sábado, 29 de agosto de 2009

Eu te Amo, Cara*



O diferente potencializado

Eu te Amo, Cara (I Love You, Man – EUA, 2009), de John Hamburg (Quero Ficar com Polly), é o tipo de filme cujo diferencial positivo é potencializado pelo tipo de gênero inserido, e cujos defeitos são esquecíveis quando relativizados. Ou seja, ele é uma interessante anomalia dentro de uma gigantesca massa amorfa, mas também é parte integrante de um grupo de geralmente felizes exceções: as relacionadas a Judd Apatow (Superbad, Ligeiramente Grávidos, O Virgem de 40 anos), influência clara mesmo sem ligação direta com o filme.

Em Eu te Amo, Cara, o humor não é daqueles que busca te amarrar a uma camisa de força enquanto faz cócegas, mas do que se limita a uma discreta sugestão, uma piscadela – até porque a tentativa de ser mais direto é geralmente constrangedora. Aliada a uma espalhafatosa construção de personagens, essa mistura chama a atenção menos pela incompatibilidade do que pelo tom heterogêneo, distinto dentro do modelo de filme a que ele conceitualmente pertence.

No que tange as mulheres, embora elas não passem de fêmeas tolas e chatas, desde o começo já somos informados de que elas só fazem falar e nada dizer de pessoal – além de, no caso específico da “noiva”, ela nem conhecer a banda Rush –, o que pelo menos evita a decepção. Essa quase indiferença com relação ao sexo oposto só reforça um curioso olhar masculino que, se está longe de ser “másculo”, não é puramente gay. É um olhar que, além de fechado e ligado ao mundo do mesmo sexo, é sincero e, o mais importante, com um poder de mostrar um tipo de relacionamento cuja força pode ser sentida. Percebemos a afinidade, a química; acompanhamos a soma, não nos limitamos a ver o resultado.

Essa relação dentro de Eu te Amo, Cara, embora não tão brilhante, pode ser vista como uma hipotética versão de Encontros e Desencontros – de Sofia Coppola – idealizado por Judd Apatow e com um toque gay. Quando sobem os créditos, com um gosto de déjà vu temperado por uma bem vinda ironia, fica claro que a ligação maior é com o segundo. O que, se por um lado “diminui” o filme por sua forma estar próximo a uma fórmula, bom lembrar que, dentro de uma classe mais ampla – do tipo comédia-romântica-exportação-para-Multiplexes –, ele é um bastardo que se sobressai com louvor.

Filme: Eu te Amo, Cara (I Love You, Man – EUA, 2009)
Direção: John Hamburg
Duração: 105 minutos
Elenco: Paul Rudd, Rashilda Jones, Jason Segel, Sarah Burns.

8mm
Absurdo
Sidney Fife (personagem) e Jason Segel (de Ligeiramente Grávidos) são uma das maiores combinações de espontaneidade e carisma num tempo recente do cinemão comercial americano. Ponto.

Halloween
Assistir a Halloween (2007), de Rob Zombie, só potencializou meu desejo de gritar: “deixem o filme quieto”. O adendo é que, se no início a vontade era um pré-conceito baseado na ótima versão original (1978) de John Carpenter, depois ela ganhou coro pelo que fizeram com o coitado do Zombie.
A versão que assistimos não foi editada, e sim decepada – a edição brasileira tem apenas 83 minutos, contra 109 da versão já reeditada nos EUA (a original tinha 121). O “medo” da violência explícita levou a distribuidora a cortar novamente o filme, que tem algumas memoráveis quebras de ritmo – e de nexo. Que os distribuidores podem defender como elipses. É triste.
Seja como for, parece ter sido um castigo: mexeram no que não devia, de alguém que mexeu onde não devia. E embora exista algo de interessante nesse Halloween (alguma tensão, a máscara), ele definitivamente não ficou bom. E, no caso do Brasil, Zombie tem um álibi pra justificá-lo. Uma pena – nos dois casos.

