quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Coração Selvagem



Bruto e bizarro... mas fofinho

Coração Selvagem (Wild at Heart, EUA, 1990) é excepcionalmente estranho, mas ao mesmo tempo pra lá de acessível em se tratando de David Lynch. É uma história de amor estilizada como poucas e que prova que tratar com sentimentalismo piegas não é a área de Lynch – o mais próximo que ele chegou disso foi nos excelentes O Homem Elefante (1980) e Uma História Real (1999).

Prova do toque autoral de Lynch já está em toda a primeira meia-hora de filme. Depois de uma abertura fenomenal, tem-se uma cena que dá as boas-vindas a quem esperava um filminho bem comportado. A imagem e o som são mal-educados. Falsidade, fedor, ódio, sangue (e amor!), devidamente estilizados, transbordam pela tela.

Até os seus primeiros 20, 30 minutos, Coração Selvagem exala uma energia extraterrena. Lynch consegue isso através de uma improvável mistura de heavy metal com rockabilly e romantismo de duas pessoas apaixonadas pelos três. Ele traz ao filme uma dupla (Sailor Ripley e Lula Fortune – Nicolas Cage e Laura Dern) com identidade seqüelada e improvável, mas que consegue convencer.

Daí em diante, o filme dá uma diminuída na energia e no ritmo, mas não no estado onírico e surreal das imagens. Lynch trata de uma espécie de glamourização do fogo, ultra estilizado e com uma beleza só vista por mim em algo semelhante na abertura e em alguns momentos de Apocalypse Now (1979).

Ponderado o fato de que o tipo de história e ela em si podam as excentricidades de Lynch, o “czar do bizarro” usa-as como pode nos personagens. Marieta Fortune (Diane Ladd, que concorreu ao Oscar pelo papel), mãe de Lula (Dern, ótima como sempre), está impagável e assustadora com sua obsessão por laranja e a mente doentia. Mente doentia também dos não menos bizarros Bobby Peru (Willem Dafoe) e o primo Dell (Crispin Glover) com suas baratas. O bizarro com humor dodói.

Ainda assim, o filme é, no começo e no fim das contas, uma história de amor (com toques de Road Movie) e que tem em Lynch o diretor ideal para contá-la da maneira mais estranha possível, o que é ótimo para quebrar a mesmice dos filmes do gênero.
O único porém (relevável) talvez seja a cerca de cinco ou dez minutos do fim, quando um do dois toma uma atitude que contradiz tudo o que eles demonstraram pensar até ali – o que é bem difícil de engolir. Na seqüência, depois de algo até mais esperado, o incoerente dos dois volta a ficar minimamente lúcido e o filme chega ao seu final. Final, o de fato, segundos antes de começarem a subir os créditos, esse sim espetacular e apaixonante.

O deslize, se por um lado muito fake, é compreensível por potencializar o final subseqüente - que talvez não precisasse disso. Mas, com relevação do "problema" ou não, o todo do filme ainda é um deleite de imagens, de sons, de originalidade e de uma bizarrice muito bem vindas.

Visto em DVD – 6 de janeiro de 2008