segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Saudade sueca*

- O diretor de um circo de pulgas deixa que seus artistas lhe chupem o sangue.
- Eu não gosto de pulgas.
- Nem eu.
- E por que você disse isso?
- Não fui eu, foi Bergman.
- E por que ele disse isso?
- Não sei. Quando tentei falar com ele, o celular tava desligado.
- Mas e o que ele quis dizer com isso?
- Ele quis dizer o que ele disse, ora – e se não quis, dá no mesmo, porque leio o que ele disse, não o que ele quis dizer.
- Não precisava ser indelicado.
- Você pediu... Mas, pra falar a verdade eu tô retado também...
- Why?
- Ontem, eu disse ontem, meu editor falou que queria o texto pra anteontem. Isso não é legal.
- Isso, na verdade, é um sinal...
- De quê?
- De que seu editor não quer publicar seu texto.
- Desconfio disso.
- Desconfia? A ingenuidade é uma bênção...
- Benção é ele ter um colunista como eu.
- Que, numa coluna de cinema, fala mais dele do que de filmes?
- Não, hoje tô falando de Bergman, por exemplo. Até porque ele, meu editor, deve achar que, nos textos, sou a soma das velocidades de Bergman e Fassbinder.
- Já seria ótimo se você fosse a metade da substração do talento de um pelo outro.
- Quem sobre quem?
- Eles podem co-existir tranquilamente. Graças a Deus, aos Lumière, ou, sei lá, aos golfinhos do Parque Costa Azul, o cinema não é uma competição.
- Pois é, mas o assunto hoje é Bergman, porque não me lembro de já ter falado dele por aqui. E porque já escolhi a citação das pulgas pra poder tentar dar início ao texto menos elaborado que já escrevi.
- Nossa, você nem terminou e já acha que ele é o pior.
- Não necessariamente o pior, mas o menos pensado. Isso me entristece.
- Você tá como Elizabeth Vogler em Persona?
- Eu tô com a complexidade dos sentimentos de quase todo personagem de Bergman. Com a diferença de que ainda tenho a preocupação de ter que pagar minhas contas.
- É impressão minha ou você quis diminuir os personagens de Bergman?
- Eu não disse isso.
- Mas deu pra interpretar assim.
- O problema não é meu, nem de Bergman. Muito menos de Alma. Falando nisso, quero rever Persona.
- Vá lá.
- Ainda não. O texto tá curto.
- Não se esqueça, seu editor pediu o texto pra anteontem.
- É verdade...
- Pois é, sua desculpa é aceitável e sua vontade é admirável, porque Persona é um filmaço.
- Obrigado...
- Vá logo, vá.
- É, vou partir mesmo.
- Beijo...
- Beijo...
Ele deixa o computador.

Rigor
Não estou entre os maiores entusiastas de Ingmar Bergman, mas Persona (1966) – assim como Elizaberth Vogler e Alma, interpretadas por Liv Ullmann e Bibi Andersson – é um filme absurdo. Que fica ainda mais absurdo quando vemos Bergman dizer que a improvisação, ali, é praticamente nula, que o texto “foi rigorosamente concebido”. Um monstro esse Ingmar.

Ah, Suécia...
Falando em Suécia, bom lembrar de outra maravilha escandinava, o Deixa Ela Entrar (2008), de Tomas Alfredson. Uma coisa dessas que faz você acreditar como os filmes de gênero precisam continuar a existir – e a serem reinventados. Vampiros, terror, morte e sangue, tudo bem protocolar, transformado em um filme de amor – mas não só – bem pessoal.

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição de dezembro (também impressa) do Jornal Direitos - www.jornaldireitos.com.br.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Pausa

Natal e réveillon, infelizmente, sem o tempo costumeiro para filmes – o que significa, também, impossibilidade de escrever sobre eles. Próximo texto de verdade chega no dia 9. Até lá.

Filmes da semana:
1. Adeus, Dragon Inn (2003), de Tsai Ming-Liang (**)
2. Crash – Estranhos Prazeres (1996), de David Cronenberg (***1/2)
3. Polícia, Adjetivo (2009), de Corneliu Porumbiu (***1/2) (Cinema da UFBA)

sábado, 19 de dezembro de 2009

Avatar*



O “revolucionário” bem comportado


Com Titanic (1997), James Cameron se consolidou de vez como um dos poucos diretores de blockbusters cuja carreira ficou marcada por obras que conciliaram verbas estratosféricas com um mínimo de assinatura e respeito à inteligência do espectador. Em Avatar (idem – 2009, EUA/ Reino Unido), seu primeiro filme em 12 anos, ele volta a obter um resultado único na sua megalomania, mas que também traz irritante sabor genérico.

Avatar pode ser dividido em dois sub-filmes – muito mais que duas partes. O primeiro termina com o pensamento, iniciado lá atrás, de que “mais cedo ou mais tarde, todos nós temos que acordar”. O que a princípio poderia soar como uma filosofia barata típica de blockbusters, ali tem um caráter que consegue ser onírico e crítico. Trata-se de uma realidade paralela num mundo surreal, convincente e jamais visto (e sequer imaginado para a maioria), com a impossibilidade de um final feliz, em um exemplar da beleza na melancolia.

O porém é que esse fim não pode existir num filme cujo orçamento permanece um mistério de vários dígitos – os valores encontrados na Internet vão de 230 (www.imdb.com) a 500 milhões de dólares. No segundo bloco, existe tudo de protocolar, de curtas frases de efeito pós-silêncio a emoções e triunfos sublinhados – tentando ser mais do que de fato são. Incomoda ainda mais o pudor de Cameron para resolver algumas cenas de ação, cuja sintonia com o tom hiperbólico do filme não as avaliza, mas sim reforça a gordura símbolo da obsessão com tamanho.

Até o caráter assumidamente pró-natureza, presente em todo o filme, começa a perder potência com o tempo. Se no começo ele prezava pela sugestão, e dava a cada um a oportunidade de fazer (ou não) a sua própria metáfora, depois ele tende ao didatismo. Não há dúvidas de que Cameron conseguiu fazer um manifesto anti-reacionarismo, mas ele reforçou tanto as caricaturas (de militares/predadores malvados) que elas se tornaram mais marcantes que o poder do gênero; fascinante em vários aspectos – que não valem a pena ser citados, e sim vistos.

É verdade, também, que as concessões sempre estiveram presentes nos filmes de Cameron, mas elas pareciam apenas parte da mentalidade do cinema “penso descaradamente no público, mas tenho voz própria e sou bom no que faço” – que tem em Alfred Hitchcock e Steven Spielberg talvez seus dois melhores exemplos até hoje. Aqui, no entanto, ele permanece competente, o roteiro é bem redondo (tudo “se encaixa”), mas sua voz parece abafada pela expectativa da massa, o nada criativo.

Diferente do que ele conseguiu no próprio Titanic (1997) e em O Exterminador do Futuro 2 (1991), em Avatar ele não torna o caminho para o óbvio tão atraente. Terminada a sessão, o que fica é “somente” o nunca antes visto, e a extravagância (da certeza) desse nunca antes visto – com sensação de déjà vu (em outros) maior do que o esperado dentro dos padrões de seu diretor.

