quinta-feira, 1 de maio de 2014

Companhias


A Garota de Lugar Nenhum (La Fille de Nulle Part, FRA, 2012) é um filme do menos, especialmente dentro da filmografia recente de Jean-Claude Brisseau.

Não só pelo erotismo, regra e ponto de partida de Coisas Secretas (2002), Anjos Exterminadores (2006) e À Aventura (2008), mas porque o filme foi rodado no apartamento de um Brisseau que também atua, tem na protagonista (Dora, interpretada por Virginie Legeay) a assistente de direção, e na montadora alguém que fez parte produção e foi responsável pelo figurino.

Não temos o tom épico no clímax de Coisas Secretas, não temos tantas mulheres sensuais como em Anjos Exterminadores, e o minimalismo consegue ser maior que o de À Aventura – talvez também por motivos financeiros, embora isso pouco reverbere no filme.

Verdade que em uma vez ou outra a decupagem não vem tão precisa como costuma ser, e que parte de final é desencadeada por acontecimento cuja (falta de) fluência pode ser questionada, mas estamos diante de um personagem único na filmografia de Brisseau.

Numa entrega semelhante à de Anjos Exterminadores, cujo resultado dá todos os indícios de ser sua versão da história que culminou em sua prisão por assédio sexual a atrizes que estiveram na pré-produção de Coisas Secretas, ele interpreta um professor bem mais velho diante de uma jovem que ele encontra sendo agredida por namorado, em início e premissa que se assemelham com Boda Branca (1989). O adendo que desencadeia as diferenças é que Brisseau e personagem envelheceram.

Apesar de em um momento desafiar a jovem nesse sentido, a libido está menor e, no caso específico do Michel, ele ainda tem o luto eterno pela morte de sua esposa há 29 anos. É um homem só, velho, sem esposa e sem filhos. Nessas circunstâncias, Brisseau volta a focar o erotismo e o fantástico, o corpo e o sobrenatural, com maestria de costume, apesar de limitada financeiramente.

Numa época em que Steve McQueen tem seu lado pintor lembrado em meio ao alvoroço de 12 Anos de Escravidão, são os planos de Brisseau que, entrecortados por respiros que estão longe do desleixo, parecem muito mais pintura, sem deixar de ser cinema.

Assim como seu personagem já descrente de quase tudo, Brisseau ainda acredita na imagem ou, mais especificamente no caso de personagem e diretor, em um tipo de imagem. Viva ou não, ela é real  e está na tela ou diante dos olhos dele. Michel e Brisseau acreditam na potência dela, no que ela pode emanar. Porque para Michel e para Brisseau, a imagem é força e companhia.

* Texto também publicado no http://cinematotal.com/la.