Filmes da semana:
1. Halloween (2007), de Rob Zombie (cinema)
2. Born Into This (2003), de John Dullaghan
3. Nome Próprio (2007), de Murilo Salles
4. O Pagamento Final (1993), de Brian de Palma
5. Kafka (1991), de Steven Soderbergh
6. Eu te Amo, Cara (2009), de John Hamburg
7. Kill Bill Vol. 1 (2003), de Quentin Tarantino

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 22 de agosto de 2009

Che: o Argentino*



Entre extremos de mais do mesmo

Na maior parte do tempo de Che: o Argentino (Che: Part One – França/ Espanha/ EUA, 2008), me perguntei o que Steven Soderbergh (Traffic, Erin Brockovich, trilogia dos Homens e do Segredo) realmente queria dizer com seu filme. Ele passa a impressão de não se justificar além do tema e do biografado, já explorado, idolatrado e odiado o suficiente para se pensar algumas vezes antes de trazê-lo com certa fidelidade à tona (e à tela) sem cair no clichê. O que invariavelmente acontece em vários momentos – alguns propositais, imagino –, e o que tenta ser compensado por um pouco usual afastamento de um tom passional de Che, cujos escritos serviram de base o roteiro.

Para se ter uma ideia melhor, assim como Benício del Toro não lembra em nada Gael García Bernal, o Ernesto Guevara de Walter Salles parece menos ainda com esse aqui. Se em Diários de Motocicleta temos um retrato bonito e assaz generoso de Che, Soderbergh nos mostra o argentino-cubano com um excesso de sobriedade que atinge a apatia.

Os enquadramentos são abertos, e não me lembro de nenhum plano x contra-plano: o que predomina é o ambiente e um grupo. Se essa escolha visual pode ser vista como parte de uma vertente de um pensamento coletivista (o que a torna funcional, embora um tanto óbvia), ela também pode ser tida como, até certo ponto, um pouco desumanizadora – o que, de tão gritante, deve ter sido não só proposital como prioridade da direção/edição. Soderbergh não apenas foge de closes pornográficos, mas leva essa fuga a um grau extremo que beira a indiferença com seu personagem – e tudo que o cerca.

A questão aqui não é pedir por um maniqueísmo nem implorar por um cinema humano, mas sim de esperar uma razão que justifique outro filme sobre Che que trate de tanta coisa já tratada e com uma objetividade que beira um ideal de jornalismo – o que, no cinema e como foi mostrado, é um bocado enfadonho.

Verdade que toda essa distância, aliada a uma convincente atuação de Benício Del Toro, passa uma forte impressão documental. A música, por exemplo, surge apenas em momentos que o filme toma um rumo de gênero (policial, guerra) e vem sempre ligada a uma tensão.

Com sua versão de Che, Soderbergh parece agir – longe de dizer se “certo ou errado” – exatamente como essa trilha sonora no seu filme. Um toque autoral pouco aparece, e, quando o faz, não é para chamar a atenção para si ou se sobressair como algo realmente diferenciado, mas sim para tentar “apenas” potencializar um tipo pré-concebido e já pisoteado de gênero (aqui a biografia de alguém mega conhecido). O resultado é um filme que, apesar de levemente distinto pelo enfoque coletivo-documental, deixa a impressão de uma ciência de seu tom monótono e didático, por acreditar que o retrato e a história, por si só, têm força suficiente para alcançar um saldo positivo. O Che – o filme – de Soderbergh parece calculado para e satisfeito com tudo isso.

Ps: O encaixe assassinato/palmas/discurso é interessante. Pena que pouca coisa além dele.