Filme: Avatar (Avatar – 2009, EUA/ Reino Unido)
Direção: James Cameron
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver
Duração: 162 minutos

8mm
O Kubrick dos blockbusters?
Brevemente digerido o filme, aumenta a certeza de que Cameron deve sentir aqui situação semelhante à de Kubrick com Laranja Mecânica (1971). Um diretor já respeitado com pelo menos três obras assaz relevantes para a época, mas que, num misto de megalomania e perfeccionismo desmedidos, permanece em busca de uma obra-prima ainda mais poderosa que a anterior.
Uma das diferenças, para não falar de talento, é que Kubrick tinha uma visão de cinema muito menos hollywoodiana (“desagradável” até), o que torna seu feito ainda mais notável – fazer filmes cuja autoralidade é tão marcante quanto as cifras dos gastos. Já Cameron, mesmo com um ideal artístico que assenta para quem o banca (ou até por isso), aqui se perde entre sua louvável capacidade de chacoalhar a indústria e os milhões de dólares que tendem a podá-lo; ou a seduzi-lo a uma auto-censura. O que não deixa de ser uma pena – para um cineasta especial.

Filmes da semana:
1. Um Só Pecado (1964), de François Truffaut (**1/2)
2. Avatar (2009), de James Cameron (Multiplex Iguatemi – cabine de imprensa) (***)
3. É Proibido Fumar (2009), de Anna Mullayert (Cine Vivo) (***)
4. Palhaços (1970), de Federico Fellini (***)
5. Diário de Sintra (2008), de Paula Gaitán (Espaço Unibanco) (*1/2)
6. O Deserto dos Tártaros (1976), de Valerio Zurlini (**1/2)
7. A Bela Junie (2008), de Christophe Honoré (***1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Abraços Partidos*



Sobre o viver dos olhos

Em Má Educação (2004), apesar de um discreto conflito entre (excesso de?) esmero e (certa falta de) fluidez, Pedro Almodóvar atingiu uma quase inacreditável combinação, límpida e convincente, entre o demonstrar sua paixão pelo ofício e o admirável caráter declaradamente auto-biográfico de sua obra. Cinco anos depois, aos 60 de idade, ele lança Abraços Partidos (Los abrazos rotos – Espanha, 2009), irmão daquele de 2004 e com um fascínio forte o suficiente para suplantar a marcha lenta que o mantém em boa parte do tempo.

A melhor personagem do filme é, sem dúvida, Penélope Cruz – que foi de uma potencial enganação a uma atriz cujo potencial ainda não nos apresentou seu limite. Lena é a imagem pura e auto-suficiente, é a vontade de existir no cinema, de fazer o cinema existir, e que representa não só ela como o próprio filme dentro do filme que temos aqui. Não menos bela é a cena do abraçar a imagem projetada, já filmada entre outros por Godard, emblemática de uma paixão que, no restante do filme, é puro Almodóvar.

Mais do que a auto-citação, ele volta a usar revelações e reviravoltas, comuns na sua escrita folhetinesca, que parecem (a maioria delas) menos relevantes e surpreendentes do que já foram em filmes anteriores. Bom dizer, contudo, que o que pode ser analisado como um pouco antecipável e sem um encaixe perfeito, pode ser visto também (prefiro olhar assim) como um ponto a favor da capacidade de Almodóvar trazer ardor e acaso com a naturalidade de quem sabe tratar com esse tipo de narração e essa mescla de gêneros. Sua assinatura é forte e bonita o suficiente para tornar uma suposta previsibilidade em marca inconteste – que pode incomodar a uns e maximizar o efeito da obra em outros.

O tom novelesco, por exemplo, se no começo não traz o mesmo impacto de muita coisa já feita por ele, acaba por premiar o até então impossível, em – aí sim – uma reviravolta digna de um apaixonado absurdamente talentoso. E capaz de finalizar um filme com uma frase explícita que, se na mão de outro poderia parecer forçada, nas dele parece potencializar ainda mais o nó na garganta de quem sente um mínimo de afeição por esse meio que é o cinema.

É verdade que o amor em comum pela arte talvez contribua para um caráter mais condescendente de quem o analisa, graças à carga emocional do fim do filme, mas também é verdade que não faltam obras que tentam transbordar cinefilia quando, de fato, derramam citações sem nada de genuíno como resultado à parte da referência. Diferente de Almodóvar, que, embora não chegue aqui à sua criação mais bem acabada, é provável que tenha nela a mais apaixonada e cativante.

Filme: Abraços Partidos (Los abrazos rotos – Espanha, 2009)
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Lluís Omar, Blanca Portillo, José Luiz Gómez
Duração: 127 minutos

Filmes da semana:
1. Abraços Partidos (2009), de Pedro Almodóvar (Cine Vivo) (****)
2. O Poderoso Chefão Parte II (1974), de Francis Ford Coppola (****1/2)
3. Atividade Paranormal (2007), de Oren Peli (UCI Aeroclube) (***1/2)
4. Um Sonho Americano (1993), de Emir Kusturica (**1/2)
5. Barravento (1962), de Glauber Rocha (***)
6. Penalty (2001), de Adler “Kibe” Paz (Walter da Silveira) (curta) (**)
7. Rádio Gogó (1999), de José Araripe Jr. (Walter da Silveira) (curta) (***)
8. Viver a Vida (1962), de Jean-Luc Godard (***)
9. Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), de Pedro Almodóvar (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Diário dos Mortos*



O atualizar da paixão crítica


Diário dos Mortos (Diary of the Dead – EUA, 2007), de George A. Romero, é um filme reflexo não só das obsessões como também, e principalmente, do talento de seu diretor para o gênero. É uma atualização de um cineasta que parece capaz de se reinventar com a fluência de um mestre, mesmo dentro de um nicho bem específico – mais do que outro filme de terror, ele volta visitar o terreno específico dos filmes de zumbis.

Percebemos desde o começo que a época é outra, e Romero sabe nos mostrar isso sem que o resultado soe (apenas) modista. O uso da câmera na mão é coerente com a ideia do filme (universitário) dentro do filme, e tem a naturalidade e o domínio de quem sabe usar um plano sequencia, sabe decupar uma cena e consegue dar ritmo ao filme; tendo, ainda, algo a dizer.

Esse “algo a dizer”, é bom falar, pouco ou nada tem de novo – especialmente se pensarmos em tudo que Romero fez desde A Noite dos Mortos Vivos (1968) –, mas a abordagem de mais do mesmo é qualquer coisa menos desinteressante. Não só pela diferenciação do jeito de filmar, que se aproxima de um “contemporâneo” sem parecer publicitário-enganador, como por alfinetadas roméricas presentes em quase toda cena.

Lógico que os filmes de Romero nunca foram ingênuos (longe disso), mas Diário dos Mortos talvez seja o resultado em que ele combine melhor crítica e cinismo. De um jeito que, entre um momento subliminar e outro explicíto, só poderia funcionar tão bem e de maneira tão pessoal num filme de gênero. O que Romero ainda sabe fazer como poucos.

Filme: Diário dos Mortos (Diary of the Dead – EUA, 2007)
Direção: George A. Romero
Elenco: Michelle Morgan, Joshua Close, Shawn Roberts, Tracy Thurman
Duração: 95 minutos

8mm
Virtuosismo?
Eu juro que pensei em escrever sobre O Solista (2009), mas o potencial desperdiçado pelo filme só não é maior do que a impressão de que Joe Wright, também diretor do ótimo Orgulho e Preconceito, parece ter perdido todo o tato para direção. O roteiro não é bom, ele se esforça em tornar tudo mais enfadonho, mas – o pra mim inexplicável – o filme não é exatamente horroroso; e talvez longe disso. Só me pareceu deveras insosso, e não consegui me imaginar escrevendo mais de um parágrafo sobre ele. Sensação confusa.

