conflitantes.

Visto, em cabine de imprensa, no Multiplex Iguatemi – Salvador, abril de 2010.

As Melhores Coisas do Mundo (idem – Brasil, 2010)
Direção: Laís Bondanzky
Elenco: Francisco Miguez, Gabriela Rocha, Fiuk, Denise Fraga, Caio Blat, Paulo Vilhena, Julia Barros.
Duração: 115 minutos

Shosanna
Um homem e uma mulher a princípio estranhos se encontram e vão para a casa dele, rapaz misterioso que passa a se envolver com ela e um amigo. A partir daí, Le Dernier Jour (O Último Dia, em tradução literal), de Rodolphe Marconi (prodígio que ganhou melhor curta em Cannes aos 22 anos), passa a funcionar entre os três e com outra relação paralela.
A construção do envolvimento entre todos eles, especialmente no diferenciado triângulo amoroso, oscila entre a apatia e o minimalismo. O que talvez represente o que eles sentem, também talvez nos leve a procurar ali mais do que talvez de fato exista. Porque se a apatia é tão relevante àquela relação, esta (e outra, com frieza semelhante) não pode se mostrar tão convincente quanto Marconi quer nos mostrar mais adiante. Até porque o lado humano é potencializado pela maneira quase claustrofóbica de se filmar, com absurda ênfase nas expressões. Ainda que tudo isso seja relativizado com a reviravolta final.
O choque é maior devido ao aparente marasmo (sem necessária conotação negativa) de todo o filme, é verdade, mas também forte o suficiente para – aí sim em sintonia com a crise do personagem – nos levar de volta à cena de abertura. Após ela, chegamos de fato a um final que, acompanhado de curiosa narração, deixou um sentimento confuso – não sei se funciona ou não.
Le Dernier Jour é muito irregular, mas seus altos e baixos talvez ajudem a melhor compreender a espécie de depressão sentida por Simon (Gaspard Ulliel, entre o tédio e o enigma). E, independente da hipotética intencionalidade dessa variação, em um dos altos do filme, vale destacar a sequência da boite, ao som de Mammy Blue com toque francês. Digna de alguma antologia, ela – e quase todo o filme – tem a presença da já ali promissora Shosanna de Bastardos Inglórios: Mélanie Laurent.

Setaro
Na quarta-feira (14) participei do Clube da Crítica, em hora e meia de debate que valeram (mais que muito livro ou texto sobre crítica e cinema) muito graças principalmente ao convidado paulistano Sergio Alpendre e a André Setaro. Que, na terça (13), teve enfim lançada uma coletânea com escritos seus sobre cinema. Muito se falou sobre Setaro antes, durante e depois da cerimônia, lá e em vários sites e jornais. Pra não me alongar, o que posso dizer dele é que, mesmo sem escrever com a frequência de outros tempos, pra mim é o maior crítico baiano vivo – de longe, provavelmente. Obrigado, Setaro.

Filmes da semana:
1. Bonnie e Clyde (1967), de Arthur Penn (DVDRip) (***)
2. Le Dernier Jour (2004), de Rodolphe Marconi (DVDRip) (***)
3. Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni (DVDRip) (**1/2)
4. Os Desafinados (2008), de Walter Lima Jr. (DVDRip) (**1/2)
5. As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bondanzky (Multiplex Iguatemi – cabine de imprensa) (***)
6. A Caixa (2009), de Richard Kelly (Multiplex Iguatemi) (***)
7. A Cor do Romã (1968), de Sergei Parajanov (DVDRip) (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

terça-feira, 13 de abril de 2010

7 Cronistas Crônicos

Há alguns anos, creio que cinco, convidei para escrever no site Voleio, entre outros, (o hoje amigo de longa data de MSN) Gustavo Jaime.

O site não vingou, basicamente porque me exigia mais tempo do que podia disponibilizar à época - entre trabalho no jornal, faculdade e teatro. Mas ficou a admiração pelo texto de Gustavo. Com quem mantive contato, e quem me convidou para uma verdadeira seleção - feita por ninguém menos que o dono de um dos melhores textos da língua portuguesa.

Não quero me alongar no blábláblá. O 7 Cronistas Crônicos, ainda em fase inicial, vai para a sua segunda semana. Quem me acompanha por aqui está mais do que convidado: http://www.7cronistascronicos.blogspot.com/.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Uma Noite Fora de Série*




Ser (e mostrar-se) esperto

Um casal, interpretado pelos mais comediantes que atores Steve Carell e Tina Fey, quer uma noite diferente, e consegue uma bem ao estilo “sessão da tarde” – para não entrar em spoilers já mostrados pelo trailer, “cheia de aventuras de tirar o fôlego”. Essa é a premissa de Uma Noite Fora de Série (Date Night – EUA, 2010), de Shawn Levy, filme cujo recheio traz encadeamentos tão absurdos que criam expectativa e ambiente curiosos – embora não vá muito além disso.

