sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Origem*




Sonhos diluídos

Não tenho dúvidas de que A Origem (The Inception – EUA, 2010), de Christopher Nolan, é um filme cheio de boas ideias. O problema é que todas elas (via roteirista-diretor, aqui a mesma pessoa) se mostram mais apaixonadas por si mesmas que interessadas em serem transpostas para a tela.

Temos a realidade, o sonho, os sonhos dentro dos sonhos, a intenção de inserir uma idéia na cabeça de outro. Ou seja, temos idas e vindas, temos a falta de controle, temos dúvidas. Temos um caleidoscópio fascinante e megalômano, temos ficção científica.

Em meio a isso, Nolan ainda tem a audácia de nos jogar ideias que, provavelmente, são muito mais interessantes lidas que faladas como foram. Ele parece evocar Freud e afins, mas não se lê Freud com a mesma velocidade e postura que se lê uma (específica) burocrática matéria jornalística que, passados 30 segundos, você não lembra mais do que leu.

Quando um filme de gênero (aqui, de mescla de gêneros – ação e ficção científica) traz tanta densidade de conteúdo, é necessário um mínimo de tempo para respiração. Tudo indica, todavia, que a crença de Nolan estava, prioritariamente, no texto, até porque não visualizo ninguém que passe (a confirmar veracidade disso) dez anos escrevendo cenas de ação – o tempo gasto com elas, naturalmente, é muito maior durante e depois das filmagens. Mas as palavras de Nolan, nas quais ele tanto parecia crer, não importa na boca de quem esteja (Di Caprio, Ellen Page ou Marion Cotillard), ou já nascem mortas, ou morrem por asfixia.

Soa evidente que ele queria fazer de A Origem algo além do heroísmo de quadrinhos (de seus dois Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas), do malabarismo temporal (Amnésia), e de truques de mágicos (O Grande Truque). Como diretor, no entanto, ele não consegue sair da ação genérica (ou competente, a depender do ponto de vista) como norte de seu jeito de dirigir.

O maior diferencial de A Origem, no fim das contas, está na imagem; mas ela deslumbra muito mais pelo cuidado em filmá-la tão crível, do que pelo que ela, de fato, diz – e não sei se essa foi a intenção. Sobra gordura (seja no excesso de informação falada, seja na duração de cenas de ação que pouco dizem), e falta a capacidade de dar ao espectador a possibilidade de refletir sobre o que ele, Nolan, tão cuidadosamente escreveu e revisou. Longe de ser medíocre, é uma pena por se perder entre o potencial (do filme) e o que (ele) poderia – ou gostaria de? – ser.

Visto, em cabine de imprensa, no UCI Multiplex Iguatemi – Salvador, agosto de 2010.

8mm
O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski, se aproxima da mistura ideal entre minimalismo de câmera, elegância, boas referências e, obviamente, talento. Como se não bastasse o término monumental (uma panorâmica que termina em angulação teoricamente não indicada em aulas de direção, um brinde, a busca por ele, e – por fim – vários segundos de câmera parada), vale destacar a trilha sonora e a presença de quase um mito.
Alexandre Desplat, colaborador de Jacques Audiard mas assentado em Hollywood (Lua Nova, O Fantástico Dr. Fox, Benjamin Button), faz um trabalho primoroso na potencialização da atmosfera sombria do filme. E, prestes a completar 95 anos, podemos ver Eli Wallach, o Tuco de Três Homens em Conflito: O Bom, o Mau e o Feio (1966). Depois dos 80, ele trabalhou com Polanski e Eastwood – em Sobre Meninos e Lobos (2003). Nada mal.
Ps: Filme para lá de acessível, já tinha saído de cartaz da cidade, mas voltou graças à Sessão Cinecult, projeto do Cinemark. Que lá prossiga essa semana.

Filmes da semana:
1. O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski (Cinemark) (****)
2. A Origem (2010), de Christopher Nolan (Multiplex Iguatemi – cabine de imprensa) (**)
Semcine (sexta, 30 – sábado, 31):
3. Canção de Baal (2010), de Helena Ignez (Teatro Castro Alves) (***)
4. Dawson Isla 10 (2009), de Miguel Littín (Teatro Castro Alves) (***)

* Coluna 70mm também publicada em www.pimentanamuqueca.com.br.

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