Filmes da semana:
1. Diário dos Mortos (2007), de George A. Romero (***1/2)
2. O Dinheiro (1983), de Robert Bresson (sala Walter da Silveira) (***)
3. O Solista (2009), de Joe Wright (Multiplex Iguatemi) (**)

Filmes do mês:
10. 500 Dias com Ela (2009), de Marc Webb (**1/2)
9. O Signo do Leão (1958), de Eric Rohmer (***)
8. O Dinheiro (1983), de Robert Bresson (***)
7. Pioneiros em Ingolstadt (1971), de Rainer Werner Fassbinder (***)
6. Domicílio Conjugal (1970), de François Truffaut (***1/2)
5. Casamento Silencioso (2008), de Horatiu Malaele (***1/2)
4. As Testemunhas (2007), de André Téchiné (***1/2)
3. Diário dos Mortos (2007), de George A. Romero (***1/2)
2. Deixa Ela Entrar (2008), de Tomas Alfredson (****)
1. Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sábado, 28 de novembro de 2009

Casamento Silencioso*



A alegria de um viver melancólico

Casamento Silencioso (Nunta muta – Romênia/ Luxemburgo/ França, 2008), de Horatiu Malaele, é um caso curioso de filme (aparentemente de forma não intencional) dividido em duas partes claras, bem diferentes entre si, e com ligação direta com a qualidade – e falta dela. A primeira é marcada por uma irregularidade e pouca delicadeza que contrasta com a segunda, um flashback que mostra, de forma convincente e cativante, uma tristeza e uma vontade de viver bem própria – que parece emanar de muito do cinema feito em parte da Europa oriental.

A história é de um tema muito caro não só à Romênia como a toda aquela região: o passado político – explorado muito bem em, por exemplo, 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007), de Cristian Mungiu, vencedor da Palma de Ouro. Mas o filme de Mungiu, que prefere planos longos que captam toda uma agonia e uma sensação de uma situação e uma época, pouca dialoga com Casamento Silencioso além do óbvio. Malaele, que dirige o seu primeiro longa para o cinema, demonstra pouco tino para filmar a introdução, com vícios contemporâneos de quem morre de medo de o público piscar quando não existe uma cena de ação. O diálogo pouco diz de interessante e a direção não ajuda, as coisas estão invertidas – quanto mais corte e movimento o filme tem, no início, mais monótono ele parece. Até o momento em que somos apresentados a uma pequena digressão de um dos personagens, quando vemos o bendito casamento silencioso.

O casamento em si, e o absurdo real da situação, combinam uma dupla que, como raramente se vê, sincroniza com equilíbrio o riso e o choro. Todo esse momento, que deve durar coisa de meia-hora, não é uma homenagem ao cinema mudo, mas pode muito bem funcionar como um manifesto puritano dos que defendem filmes menos falados – e como eles podem comunicar emoção e comicidade apenas pelas imagens.

Após o generoso – pelo tamanho – flashback, o filme volta a assumir seu caráter tragicômico, agora muito mais triste, com o esperado caráter político de volta. E embora esse tom – advindo principalmente pela frase e pela imagem finais – pouco traga de novo, tudo que o carrega até ali vale muito a pena como peça única.

Filme: Casamento Silencioso (Nunta muta – Romênia/ Luxemburgo/ França, 2008)
Direção: Horatiu Malaele
Elenco: Meda Andreea Victor, Alexandru Potocean, Valentin Teodosiu, Alexandru Bindea
Duração: 87 minutos

Ps: Essa semana toda fui uma agonia só, refletida na quantidade de filmes vistos, apenas dois, e no texto – escrito às pressas. Mas, depois de enfim assentado (espero que até o dia 1º), e do quarto endereço em menos de quatro meses, espero parar com essa esculhambação nômade.

Filmes da semana:
1. Casamento Silencioso (2008), de Horatiu Malaele (cinema) (***1/2)
2. Coco antes de Chanel (2009), de Anne Fontaine (cabine de imprensa) (**)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Passaporte espanhol*

- Ô, Milena, se o sexo entre a gente fosse um filme, qual seria?
- Sei lá, Bruno... um bem ótimo. E com sexo.
- E Sua Mãe Também, por exemplo.
- Eles têm ejaculação precoce.
- Mas o filme é excelente, e o sexo é bem filmado.
- Mas eles têm ejaculação precoce. Não gosto de coelhos. Pelo menos não da velocidade publicitária deles.
- Prefere a Coca, não é?, questiona ele, cujas mãos desenham um objeto aparentemente simétrico, e que só eles dois sabem exatamente o que é.
- Não, Diário Proibido não me inspira, responde Milena. E, se for pra chegar àquele nível, que seja com Johnnie Walker. Mais bem afeiçoado...
- E ainda existe quem fale em sexo frágil...
- Mas o Johnnie Walker é justamente pros dias de fragilidade, da frigidez. Pros dias inspirados, eu abuso do Passport.
- Você tá falando sério?
- Tô.
- Você tá de brincadeira...
- Tô...
- Você tá me achando com cara de idiota, não tá, sua vadia?, pensa Bruno, enquanto diz: você tá me sacaneando não tá, Mi?
- Lógico, abestalhado; você nunca viu uma garrafa de Passport?, é o pensamento dela, que responde: tô sim, Bu. É sério, eu tô de brincadeira.
- Você tá mais dissimulada do que Catherine Tramell...
- Olhaí, nosso filme poderia ser Instinto Selvagem.
- Ah, não, ele é muito lugar comum, quase um dogma de como filmar ousadia.
- Mas ela e ele juntos são incomparáveis. Como se não bastasse tudo ali, Michael Douglas é viciado em sexo, e Sharon Stone, além de exalar o bendito sexo, ainda tem Q.I. de gênio.
- Eu já acho que eles são incomparáveis mais por causa de Paul Verhoeven. Fala sério, em 1973 ele filmou Louca Paixão, e mais de 40 anos depois ele lança um A Espiã. Queria que ele fosse meu avô.
- E eu queria que ele fosse meu amante.
- Agora você tá de brincadeira...
- E você aprendendo...
- Aprendendo, mas ainda não no auge... eu seria, então, Antoine Doinel em Domicílio Conjugal?
- Com você me traindo e a gente ficando sem sexo? Não, obrigado...
- Então a gente estaria em Beijos Proibidos, dois anos antes – sem casar, ok?!
- Não, Bruno, desista. Você não é Antoine Doinel – e nem Truffaut. A gente tá falando de filmes com sexo, não sobre relacionamentos. O assunto é a droga, não o efeito colateral dela.
- Então a gente tem que vir pra Verhoeven. Ou para um dos espanhóis.
- Não se esqueça do óbvio ululante – os franceses...
- Desse jeito, a gente sempre vai descobrir alguém de algum país que sabe filmar sexo. E, convenhamos, nós somos ótimos na coisa – nós temos Carlos Reichenbach!
- Não, eu fico com meu cinema burguês, merci.
- Mas Carlão é diferente. Ele não faz esses filmes constrangedoramente panfletários, ele apenas pega a política como desculpa pra fazer o cinema dele. E ainda consegue ir do popular ao erudito com a naturalidade e o prazer de quem toma uma cerveja gelada depois de correr na orla. Ou de ficar uma hora e meia no ônibus pra casa.
- Mas a persona dele não me agrada. Fim. Sobem os créditos...
- Nossa, a gente vai brigar, é a vontade de Bruno, que se limita a dizer: faz sentido, mas acho que quase todos os filmes dele merecem uma revisão sua.
- E a gente merece um filme decente para definir nossa indecência.
- Já sei, diz o serelepe pobre coitado.
- Qual?
- As Idades de Lulu!
- Do que me lembro, o filme é muito bom, e o sexo deliciosamente pervertido... agora, pensando bem, apesar de coerente com o título, o resultado é ultra moralista. Não gostei. Você tá de brincadeira, não tá?!
- Tô...
- Fala sério...
- Eu falei sério...
- Você que tá de sacanagem, agora...
- É bom, não é?!
- Filho da puta, murmura ela consigo mesma, para dizer, segurando o riso: acho melhor a gente parar...
- E chegar à conclusão de que nosso sexo é infilmável e sem precedentes...
- Nossa... Eu não sei o que foi maior, se o elogio ou a pretensão...
- E importa?
- Não...
Eles param de falar.