Por mais que o assunto aqui seja um casal, e não um indivíduo a perambular à noite por Nova Iorque, essa sinopse (e o que carrega o filme) leva à inevitável lembrança de Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese. Não se trata, obviamente, de pedir a Levy um filme tão autoral quanto aquele – ainda que um dos menos inspirados de Scorsese. Mas o que mais incomoda aqui é o fato de ele (que soa como o maior responsável pelo que existe de menos brilhante ali) não conseguir ir além de um irritante grifo televisivo em um filme-novela com potencial como este.

A direção aqui, ao invés de suavizar as mudanças de atmosfera (o que, me parece, seria mais interessante), potencializa o efeito bipolar do roteiro. É impressionante como são incluídas sequências que vão da tristeza à mais completa euforia – sempre frisados. Sobram boas intenções para se fazer uma maluquice híbrida de gêneros, mas falta delicadeza para trabalhar com elementos que se mostram a princípio desarmônicos não só em um único filme, mas às vezes em uma única cena.

É instalada então uma crise de identidade. Uma Noite Fora de Série é uma comédia conservadora à base de estrelas, rostos e corpos atraentes e carismáticos, mas todo blockbuster da mesma família o é. Com isso, o que mais salta aos olhos é o potencial nunca explorado, mas sim geralmente atropelado – às vezes literalmente. Dos personagens ao resultado, presenciamos uma confusa correria sem fim que parece mais uma pressa gratuita (que resulta em mais se$$ões por dia) que o ritmo do filme de fato.

Uma Noite Fora de Série não funciona tão bem como o que se espera de uma comédia comandada por Levy, Carell e Fey (isto é, pouco além do puro riso), e chega próximo de ser um ótimo passatempo – uma das sessões mais rápidas nos últimos tempos. Mas seu caráter domesticamente tresloucado não nos prende tanto pela atenção e pela criatividade de fato, embora elas estejam presentes ali. A impressao maior é a de um roteirista que, ao invés de fazer um bom roteiro que falasse por si só, preferiu dizer “olha como posso escrever uma trama cheia de arti-manhas”. A tentativa de ser diferente soou maior que o talento – e nem Levy, Carell e Fey conseguiram ir além disso.

Visto, em cabine de imprensa, no Multiplex Iguatemi – abril de 2010.

Uma Noite Fora de Série (Date Night – EUA, 2010)
Direção: Shawn Levy
Elenco: Steve Carell, Tina Fey, Mark Wahlberg, James Franco, Mila Kunis, Ray Liotta
Duração: 88 minutos
Projeção: 2.35:1

8mm
Chuva sem água
Graças ao fantástico sistema viário de Salvador (de ônibus, gastei 35 minutos de casa ao Iguatemi – o mesmo que gastaria a pé), cheguei à cabine de Caso 39 (Case 39 – EUA, 2009), de Christian Alvart, com dez minutos de atraso, o que não me deixa falar do filme. E não, o pior é que, na quarta-feira (7), não havia caído uma gota de água em Salvador – engarrafamento era só pra agradar mesmo.

BBB da morte
Baseado em livro fenômeno japonês, a premissa de Batalha Real (2000), de Kinji Fukasaku, é fantástica. Em mundo apocalíptico, o país sofre com desemprego e violência juvenil, e 41 alunos (maioria conhecidos entre si) são enviados a uma ilha para disputar um jogo cujo objetivo é simples e irreversível: depois de três dias, entre os 41 colegas, ser o único sobrevivente. É uma espécie de reality show militar, um tipo de BBB da morte. Cada “eliminação”, e o que leva cada a um matar (ou morrer), é geralmente bem marcante, mostrando do que o ser humano é capaz quando acoado e atordoado – com o filme indo (mesmo sem nunca parecer colocar a política à frente) de um manifesto direitista a um absurdo otimista (didático e irritante). Por outro lado, a trilha soa presente em demasia, e excessão feita aos momentos informativos (e agonizantes), que nos ajudam a contabilizar as mortes, os letreiros parecem redundantes; assim como os diálogos, em sua maioria uma coleção de lugares comuns – o que contrasta ainda quando pensamos em raros momentos de pura inspiração. Mesmo assim, ainda que outro porém sejam os dez minutos finais, Batalha Real é qualquer coisa menos ordinário. E já precisa ser revisto.

