sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Fim

Caros e caras,

Hoje, pelo menos por enquanto, paro de escrever semanalmente por aqui. Para os que não ficam feliz com a decisão, se é que existe alguém com tal pensamento, deixo claro que a ideia já flertava comigo há algum tempo. Se não é algo definitivo, também não é inconsequente.

Nesses dois anos da coluna 70mm, que começou impressa em outubro de 2008 em O Trombone, escrevi textos que me agradaram, outros nem tanto. Faz parte do ser crítico, especialmente quando a periodicidade independe da inspiração.

Outro porém é que, cada vez mais, os textos me agradavam menos. O amor pelo cinema e o amor pelas palavras se juntaram à auto-crítica e tornou decisão inevitável.

Há quase dois anos, depois de investir em e fundar projeto, deixei de lado. Sabia de seu potencial, todos do meio sabem da referência internacional que virou, mas se sinto orgulho de ter sido parte, sei que o fim foi melhor para os dois. (Falo do Olheiros.) Se tivesse continuado, o projeto não andaria tão bem, pois não teria o melhor de mim, que talvez não tivesse hoje o carinho e a afeição que tenho por quem ali foi parceiro.

O mesmo vale para hoje. Agradeço a Domingos (O Trombone) e a Davidson (Pimenta na Muqueca) pela oportunidade. Mas, vocês sabem, existem as outras atividades, os outros projetos, os outros sonhos. E em meio a tudo isso, existe o prazer e o tempo.

Com a coluna, com o que sinto escrevendo-a e relendo-a, eles estão cada vez mais escassos. Longe de ser exclusivo, não vivo sem eles. Se ler, ver e escrever são necessidades, gostar do resultado também é. O retorno dessa sensação, não tenho dúvidas, significará o retorno dos textos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Cabeça a Prêmio*



O poder da dúvida

É difícil falar de Cabeça a Prêmio (idem - 2009), estreia de Marco Ricca na direção, sem entrar no seu desenvolvimento. Para evitá-los, melhor dizer que, como gênero, vai além da competência, e ressalvas, embora pareçam claras, potencializam roteiro em resultado forte e corajoso.

São mundos diferentes de pessoas que residem ou convivem em mesma área, na zona fronteiriça de Brasil, Paraguai e Argentina. Temos um latifundiário, que não é apenas isso, temos um funcionário que não se limita à propriedade, e temos histórias que não se cruzam, mas que nascem convincentemente interligadas.

Um assassinato nos apresenta à história. Os personagens de Eduardo Moscovis e Cássio Gabus Mendes desempenham a mesma função, mas se mostram com personalidades opostas. O porém é que Marco Ricca investe em um realismo tão forte quanto convincente em todo o resto do elenco (muito bom, de Fulvio Stefanini a Alice Braga e o uruguaio Daniel Hendler). Com isso, não dá para enxergar os dois como arquétipos parte do suspense e do drama, mas figuras próximas a caricaturas em tom destoante do filme. O que se torna ainda mais visível no fim, quando reviravolta é tão inesperada quanto coerente com esse comportamento.

Mas se o desfecho – e a sequência – da cena que reúne quatro elementos, por um lado, tem esse porém, a última tomada é nada menos que brilhante, como quase todo o resto do filme.

O movimento é tenso e lento, mas justificável e compreensível. Ali, como nas outras quase duas horas de projeção, temos alguém com domínio do meio, um diretor de talento que parece estar no quarto ou quinto longa-metragem do gênero, e que ainda tem perceptível algo a dizer. Vemos o medo e a incerteza, o ódio e o sangue, da família e o escorrido. Tudo em meio a algo que, como ela, sempre teremos: a dúvida.

Visto no Espaço Unibanco/Cine Glauber Rocha – Salvador, outubro de 2010.