Falsa Loura
Bruno e Milena roubaram seus nomes de personagens – nem tão principais – do ótimo Falsa Loura (2007), um dos principais de Carlos Reichenbach. O mesmo Carlão que – para me restringir à sua fase mais recente e acessível – também já fez, nos anos 2000, Garotas do ABC (2003). Ah se todo cinema político fosse assim...

Luna
Muita gente fala (com justiça) de Julio Medem e Pedro Almodóvar quando vem à tona a sensualidade em tela grande, mas pouca gente lembra do também espanhol Bigas Luna, cuja carreira mais inconstante talvez contribua para um certo esquecimento. Ainda assim, impossível não elogiar seu As Idades de Lulu (1990) – e também um Jamón Jamón (1992), e toda sua breguice, com a então adolescente Penélope Cruz. Diário Proibido, do (assim como Luna) também catalão Christian Molina, é outro bom exemplo do tesão na tela – embora, definitivamente, o mesmo não se possa dizer do roteiro.

Verhoeven
Poderia passar mais algumas boas páginas recordando de gente com tino para filmar a libido [cada um com seu jeito e sua (in)coerência dentro do filme], mas – para não falar de E Sua Mãe Também – é sempre bom lembrar do holandês Paul Verhoeven. Que já fez algumas extravagâncias por vezes nem tão positivamente memoráveis, mas que também já nos brindou com, entre outras coisas, Louca Paixão (1973), A Espiã (2006) e Instinto Selvagem (1992). Bom garoto esse Verhoeven.

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição de novembro (também impressa) do Jornal Direitos - http://www.jornaldireitos.com.br/.

sábado, 21 de novembro de 2009

Bastardos Inglórios (2)*



A glória do cinema

Rever Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds – EUA/ Alemanha, 2009) em condições ideais (de saúde, de público e de exibição) é uma experiência não só difícil de ser descrita, como de ser repetida. Em primeiro lugar, devido ao crescimento da popularidade de Tarantino (o que deve contribuir para a dificuldade de encontrar salas com poucas pessoas em dias em que é possível a ida para o cinema) e, também, porque não sei até que ponto o próprio QT será capaz de fazer outra coisa assim.

É possível que as maiores sequências da carreira dele, lembradas separadamente, já tenham sido filmadas: a combinação de Urge Overkill e Uma Thurman em Pulp Fiction; Santa Esmeralda e a luta na neve em Kill Bill; as duas últimas sequências de Kill Bill Vol. 2... Isso, obviamente, sempre recordando de outras imagens e momentos também indeléveis e não citados aqui. Mas, pelo menos essa é a impressão que fica, isso se dá menos por uma queda de nível do que por uma maturidade que mantenha esse nível sempre no alto – o que acontece aqui.

Num exercício de futurologia, Bastardos parece o filme cuja manutenção da qualidade estratosférica (de domínio da mise-en-scène à combinação de criatividade e sensatez na construção do roteiro e dos diálogos), do início ao fim, acaba por prejudicar um destaque maior para alguns dos momentos excelentes dele – já que tudo aqui me parece excelente, inclusive o que a princípio me incomodou (trilha em cena na sala de projeção e as intervenções de Samuel L. Jackson na narração). Não há em Bastardos, como em Pulp Fiction (só para ficar no que considero o melhor exemplo), oscilações entre momentos de gênio – com até a letra o em caixa alta – e uma certa vontade excessiva de exposição do próprio potencial, que prejudica o ritmo do filme como peça definitiva e independente do restante da obra.

Muito disso talvez venha do fato de cada porção de Bastardos parecer um curta-metragem autônomo, sem que, para isso, os capítulos pareçam enxertados ou uma mera exibição egocêntrica. Aqui, não existem cenas brilhantes, mas sim partes inteiras (de 20 a 30 minutos) que parecem irretocáveis.

Como completamente apaixonado pelo que faz, Tarantino nos dá uma aula sobre a segunda guerra, mas não uma aula de história (pretensão buscada por quase todos que a filmam), e sim de cinema. E, nesse ponto, ele atinge uma ambição, e um deleite, talvez nunca atingidos anteriormente de maneira semelhante. A sua cara-de-pau para isso já foi chamada de fascista a irresponsável, passando por entediante (?!), mas soa, para mim, tão cativante quanto o melhor já feito por ele.

Filme: Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds – EUA/Alemanha, 2009)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth
Duração: 153 minutos

8mm
Cinema sem Camarão

Na quinta (19) e sexta-feira (20) participei do Cinema sem Camarão, evento promovido pela Facom – a Faculdade de Comunicação da Ufba. Apesar de um ou outro vídeo interessante (e um outro depoimento interessante), o melhor, como era de se esperar, ficou por conta de André Setaro – que, infelizmente, como mediador, pouco abriu a boca. Definitivamente, o cinema precisa de mais Setaros...

Filmes da semana:
1. O Signo do Leão (1958), de Eric Rohmer (***)
2. Almoço em Agosto (2008), de Gianni di Gregorio (cinema) (*1/2)
3. 500 Dias com Ela (2009), de Marc Webb (cinema) (**1/2)
4. As Testemunhas (2007), de André Téchiné (cinema (***1/2)
5. A Onda (2008), de Dennis Gansel (**1/2)
6. Pioneiros em Ingolstadt (1971), de Rainer Werner Fassbinder (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

sábado, 14 de novembro de 2009

Garota Infernal*



O futuro que (ainda) não chega

Garota Infernal (Jennifer’s Body – EUA, 2009) é um filme cuja impressão deixada é a mesma que deu suporte à sua publicidade. Como as três mulheres principais por trás dele (Diablo Cody, Megan Fox e Karyn Kusama – ainda engantinhando em suas respectivas áreas), ele é, ou parece ser, sem nunca ter sido. Tem potencial e bons momentos, mas peca por passar a sensação de se perder justamente por um certo tom demasiadamente imaturo – o que tem a ver menos com o público teen do que com a dúvida de onde se quer chegar.

A começar por Diablo Cody, a ex-stripper que roteiriza apenas seu segundo longa, mas já uma super-estrela-indie para muitos. Trata-se de alguém com algum feeling para gags, mas que, se em alguns momentos se apresenta possessa pela linha positiva de Judd Apatow, às vezes seus diálogos parecem escritos por um menino de 12 anos recém-apresentado à MTV. Sua caligrafia é pessoal, mas ela (ainda?) não consegue conciliar a sua bagagem (das citações musicais ao domínio – ou não – da escrita) com as concessões que faz; desnecessárias, mas disfarçáveis – e, infelizmente límpidas tanto aqui como em Juno. Quando vemos Megan Fox nadar “nua” (embora na prática, é lógico, não vejamos nada) em um lago deveras sombrio, temos o melhor exemplo de cena descartável, mas que (além de ter estado no trailer – outro óbvio ululante) ajuda um bocado a explorar ainda mais o corpo de quem quer que fosse protagonista – se não Megan Fox, alguém que igualmente garantiria parte do público graças ao fenótipo abençoado.

