segunda-feira, 31 de março de 2008

Divago

Então...

Na empolgação de poder ver em Salvador filmes que jamais passariam a menos de 400 quilômetros daqui, prometi que falaria sobre o novo de Paul Verhoeven (de RoboCop, Instinto Selvagem), A Espiã (Zwartboek, Holanda/Bélgica/Inglaterra/Alemanha, 2007), e o de Todd Haynes (de Velvet Goldmine), o Eu não estou lá (I’m Not There, EUA/Alemanha, 2007). Vi ambos, como queria, mas não vou dar estrelinhas, como de costume, e sim apenas divagar sobre o que me deixou intrigado.

Gostei e desgostei dos dois, por motivos completamente opostos e que, complementados, dão uma obra-prima. No caso de Verhoeven, foi ótimo ver um filme de duas horas e meia e em nenhum momento ter vontade de olhar o relógio. Coisa boa, especialmente por se tratar da segunda guerra mundial, o que significa inconscientemente prever quase sempre alguma escrotidão dos alemães, de alguém do eixo ou de algum traidor.

Ainda assim, A Espiã tem algum (mesmo que um tanto discreto) diferencial, ritmo, cenas realmente muito boas e bem filmadas. Temos em Verhoeven um vovô pervertido que não perdeu o talento pra filmar cenas picantes, e que consegue mostrar de nus frontais a sexo (quase) explícito com tesão, toque autoral e uma naturalidade bem vinda e (aqui) coerente. Num projeto que há muito tempo ele pretendia filmar. Felizmente, não perdeu as manhas.

Onde estou (louco)?
Já o caso de Eu não estou lá, o filme de Todd Haynes sobre as 764 facetas de Bob Dylan, é o oposto. Um biofilme nada convencional, estranho mesmo, com idéias e estilização válidas, daquelas que fazem você abrir a mente e ter idéias loucas. Parece um filme de um universitário genial ou de um jovem cineasta ultra-talentoso mas ainda imaturo.

O problema é que o que sobra em um filme falta em outro. Diferente do caso de Verhoeven, onde temos duas horas e meia de um filme que te prende a atenção mesmo sem ser genialmente original na sua forma narrativa, aqui a coisa parece ficar cansativa, apesar de algumas imagens e momentos realmente legais, divertidos e inesperados. Quando olhei pra o relógio pela primeira vez, jurava que o filme estava no fim, mas ainda faltava quase uma hora.

Outra coisa que chama a atenção é o fato de um holandês, europeu que filmou mais de duas décadas na Holanda antes de ir para Hollywood, voltar para seu país de origem e fazer um filme bem “hollywoodiano” no sentido da história contada, do início ao fim e passando pelo flashback. E um diretor norte-americano faz um filme pra lá de arrojado no sua essência, embora traga não muita coisa além de uma ótima idéia e um experimentalismo válido.

Bem, tem muito mais coisa que me chamou atenção e que eu gostaria de comentar, mas tenho o TCC pra consertar e coisas pra ler.

Filmes vistos em cinemas nos dias 20 e 21 de março

quarta-feira, 19 de março de 2008

De Olhos Bem Fechados



Suspense doentio-sexual

De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, EUA, 1999), o último filme de Stanley Kubrick, é admirado e amado por alguns, mas renegado por outros, que argumentam ser um dos piores, se não o pior filme do cineasta. Pra mim, EWS (abreviação em inglês para o nome original – o que vou usar no decorrer do texto) funciona da seguinte maneira: uma obra-prima que tem os poucos defeitos encobertos pela sua capacidade de funcionar como uma coisa completamente viciante e que ganha um novo significado a cada revisão. É provavelmente o filme que mais revi nos últimos doze meses: acho que foram cinco vezes.

Para começar, vou falar do pouco que me incomoda, até porque não vi como encaixar isso lá embaixo. Em alguns diálogos, você se pergunta cadê a lógica pra se levar àquela situação, enquanto que em outros você quer saber onde se escondeu a inteligência ou o mínimo de bom senso dos personagens; se isso não irrita, também não convence como esperado. Por outro lado, é algo relevável. Primeiro, pelo ritmo e pelas atuações do filme, que têm o toque peculiar e assumidamente não tão natural de Kubrick. Segundo porque, numa conversa onde não há espaço para se pensar muito, algumas vezes não se diz o que você diria se tivesse mais tempo para refletir. Especialmente no caso específico da conversa a base de maconha, que embaralha tudo.

Indo então à parte positiva, o que acho mais fantástico em EWS é o fato de ele transformar ações e conversas teoricamente banais em atos e diálogos que dizem muito sobre o relacionamento (e a sociedade) em questão, que, por n motivos, pode ser semelhante ao de muitos que assistem ao filme. Sim, isso aqui pode funcionar como um espelho pra lá de desagradável. Seja pra você, pra alguém que você conhece ou mesmo para o seu relacionamento com namorada(o)/esposa(o).

Em um espelho, aliás, temos uma cena teoricamente simples mas que já diz muito sobre o casal – o médico Bill Harford e sua esposa Alice (Tom Cruise e Nicole Kidman, ainda casados na época e ótimos em seus respectivos papéis). Bill responde a uma pergunta de sua mulher da maneira mais mecânica e insossa possível, isso segundos depois da imagem de abertura do filme, que já é representativa quando mostra uma Nicole Kidman se despindo como quem vive um tédio irritante.

Do banheiro e do momento mecânico eles partem para uma festa, da festa para casa. Chega o dia seguinte, mostrado como um dia qualquer. Isso até o momento que eles decidem fumar um pouquinho de maconha pra trocar uma idéia, num ritual aparentemente comum para ambos. Aí então os acontecimentos da festa no dia anterior se juntam ao desenrolar da conversa dos dois chapados e, após essa introdução, têm-se de fato o começo de uma jornada psicossexual. Ou mais até sociológica-sexual.

Temos aqui um jogo, de causa e conseqüência, de mudança de hábito e de idéias em decorrência do ambiente e das circunstâncias: um breve e escroto estudo sociológico do casal. É uma jornada de terror, com os extremos de prazer e frustração do sonho e da realidade, do poder, da comodidade e da liberdade. E da falta de tudo isso.

É notável também que, da menina ao dono da loja, passando pelo recepcionista do hotel, sempre existe a ligação com o sexo. Muitas vezes uma ligação puramente humana, mas em outras até doentia. Vai-se do sutil flerte ao sexo completamente impessoal – para não dizer animal. Tudo isso com um tom que, embora surreal e um tanto medonho, mostra situações que podem ser próximas e semelhantes à de qualquer um.

Falar mais é cortar o barato de quem ainda não assistiu. De qualquer jeito, esteja preparado para a famigerada seqüência do casarão, onde Kubrick despeja toda sua megalomania. Nas cenas que ali acontecem, como em todo o filme, há o ingrediente sexual, a estilização e especialmente o tratamento descomunal do cineasta com os sons e as imagens de seus filmes. Rever EWS significa ter um contato com imagens, músicas e até ruídos que não saem da cabeça. Da cena de abertura à resumida e arrebatadora palavra imperativa final, ambas embaladas pela "Jazz Suite, Waltz 2", de Shostakovich. É pra ficar hipnotizado e boquiaberto. Sempre.

Ps: Eu já tinha desistido de falar sobre isso aqui, até porque é dos filmes de Kubrick mais comentados – e sobre o qual eu mais li. Pouco ou nada do que disse aí é novo (idéias geralmente compartilhadas), mas eu precisava escrever sobre um filme que eu não canso de reassistir. Pronto.

Bom feriadão para todos.

Revisto em DVD – 13 de março de 2008.