Ps infeliz: único filme visto na semana.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Apenas o Fim*



Um início

No fim das contas, o que mais fica de Apenas o Fim (idem – Brasil, 2008), de Matheus Souza, é a expectativa do porvir. Não só pelo fato de o diretor ter apenas 19 anos quando o fez, mas também porque o que ali existe de discutível parece ser (em visão otimista) menos um problema e mais um modo simples de fazer cinema.

São dois personagens, um homem e uma mulher (os bons Gregório Duvivier e Érika Mader), que diz estar de partida e que tem apenas uma hora para ficar com ele. Woody Allen e Domingos Oliveira, Richard Linklater e seu Antes do Pôr-do-Sol são as óbvias e principais referências ou lembranças. São, em suma, 80 minutos de um filme falado, calcado na palavra de dois personagens e de poucos coadjuvantes.

Pode-se dizer que a mise-en-scène beira o desleixo de tão minimalista, mas sua função parece ser, primeiramente, não atrapalhar o texto; pode-se ainda frisar a crítica ao alegar que ou ele não domina a linguagem, ou a relega para segundo plano.

Por outro lado, da mesma forma que o conteúdo de alguns filmes está na forma, no estilo, é lógico dizer que a relevância de sua obra está no diálogo, na escrita a mão. A palavra é o que importa, a comédia vem em seguida. E nos dois casos ele funciona, especialmente por causa do caráter nonsense, que atinge níveis estratosféricos.

São comentários sobre Backstreet Boys, Star Wars, Transformers e Godard; aranhas, terapia, He-Man, e Itabuna e sua mosquitada.

Em quase todos esses momentos, todavia, Matheus Souza deixa clara a diferença de investimento, a límpida preferência de profundidade para o homem. Ele é tão mais interessante quando fala que ela se assemelha a um subterfúgio para que ele (personagem) divague, da mesma maneira que o audiovisual fica como apenas o meio para que ele (diretor) exercite o que sabe fazer. Quando se exige uma sensibilidade mais aguçada, como no momento em que o casal chora, ele (via atores) demonstra que não transpõe a sensação, para a tela, com a mesma fluência.

Ao término, pode-se falar em exibicionismo, como também pode-se dizer que, pelo menos aqui, Matheus Souza dá sinais de ser mais esperto e inteligente que cinematográfico. Mas esse porém, pequeno, pode ser uma simples questão de (falta de) experiência. E, mesmo que não seja, seria ótimo se as falhas da média de filmes do gênero, no Brasil, fossem como as daqui.

Visto em DVDRip – Salvador, setembro de 2010.

Filmes da semana:
1. Lola Montés (1955), de Max Ophüls (DVDRip) (***)
2. Coco Chanel e Igor Stravinsky (2009), de Jan Kounen (Cinema do Museu) (***)
3. Uma Mulher é Uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (***1/2)
4. Noite de Estréia (1977), de John Cassavetes (DVDRip) (****)
Curta:
5. Os Filmes que eu não fiz (2008), de Gilberto Scarpa (Canal Brasil) (**1/2)
6. Noite de Sexta Manhã de Sábado (2006), de Kleber Mendonça Filho (Vimeo) (****)

Filmes do mês:
10. Uma Mulher é Uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard (DVDRip) (***1/2)
9. O Sol por Testemunha (1960), de René Clément (DVD) (***1/2)
8. Apenas o Fim (2008), de Matheus Souza (DVDRip) (***1/2)
7. Tudo Pode dar Certo (2009), de Woody Allen (Cinema do Museu) (***1/2)
6. Meu Nome é Sabine (2007), de Sandrine Bonnaire (Sala Walter da Silveira – DVD) (***1/2)
5. Noite de Estréia (1977), de John Cassavetes (DVDRip) (****)
4. Antes do Amanhecer (1995), de Richard Linklater (Cine Vivo – DVD) (****)
3. Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut (Sala Walter da Silveira – DVD) (****)
2. Antes do Pôr-do-sol (2004), de Richard Linklater (Cine Vivo – DVD) (****1/2)
1. Lola (1982), de Rainer Werner Fassbinder (DVD) (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.