Megan Fox, por sua vez, é um caso de estranheza que, embora diferenciada, parece ter a mesma magnitude de Cody. Com 23 anos, seus únicos trabalhos relevantes para o cinema (em termo de visibilidade) foram com Michael Bay e os seus Transformers. Ou seja, Fox é uma estrela sem nunca ter atuado de verdade – até porque nunca teve, no cinema, um diretor de seres humanos. Aqui, no entanto, além de ter toda sua voluptuosidade novamente explorada, ela tem uma oportunidade maior de mostrar seu poder de atuação, embora não consiga afirmar até que ponto se sustenta pelo simples fato de a câmera gostar dela ou se ela é realmente talentosa. Seja como for, a expectativa para o futuro dela só cresce.

Já Karyn Kusama é outro exemplo curioso. Em 2000 dirigiu seu primeiro longa, o Girlfight (na estreia de Michelle Rodriguez no cinema), com o qual ganhou prêmios e respeito no circuito independente americano – e foi lembrado com o lançamento de Menina de Ouro (2004), de Clint Eastwood, com história semelhante. Dois filmes superestimados, com o adendo de que o segundo tem uma decência trazida por Eastwood, e o primeiro – apesar de interessante pelo seu caráter independente – é o trabalho de apenas uma iniciante com talvez algum tino.

Em Garota Infernal, contudo, Kusama permanece uma iniciante talentosa. A direção é bem cuidada, sem aparentes vícios teen-publicitários – eles já estão no roteiro –, e com a coragem de investir menos no terror do que no gore, trazendo um agradável tom ultrajante para o público de Crepúsculos da vida. No fim, ela oscila – no que talvez não tenha tanta culpa – entre uma cara de pau absurdamente divertida (com “cuspes” e “voos noturnos”) às bobagens do roteiro, igualmente inconstante.

Filme: Garota Infernal (Jennifer’s Body – 2009, EUA)
Direção: Karyn Kusama
Elenco: Megan Fox, Amanda Seyfried, Johnny Simmons
Duração: 102 minutos

8mm
É sim
Rever Bastardos Inglórios, em condições físicas idéias (e em sala com pessoas educadas), foi a melhor experiência cinematográfica do ano, como esperava. Ele é do mesmo nível do que de melhor Tarantino pode fazer – se não for, realmente, sua obra-prima. No fim, é inevitável perguntar: até onde você vai, QT?

Filmes da semana:
1. Domicílio Conjugal (1970), de François Truffaut (***1/2)
2.
2012 (2009), de Roland Emmerich (cabine de imprensa) (*1/2)
3. Deixa Ela Entrar (2008), de Tomas Alfredson (cinema) (****)
4. Garota Infernal (2009), de Karyn Kusama (cinema) (**1/2)
5. Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino (cinema) (****1/2)
6. Véronique et son cancre (1958), de Eric Rohmer (curta) (**1/2)

* Coluna
70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 7 de novembro de 2009

Anticristo*



O nada travestido

Terminada a sessão de Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009), a sensação que fica é a que o eterno conflito entre o talento e a auto-importância de Lars Von Trier (Ondas do Destino, Dançando no Escuro, Dogville) finalmente chegou ao fim – ou pelo menos aqui essa briga tem claramente um perdedor e um vencedor. Se por um lado o início e o final nos deixam claro que o filme assistido é do dinamarquês perturbado, todo o resto do filme dá a impressão de apenas um menino em busca de atenção.

Em Anticristo, mais até do que em outras obras a princípio tão ou mais polêmicas, Lars Von Trier exala a sua vontade de chocar, embora o problema aqui seja o fato de esse desejo iconoclasta ser muito maior que o seu esmero (já que capacidade ele tem) para dar à obra um resultado minimamente bem tratado. E o começo e o fim, que talvez sejam os pontos mais altos do filme, também são a prova de que o homem do Dogma 95 não é mais o mesmo.

O excepcional manipulador, e nem tão bom encenador, dá lugar a um (em parte) estilista (maior que o de costume) que parece funcionar apenas como tal. Quando o filme tem sua assinatura, ela parece borrada, como se escrita por um bêbado, cuja caligrafia única – cheia de referências e com boa carga pessoal, inclusive nos defeitos – nos atinge com a aparência de feita a olhos fechados. Aqui, Lars Von Trier, que sempre chamou a atenção pelo seu caráter a princípio intimista, inicia e finaliza o filme mostrando uma faceta de quem tem algum talento – do que ninguém duvida – mas se apresenta infantil no restante do tempo, com um aspecto de completo desleixo para com o cinema e compromisso único com o chocar, não importa o quão gratuito esse chocar soe.

Difícil falar mais do filme sem cair numa vala comum de opções para se depreciar o filme de Von Trier, mas é inegável que, aqui, ele parece ter se perdido por completo. Uma pena, em meio ao nada agressivo e excessivamente auto-importante que Anticristo prima por ser – e o muito melhor que LVT pode fazer.

Filme: Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009)

Direção: Lars Von Trier

Elenco: Willem Dafoe, Charlotte Gainsbourg

Duração: 104 minutos


8mm

Digital

Desde que vim pra Salvador, a maioria dos filmes a que assisti foram em projeções digitais – o Rain. Se em alguns casos a coisa não incomoda, em outros a passagem da película para o sistema foi patética, com aqueles gigantescos e nada sedutores pixels a me engolir. Os melhores (ou piores, melhor dizendo) exemplos foram Enquanto o Sol Não Vem e (especialmente) Amantes.

Para os que já se sentiram minimamente lesados com isso, vale a “Carta aberta aos responsáveis pela projeção digital no Brasil”: http://www.gopetition.com/online/31415.html.


Filmes da semana:

1. Diário Proibido (2008), de Cristian Molina (cinema)

2. Anticristo (2009), de Lars Von Trier (cinema)

3. Verdade Nua e Crua (2009), de Robert Luketic (cinema)


* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 31 de outubro de 2009

No Meu Lugar - pré-estreia*



O poder da observação

A pré-estreia em Salvador de No Meu Lugar (idem – Brasil/ Portugal, 2009), do carioca e também crítico Eduardo Valente, é um expoente dos casos em que o debate pós-sessão consegue ser tão ou mais interessante do que o filme – sem que, para isso, o demérito da obra seja maior que o mérito da discussão.

O enfoque do filme está em três famílias de classes sociais diferentes, interligadas por uma tragédia. Baseado aí, as lembranças imediatas vão de Alejandro González Iñárritu (Babel, Amores Brutos) a Robert Altman (Short Cuts – Cenas da Vida, Nashville). Mas o filme de Valente, caro ao cinema brasileiro como forma de abordar a representação do ser humano e da violência, chama mais atenção pela sua abordagem do que pela sua forma de narrativa.

A resolução da primeira cena, por exemplo, deixa uma sensação de falta de coragem (ou competência) para Valente mostrar sua (in)capacidade de encenador em um momento de tensão. Terminado o filme, contudo, a certeza é de que a recusa do início não só se justifica como potencializa o efeito da obra. Ao deixar sua câmera – e a plateia, consequentemente – alheia ao que acontece, Valente demonstra que o como aquilo acontece é menos importante do que como e o que cada um viveu até chegar ali. A impressão, depois de digerida, é semelhante à do acidente no final de O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard, onde o resultado é muito mais importante do que o diretor mostrar sua capacidade de saber decupar e cortar uma cena de ação.

