sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Os Mercenários*




Potencializado por verdade cruel

Se for para escolher apenas uma palavra que resuma o que Sylvester Stallone tem feito desde Rocky Balboa (2006), ela é honestidade – mas a limitação é injusta. O homem que nasceu para ser Rocky, e personificou Rambo, chega em Os Mercenários (The Expendables – EUA, 2010) a uma feliz mistura dos dois; com o adendo de que a clara dose de anacronismo não está no filme, mas nos personagens – o que torna o resultado ainda mais atraente.

Como geralmente acontecia com Rocky, tudo aqui remete a um retorno inesperado na vida real. Não só na premissa e no elenco (com ele, Schwarzenegger, Mickey Rourke e Bruce Willis em filme de ação), mas também no caso de Gunner (Lundgreen).

O Rambo são todos eles, potencializados por viverem em época marcada pelo política e irritantemente correto, que não comporta mais Rambos. Mas comporta cada vez mais gente que faz qualquer coisa por dinheiro, onde se encaixam. Essa é a impressão passada por todos eles, isso é o que eles fazem questão de dizer. No entanto, o que toca é a dignidade (latente ou não) de cada um deles, mercenários por opção.

Na conversa entre Tool (Mickey Rourke) e Barney (Stallone), este pergunta o que pode levar a filha do ditador da ilha de Vilena a não deixar o lugar. “Uma causa”, responde Tool, “nós não temos mais pelo que lutar, ela sim”. Na mesma fala, Tool conta acontecimento que, para ele, marcou a última oportunidade de salvar sua alma. Oportunidade que ele perdeu.

Ali, Rourke e Stallone se confundem com seus personagens, todos passam a representar uma geração alienada – em outra análise, a “década perdida” dos anos 80.

A década onde havia ditadura ou resquícios dela na América do Sul, ditadura que temos no filme. Este fato, todavia, é um subterfúgio, não o foco. Embora o começo na Somália pareça ligado a uma postura política atual, a preocupação de Sly com a vida real parece existir apenas (ou muito mais) para potencializar o efeito do cinema que faz.

É o que acontece quando vemos aqueles senhores de volta à pancadaria, é assim quando vemos Sly apanhar, é assim quando vemos a aparição de Schwarzenegger.

Disfarçada de picaretagem com um quê digno de antologia, assim como quase todos os diálogos (Stallone em parceria com Dave Callaham), a cena começa genial, tanto pelas imagens como pela palavra (“tinha que escolher meu maior rival?”), e termina melhor ainda com um “ele quer ser presidente”.

Nela, novamente, Sly se utiliza de um passado e de um presente de imagens e conceitos coletivos para fazer o cinema turbilhar de maneira que, se está longe de ser a mais brilhante no sentido acadêmico de filmar (o que ele abandonou), é das mais pessoais. Com o mérito maior não para caráter político (que não pode ser levado a sério), não para a decupagem das cenas de ação (ininteligíveis em momentos, competentes na maioria das inúmeras outras vezes), mas para o que ele fez com o seu cinema. Que – outra vez o final é prova disso –, além de não comportar mais emoções baratas, não se resume a uma simples egotrip. O que ele faz é um cinema, e dos bons.

Visto no UCI Multiplex Iguatemi – Salvador, agosto de 2010

8mm
Tinha escrito também um texto (para a 8mm) sobre o bom Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach, mas perdi tudo com morte do computador. Como já era quinta, e tinha perdido também o texto sobre Sly, decidi (re)escrever apenas um. Agradeço a compreensão.

Filmes dos últimos 15 dias:
1. Vincere (2009), de Marco Bellocchio (Cinema do Museu) (***)
2. Todas as Noites (2001), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
3. A Religiosa Portuguesa (2009), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
4. O Último Mestre do Ar (2010), de M. Night Shyamalan (UCI Multiplex Iguatemi Cabine de imprensa) (**1/2)
5. Labirinto de Paixões (1982), de Pedro Almodóvar (**1/2) (DVDRip)
6. O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (2009) (**1/2)
7. Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach (2004) (Cine Vivo) (***1/2)
8. Os Mercenários (2010), de Sylvester Stallone (***1/2) (UCI Multiplex Iguatemi)
Curta:
9. Doido Lelé (2010), de Ceci Alves (Sala Walter da Silveira) (**1/2)

Melhores do mês:
10. Uma Noite em 67 (2009), de Renato Terra e Ricardo Calil (Cinema da Ufba) (***)
9. Canção de Baal (2010), de Helena Ignez (Teatro Castro Alves) (***)
8. Vincere (2009), de Marco Bellocchio (Cinema do Museu) (***1/2)
7. Todas as Noites (2001), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira - DVD) (***1/2)
6. Apenas um Beijo (2004), de Ken Loach (Cine Vivo) (***1/2)
5. A Religiosa Portuguesa (2009), de Eugène Green (Sala Walter da Silveira) (***1/2)
4. Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto (2007), de Sidney Lumet (2007) (***1/2)
3. Os Mercenários (2010), de Sylvester Stallone (UCI Multiplex Iguatemi) (***1/2)
2. O Escritor Fantasma (2010), de Roman Polanski (****)
1. À Prova de Morte (2007), de Quentin Tarantino (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada em http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

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