Filmes da semana:
1. Batalha Real (2000), de Kinji Fukasaku (DVDRip) (***)
2. Os Viciados (1971), de Jerry Schatzberg (DVDRip) (**1/2)
3. Boleiros 2: Vencedores e Vencidos (2006), de Ugo Giorgetti (DVDRip) (***)
4. O Fantástico Sr. Raposo (2009), de Wes Anderson (Cinemark) (**1/2)
5. Crimes e Pecados (1989), de Woody Allen (DVDRip) (***)
6. Beijo na Boca, Não (2003), de Alain Resnais (DVDRip) (**1/2)
7. Caso 39 (2009), de Christian Alvart (Multiplex Iguatemi – Cabine de imprensa) (**)
8. Uma Noite Fora de Série (2010), de Shwan Levy (Multiplex Iguatemi – Cabine de Imprensa) (**1/2)
9. Clube da Lua (2004), de Juan José Campanella (DVDRip) (**1/2)
10. Permanent Vacation (1980), de Jim Jarmusch (DVDRip) (**1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sábado, 3 de abril de 2010

Chico Xavier*




Apatia psicografada


Chico Xavier (idem – Brasil, 2010), de Daniel Filho (Se Eu Fosse Você 1 e 2, Primo Basílio), é menos um filme que um manifesto religioso institucional, é mais um ponto de partida sem desenvolvimento que um ponto de vista. É um filme que ou se sustenta no factual histórico, que faz questão de querer se auto-legitimar no fim, ou investe na defesa da fé. O porém, e aí talvez resida o maior problema dele, é que essa fé não é na ou da ficção – o que o filme é (por mais que baseado em fatos reais e com término institucional) –, mas na fé no e do personagem, com e de suas convicções.

Desde o começo, Daniel Filho demonstra o que pode ser visto como competência, mas essa competência vem muito mais da inevitável experiência adquirida após 40 anos de produção especialmente para a tv do que de um talento específico para fazer cinema. O melhor exemplo disso talvez seja a cena (entrecortada com flashbacks durante todo o filme) em que é reconstituído o programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em famosa entrevista de Chico Xavier.

O ritmo é tão convincentemente televisivo – e consequentemente rápido – que a distração causada pelos cortes e movimentos se torna maior que a atenção dada à mensagem passada por Chico Xavier (Nelson Xavier). Se a tentativa foi dar força a Chico Xavier ou à reconfiguração histórica (até por vermos um ator reconhecido por todos, Tony Ramos), ela é falha; se foi reforçar a personalidade do ateu vilanístico da história, funcionou.

Mas, como em várias outras bioproduções com presunção essencialmente populista num tempo recente (talvez em toda a Retomada), de Pelé Eterno a Lula – O Filho do Brasil, aqui o personagem torna-se maior que o filme. Não bastasse os créditos finais acompanhados de imagens de arquivo reencenadas no filme, e o uso de toda a expressão caricatamente martirizável de Ângelo Antônio como o personagem adulto, somos (re)lembrados da hora da morte de Chico Xavier, para chegar à conclusão de que toda a espiritualidade dele estava certa.

Não que haja problema em defender uma ideia religiosa – longe disso. O problema é que, no fim, a impressão é que esse caráter defensor da direção e do roteiro (de Marcos Bernstein, de Central do Brasil) não privilegiaram o que a ficção poderia dar de melhor, já que os principais acontecimentos da vida do personagem guiam o filme em piloto automático, sem quase nada além do óbvio. O poder de convencimento, que aqui podemos chamar até de mérito, está mais ligado à fé na doutrina do que na maneira como defende ela. O que, infelizmente, só ressalta a sensação de apatia que beira a preguiça.

Visto, em Cabine de Imprensa, no Multiplex Iguatemi – Salvador, março de 2010.

Chico Xavier (idem – Brasil, 2010)
Direção: Daniel Filho
Elenco: Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Matheus Costa, Tony Ramos, Christiane Torloni
Duração: 124 minutos
Projeção: 1.85:1

8mm
Soul Kitchen (2009), de Fatih Akin
Ainda que deixe um talvez demasiado gosto da decepção, Soul Kitchen (2009), de Fatih Akin, nos mostra uma Anna Bederke que, se tudo der errado, vai no mínimo sempre lembrar Anna Karina – musa de Godard e da Nouvelle Vague nos anos 60. E como adendo, além de a moça parecer mais alguém que não tenho certeza (acho que não é Uma Thurman), o que contribuiu para uma impressão promissora é que ela faz aqui apenas seu primeiro filme. Anna Bederke.

Filmes da semana:
1. Ressaca de Amor (2008), de Nicholas Stoller (DVD) (***1/2)
2. O Filho da Noiva (2001), de Juan José Campanella (DVD) (***1/2)
3. Halloween 2 (2010), de Rob Zombie (Multiplex Iguatemi) (**1/2)
4. Chico Xavier (2010), de Daniel Filho (Multiplex Iguatemi – Cabine de Imprensa) (**)
5. Soul Kitchen (2009), de Fatih Akin (Cine Vivo) (**1/2)
6. Comédias e Provérbios: Pauline na Praia (1983), de Eric Rohmer (DVDRip) (****)
7. Noite Americana (1973), de François Truffaut (DVD) (****)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamqueca.com.br.