Aqui, Valente filma o dia-a-dia de seres humanos de carne e osso, sem que precise transformar os momentos ordinários da existência em um romance épico. Ele sabe que falar do viver, aliado ao conviver com outras classes, é uma tarefa cuja profundidade é significativa o suficiente para tornar a própria observação espinhosa. E essa observação – que a princípio pode parecer apática –, se por um lado é focada basicamente em acontecimentos banais (e que algumas vezes são demasiado genéricos), por outro é filmada com uma riqueza de detalhes que transforma essa trivialidade de ações em algo notável, cuja unicidade é trazida – ou reforçada – pelos pormenores. De uma certa tensão sexual, existente em mais de uma das famílias, à resolução (ou falta dela), muita coisa fica sem resposta ou obscura; mas não por negligência ou prolixidade desnecessária – e sim por se admitir a complexidade do que trata.

Esse mostrar o caminho sem ter que finalizá-lo numa linha de chegada talvez seja exatamente o ponto mais positivo de No Meu Lugar. Um filme que trata e se passa no Rio de Janeiro, de um carioca que lá viveu praticamente seus 34 anos de vida, e que fala de uma região e de um bairro que conhece (Laranjeiras) – sem que esse universo se torne excessivamente fechado ou, no outro extremo, recheado de recursos fáceis proporcionados por tudo a que o Rio se liga.

Diferente de um Cidade de Deus e sua aparência de documento oficial-estilizado, e de Tropa de Elite e sua resolução simplória (ainda que sejam filmes interessantes), No Meu Lugar é mais contido por não querer responder e/ou documentar/estilizar em busca de uma auto-importância que ele não necessariamente tem. E, talvez justamente por isso, é mais contundente na sua força como possibilidade de um cinema ligado a política (ainda que o enfoque seja maior no ser humano do que em uma suposta ideologia – o que não é nenhum demérito) sem soar irresponsável e/ou constrangedoramente panfletário. O que Valente faz, no fim das contas, é simplesmente dar ouvidos (e vida) aos personagens e voz a um tipo de cinema – cuja coerência com o naturalismo apresentado é dos maiores altos do cinema brasileiro recente.

Filme: No Meu Lugar (idem – Brasil/ Portugal, 2009)
Direção: Eduardo Valente
Elenco: Marcio Vito, Dedina Bernardelli, Luciana Bezerra
Duração: 113 minutos

8mm
Debate
Poderia (e gostaria de) falar muito mais do debate, mas o tempo é escasso. Ainda assim, bom dizer que o Valente, apesar de um cara com um incrível tesão pela fala, sabe ouvir e respeitar a opinião alheia – e inclusive admitiu que a trilha sonora principal, considerado ponto negativo por um dos espectadores, já havia sido considerada um revés do filme por outras pessoas (o que ele não precisava dizer).
Bom lembrar ainda o fato de a Vídeo Filmes ser uma das produtoras do filme. Video Filmes, de Walter Salles que – junto com seu irmão João Moreira Salles – já havia sido criticado pelo Valente crítico, o que não impediu o diretor de Central do Brasil perceber o potencial do roteiro do filme. É ótimo perceber não só a generosidade (palavra usada pelo próprio Valente) como a maturidade de Salles para separar as coisas. Por incrível (ou não) que possa parecer, a postura de Salles não é regra.

Rápido
Ah, e embora o www.imdb.com diga que o filme tenha 113 minutos (única minutagem disponível lá é a da França), a que assisti, acho, tinha menos – salvo engano, o Valente falou em 90 minutos.

Filmes da semana:

1. No Meu Lugar (2009), de Eduardo Valente (cinema – pré-estreia) (***1/2)

2. Herbert de Perto (2009), de Robert Berliner e Pedro Bronz (cinema) (***)
3. Delicatessen (1991), de Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet (cinema) (**1/2)
4. Ladrão de Casaca (1955), de Alfred Hitchcock (***1/2)
5. Enquanto o Sol Não Vem (2008), de Agnès Jaoui (**) (cinema)


Top 10 de outubro:
10. Amantes (2008), de James Gray (***1/2)

9. O Homem que Incomoda (2006), de Jens Lien (***1/2)

8. A Primeira Noite de Tranquilidade (1971), de Valerio Zurlini (***1/2)

7. Ladrão de Casaca (1955), de Alfred Hitchcock (***1/2)

6. No Meu Lugar (2009), de Eduardo Valente (***1/2)

5. Por um Punhado de Dólares (1964), de Sergio Leone (***1/2)

4. Por uns Dólares a Mais (1965), de Sergio Leone (***1/2)

3. Vicky Cristina Barcelona (2006), de Woody Allen (***1/2)

2. Um Filme Falado (2003), de Manoel de Oliveira (***1/2)

1. Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino (****)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Bons Companheiros*

Os dois já conversam há um bom tempo.
- Mas e por que vocês não deram certo?, questiona Isabelle
- A gente brigava muito. E ela perdia as estribeiras por qualquer coisa, relembra Theo.
- Ela parecia tão delicada...
- Quando tinha crises de ciúmes, ela tinha a delicadeza de uma escarrada – de sangue.
- Sério?
- Não. Sem sangue.
- É... Confortante...
- Pra você ter uma ideia da cena, o relacionamento da gente parecia o de De Niro e Sharon Stone em Cassino.
- Ela era uma prostituta?
- Não, Belle, na verdade quis só ajudar na visualização das brigas.
- Uma baixaria louca, só que sem o glamour e a breguice de Las Vegas, certo?!
- Mas com o calor de Itabuna e Ilhéus. E com a combinação mais perigosa que existe.
- Whisky com o pó de pirilimpimpim?
- Não: tédio, dinheiro e carência.
- O que dá no mesmo, Theo. Você não precisa se justificar pra mim. O problema era o braite, não era?
- Era, mas parei de vez, você sabe. Falando nisso, lembra da primeira vez que você cheirou?
- Aham. Primeira e única – até hoje. Começamos com trechos de Scarface, depois revimos Bons Companheiros e Trainspotting. Nossa, que coisa mais clichê...
- Ah, Belle, a primeira vez de tudo é um clichê, nem que seja pelo fato de ser uma primeira vez. O que você pode comemorar é o lado positivo da coisa. Foi com seu namorado, que você já conhecia bem até antes de namorar e, pra completar, você não só sobreviveu às carreiras como, o mais importante, não teve rebordosa. O que um bom pó e um bom namorado não fazem, hein?!
- Sexo.
- Ahn?
- Nada. Por falar em drogas, Hair, como tá?
- Tá bem. Até hoje tá guardado com o bilhetinho escrito por você. Ainda lembro daquela quase poesia, quer que eu diga?
- Não, se até você chama aquilo de quase poesia, melhor não.
- Belle, ninguém sabe falar de amor com 18 anos. A gente sabe, no máximo, querer saber.
- Isso é verdade. Mistura a insegurança e inconseqüência de um com a dependência do outro. Tudo culpa da idade – ou da falta dela.
- Você foi completamente rodrigueana agora.
Theo sabe que foi exatamente ele quem apresentou a Isabelle as melhores coisas de Nelson (sem piadas cretinas), mas acha desnecessário lembrá-la. Seu telefone ajuda e toca.
- Oi... tudo bem... parei pra tomar um suco aqui, tô indo pra o correio... eles foram lá em casa, mas não tinha ninguém, aí preciso passar lá hoje pra pegar o livro... tá bom, tá bom... quando chegar em casa te ligo... beijo...
- Quem era?, pergunta Isabelle.
- Jesus.
- Eu preferia você hétero.
- Você continua com um radar infalível... A gente tá ficando há pouco tempo, ela faz comunicação...
- Você nunca conseguiu namorar com ninguém de Direito, não é?!
- Não. Quando a mulher parecia perfeita, tinha namorado. Mas quando não tinha, uma com quem tive um caso de uns três meses, era obcecada por um ménage.
- Com dois homens ou duas mulheres?
- Dois homens: Kelsen e Miaille. Se um dos dois faltasse, Reale. Eu era só a quarta opção.
- Melhor do que nada, ela poderia ter Pontes de Miranda à sua frente.
- Mas aí, por tabela, ela teria também Igor à frente. E você enciumaria. E o que poderia ser uma orgia viraria uma guerra. Sou pacifista, antes meio corno do que quase assassinado.
- Se ela viesse pra cima de Igor...
- Acho que até Igor acharia um porre tanta conversa de Direito.
- Não sei não, tenho menos ciúme da ex-noiva dele do que de Pontes de Miranda.
- Ah, quieta com isso, Igor é um cara correto. Ele ainda tá na Igreja Batista?
- Não, ele se converteu ao ateísmo. Graças a Deus.
- Você tá de brincadeira...
- Nope...
O celular de Isabelle toca.
- Falando no santo..., comenta ela, que atende. Oi, amor... tô aqui no... ah!.. Ah... tá? Cadê?! Ah, pronto... pronto...
Igor aponta na rua, Isabelle o percebe.
- Olha ele ali...
- É, ele falou que estava aqui em frente. Tenho que ir, Theo.
- Ok, Belle, vai lá. Dê notícias.
- Pode deixar... fica bem... Beijo.
- Beijo, Belle, se despede ele, que acena para Igor. Eles terminam o dia em casa – cada um na sua, digo. Isabelle ainda não tem certeza do que fará, Theo vai rever Bons Companheiros. Gostaria de saber o que Scorsese acha disso.

Nunca anacrônico
Theo e Isabelle roubaram seus nomes dos irmãos (interpretados pelos – ali nem tão – ótimos Louis Garrel e Eva Green) em Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci. Confesso não ser entusiasta xiita do filme, mas é inegável que, embora a ideia e o romantismo ingênuo às vezes não sejam tão bem executados, ele tem seus momentos – e cresceu muito quando revisitado.

Os outros
Hair (1979), de Milos Forman, é um daqueles filmes que faço de tudo para, além de assistir, não comentar. E isto é uma das poucas coisas que posso falar sem me constranger. Não vejo há três meses – é preocupante.
Martin Scorsese, por sua vez, é um dos que consegue a façanha de nem sempre me cativar de primeira, mas atingir em cheio quando revisto. Cassino é muito bom, e Bons Companheiros, bem, é uma aula de cinema, além de uma delícia de filme. Que todo publicitário tenta fazer. E muito cineasta (com ou sem aspas), também tenta imitar.

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição (também impressa) de outubro do Jornal Direitos - http://www.jornaldireitos.com.br/.

sábado, 24 de outubro de 2009

Bastardos Inglórios*



Limites

Antes de um filme de guerra, comédia e drama – ao mesmo tempo –, Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds – EUA/ Alemanha, 2009) é, talvez muito mais do que todos os outros, um filme de Quentin Tarantino. O que não quer dizer exatamente que o resultado não passe de uma repetição de maneirismos em defesa de uma satisfatória e segura egotrip, mas sim que, embora exista em Tarantino um ego gigantesco (e já característico), este parece tão grande quanto a vontade de, enquanto se diverte, testar mais do que nunca seu próprio talento enquanto cineasta.

A primeira cena de Bastardos Inglórios é a mais longa numa abertura dele, mais lento e contido desde a linda apresentação de créditos. A não menos bela – e educadamente tensa – conversa entre o Coronel Hans Landa (Christoph Waltz – extraterrenamente sensacional) e Perrier LaPadite (Denis Menochet – muito bom) remete ao diálogo entre Christopher Walken e Dennis Hopper no ótimo Amor à Queima-Roupa (1993) – roteiro que ele (infelizmente) vendeu para Tony Scott –, com o adendo de aqui Tarantino se arriscar mais; pela duração, pela não interferência de personagens, e por dirigir, logicamente. Numa cena em que duas pessoas conversam durante 20 minutos, é bonito perceber a plateia em silêncio hipnótico por tanto tempo sem que, para isso, a câmera tenha de dar piruetas. QT, completamente hábil em prender a atenção do público na base da escrita e em cuidadosa decupagem, se mostra um puritano do tripé, da steady cam e de gruas – nada de câmera na mão chamando atenção para os seus próprios tremeliques.

Esse mesmo puritanismo – nada novo, mas aqui elevado a enésima potência – Tarantino demonstra no que diz respeito ao cinema como ele vê. E este cinema é película – com direito a uma quase ojeriza pelo digital – e, bem diferente da maioria de Hollywood, respeito à língua e admiração pelo cinema de outros países. O que, convenhamos, é assaz coerente com alguém cuja maior influência é de diretores italianos (de Sergio Leone a Mario Bava) e cuja produtora leva o nome de um filme francês – Bande à Part, de Jean-Luc Godard.

O mesmo respeito, todavia, não é visto no que diz respeito à história – o que não é necessariamente um defeito, e o que vejo como justamente um dos maiores trunfos aqui. Não existem apenas inúmeros filmes sobre a segunda guerra, mas sim incontáveis obras marcantes e estudiosas do tema. No entanto, nenhum filme (que eu me lembre) teve a audácia de se revelar tão (re)escritor da história já conhecida – e reconhecida. E, mais do que uma afronta, essa reconfiguração histórica funciona como um deleite impossível fora do cinema.

Vingança é o pano de fundo, a lembrança de Kill Bill é várias inevitável, mas a descarga é catártica, e chega a remeter, embora de maneira bem rápida e diferente, a Vá e Veja (1985), de Elem Klimov, filme diametralmente oposto sobre (o horror bielorusso n)a mesma segunda-guerra. O diálogo com a obra-prima soviética, porém, não vai além disso, já que o que Tarantino faz é entretenimento – de onde menos se espera. É curiosa sua construção caricata (em harmonia com o espírito do filme) e por vezes lindamente infantil dos próprios conterrâneos, especialmente de Aldo Raine (Brad Pitt – não apenas hilário), natural do Tennesse, como o próprio QT. Tarantino é absurdamente hollywoodiano no seu fim (entretenimento), mas seu êxito maior é conseguir chegar a esse fim com um tom cinéfilo e zombeteiro; comprometido acima de tudo com o cinema dele – aqui mais do que nos seus outros filmes.

Esse seu tom autoral é visto inclusive no momento em que ele parece pecar por ir onde nunca foi anteriormente, ao tornar a trilha, antes (ou além) de um reforço de estilo, um potencializador de sentimento; trazendo uma aparência surpreendentemente genérica. Abruptos cortes secos (e de atmosfera) dão a certeza de que ele não quer ser piegas, mas não a de que consegue o equilíbrio entre moderação e sensibilidade sem que, para isso, se desvirtue de um filme tão absolutamente estilizado (e num mundo diferente) até ali. Talvez, e aí vai um talvez em caixa alta, seja o próprio Tarantino (re)conhecendo um (enfim) auto-limite: “ei, isso não encaixou tão bem quanto poderia, não sou tão bom aqui quanto no resto”.

A prova de que esse talvez merece ser relativizado vem no final. Quem já leu algo do que Tarantino falou sobre Bastardos Inglórios sabe o que ele acha do filme, e – depois das mais de duas horas completamente apaixonadas – assistir a Brad Pitt dizer o que diz é imaginar as palavras saindo das mãos hiper-ativas de QT, falando em primeira e última instância de si (um tipo de personificação de um cinema) para o mundo – lembranças de Truffaut e Os Incompreendidos e Almodóvar e Má Educação foram imediatas. Com essa última frase, tudo que disse (sobre) e tudo que manifesta em Bastardos Inglórios, Tarantino nos dá a impressão de que, se não atingiu seu limite de talento – se é que isso é possível –, ele realmente fez aqui o filme que resume sua obra. Filme esse que, não por acaso, é uma ode não ao passado histórico, mas à infinita potencialidade cinematográfica de se fazer a própria história.

Numa situação hipotética, se fosse fazer um filme sobre a alarmante diminuição de água potável no mundo, Tarantino, muito provavelmente, enfocaria mesmo (o fim d)a película cinematográfica. Do que ele entende, pelo que ele se interessa, e o que ele ama o suficiente para escolher como protagonista de seus filmes mais ambiciosos – de Bastardos Inglórios à sua vida. É difícil que exista hoje, vivo, algum cineasta com tamanha combinação de audácia, talento e uma espécie de divertimento com o estado eternamente enamorado pelo próprio cinema.

Ps1: Ainda não sei precisar o quanto minha precária situação física influenciou no absorver do filme, mas – obviamente – irrelevante ela não foi. Muito dos Bastardos, de bom ou não, pode ter evaporado antes de ser digerido. Ou foi mal digerido...

Ps2: Texto escrito sem assistir ao À Prova de Morte (2007), o filme anterior de Tarantino lançado há mais de dois anos em Cannes e ainda inacreditavelmente inédito (comercialmente falando) no Brasil. A última previsão da Europa Filmes – a que tive acesso – falava em dezembro. Espero, mas não garanto.

Filme: Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds – EUA/Alemanha, 2009)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth
Duração: 153 minutos

8mm
Mais Itália
E Tarantino, deixando claro que os Western Spaghetti (para ele) não se resumem a Leone-Morricone, ainda nos dá o prazer de assistir a Shosanna (Mélanie Laurent – excelente) ao som da trilha de O Dólar Furado (1965), de Giorgio Ferroni. Ah, Itália... (atualizando o óbvio: isso para não citar, obviamente, o Bastardos Inglórios (1977) de Enzo Castellari, no qual o filme de Tarantino se baseia vagamente.)

Sem amantes
Um filme como Amantes (2008), de James Gray e com elenco de gente da popularidade do naipe de Gwyneth Paltrow e Joaquim Phoenix, numa quinta-feira às 16h20min, em Salvador. Ou seja, uma sessão deveras acessível. Pois bem, decorridos cinco minutos de projeção, eu era o único na sala – que viu os créditos finais subirem com o dobro do público.

Filmes da semana:
1. Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino (cinema) (****)
2. Besouro (2009), de João Daniel Tikhomiroff (cinema – pré-estreia) (**)
3. Amantes (2008), de James Gray (cinema) (***1/2)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 17 de outubro de 2009

A Órfã*



Superfície ilusória

Se a média geral de qualidade dos blockbusters é baixa, menor ainda é a média dos filmes de horror que chega à maioria de multiplexes e derivados. Assim, quando qualquer coisa tem, além de um mínimo de respeito ao espectador, relances de domínio sobre as especificidades de gênero (para dribá-las ou para usá-las), ela pode dar a impressão de ser mais do que é. E um exemplo de filme que me passou exatamente essa sensação foi A Órfã (Orphan – EUA/ Canadá/ Alemanha/ França, 2009), de Jaume Collet-Serra (do A Casa de Cera de 2005).

A apresentação à história é eficiente ao mostrar, além de um sangue que marca, o suposto parto de um bebê “nati-morto” que parece filho do demônio, tornando inevitável a lembrança de O Bebê de Rosemary (1968); onde, é bom diferenciar, o investimento maior era na sugestão, menos no horror do no terror. Aqui, no entanto, quase tudo parece sugado, como referência ou cópia disfarçada, de A Profecia (1976), de Richard Donner. O porém é que, se no caso anterior a questão era uma coisa ligada a uma certa para-normalidade não didaticamente convencível, o mistério aqui persiste até ser revelado palavra por palavra antes do final. Não há espaço para o (que pode ser charmoso e funcional) incompreensível.

Embora não tenha a mesma proposta de Pânico (1996), por exemplo, A Órfã trabalha com várias referências (apesar de em menor quantidade e tom diferente do filme de Wes Craven), mas não consegue fazer com que o filme funcione como uma coisa só. Se por um lado detalhes – ou bem mais – remetem imediatamente a clássicos, e se a princípio assistimos a uma versão interessante do já (bem) feito e filmado, por outro presenciamos o finalizar do filme com uma citação a O Chamado 2 (2005).

Esse percurso, que alguns podem (não sem razão) dizer que se foi do luxo ao lixo, não significa tornar necessariamente o resultado ruim. Mas passa a sensação de que A Órfã usa a voz de outros de maneira decepcionante. Ao invés de estudá-las para se tentar emitir um som treinado e bem referenciado (uma primeira impressão otimista), ela dialoga com elas para alcançar um timbre final apenas afinado – parece faltar talento natural para se ir além.

A personagem “diabólica”, os sustos, um possível humor, a construção do ambiente, da atmosfera, do medo, de possíveis cenas indeléveis, tudo isso não chega a ser mau feito ou constrangedor, mas não vai além do bem executado. Se for para avaliá-lo fora do gênero, ele tende a pecar já que as concessões tendem a se tornar menos indulgentes no que diz respeito à complexidade de personagens; o drama parece pré-programado a ponto de termos de voltar a vê-lo como um filme de terror para buscar alguma relevância nele. Que tem momentos inspirados, é verdade, mas que se tornam pequenos quando pensamos, também, em equivalentes (de ideia ou imagem-som) nas fontes das quais ele bebe.

Filme: A Órfã (Orphan – EUA/ Canadá/ Alemanha/ França, 2009)
Direção: Jaume Collet-Serra
Elenco: Vera Farmiga, Peter Sarsgaard, Isabelle Fuhrman
Duração: 123 minutos

8mm
Inglório
Outra vez de mudança e com tempo naturalmente escasso, o texto dessa semana chega com antecedência. O que vem na contra-mão da ideia inicial, que seria atrasá-lo para poder rabiscar as primeiras sensações após a sessão de Bastardos Inglórios (2009) – de Quentin Tarantino. A sessão não muda – se tudo der certo, verei sim no sábado (17) aqui em Salvador –, mas o texto sobre ele fica pra semana que vem.

Filmes da semana:
1. Antoine e Colette (1962), de François Truffaut (curta) (***1/2)
2. Na Natureza Selvagem (2007), de Sean Penn (**1/2)
3. A Órfã (2009), de Jaume Collet-Serra (**1/2) (cinema)
4. Por um Punhado de Dólares (1964), de Sergio Leone (***1/2)
5. Por uns Dólares a Mais (1965), de Sergio Leone (***1/2)

* Coluna 70mm também publicada (excepcionalmente ontem) no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.