Filme: Che: o Argentino (Che: Part One – França/ Espanha/ EUA, 2008),
Direção: Steven Soderbergh
Elenco: Benicio del Toro, Demián Bichir, Vladimir Cruz, Rodrigo Santoro.
Duração: 130 minutos

8mm
1963

Embora obviamente não tenha visto todos os filmes com trilha sonora de sua autoria (incluindo os para a TV, o www.imdb.com lista 345), é difícil imaginar algo tão sublime de Georges Delerue (cinco vezes indicado ao Oscar – ganhou uma) como o “Theme de Camille”, que ele fez para O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard. A música Scorsese reutilizou em seu Cassino (1995), e o filme* – há coisa de uns três anos – ele citou como a maior fotografia não-americana na história do cinema. Nada mal.

* Se eu não estiver maluco. Se estiver, erro na data e/ou na posição, mas não no filme: O Desprezo estava nessa lista de Scorsese de fotografias no cinema.

Filmes da semana:
1. O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard
2. Apocalipse Now Redux (1979), de Francis Ford Coppola
3. Platoon (1986), de Oliver Stone
4. Che: o Argentino (2008), de Steve Soderbergh
5. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 15 de agosto de 2009

A Noite Americana*



O sentido no sentimento

Gostar de cinema e de A Noite Americana (La Nuit Américaine – França/ Itália, 1973), de François Truffaut, não é uma obrigação, logicamente, mas ser apaixonado por ambos e tentar escrever sobre o segundo é um convite à pieguice. É correr o risco do excesso de condescendência, do deixar-se levar, do desvio não só da crítica como até de um tipo de auto-crítica. É, definitivamente, um perigo. E dos mais prazerosos.

A Noite Americana não é apenas um exemplo de “mentira organizada” – numa expressão do próprio Truffaut –, um filme sobre o cinema ou sobre o fazer cinema, mas sim sobre amor e paixão de e entre seres humanos. O que ninguém melhor que Truffaut sabia expressar no cinema, e o que ele fazia de uma maneira absurdamente delicada. A cada cena, ele parece nos dizer que as verdadeiras e mais convincentes expressões de afeto (sejam a o que for) residem não apenas nos detalhes como na capacidade de transformá-las em uma coisa relativa ao jeito pessoal de cada um – no jeito autoral de cada um ser, e não apenas de fazer cinema.

Ele não diz, por exemplo, “eu amo o cinema”, mas questiona – via seu (aqui talvez nem tanto) alter-ego Jean-Pierre Léaud – à namorada: “existem 37 cinemas na cidade e você está preocupada em comer?”. A poesia dessa e de outras frases referentes ao amor pelo cinema (e, em outros casos, pelas mulheres) remetem imediatamente à pessoa de Truffaut, impossível de ser observado (ainda mais em cena) sem ter lembrada sua obra, seus escritos e sua vida, dedicada principalmente ao fascínio das coisas que davam sentido à sua vida.

Em A Noite Americana, percebe-se um sentimento genuinamente sem fim, que escorre de uma maneira deliciosa e segura – em cada coisa trivial (ou nem tanto) que acontece no cinema; ou seja, com pessoas. Você assiste à entrega de todos a algo (de um filme a um impulso talvez inexplicável – mas nem por isso julgado), e tem a certeza de que pode fazer o mesmo, pela tela – sem medo ou culpa alguma. Como se tudo isso fosse insuficiente, uma revisão deixa muito mais límpida uma boa dose de humor. Difícil não se imaginar dependente.

Filme: A Noite Americana (La Nuit Américaine)
Direção: François Truffaut
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Jacqueline Bisset, François Truffaut, Valentina Cortese.
Duração: 116 minutos.

Filmes da semana:
1. A Noite Americana (1973), de François Truffaut
2. Valsa com Bashir (2008), de Ari Folman
3. Underground (1995), de Emir Kusturica
4. O Pequeno Caos (1966), de Rainer Werner Fassbinder (curta)
5. O Grande Lebowski (1998), de Joel e Ethan Coen
6. O Poderoso Chefão: Parte 3 (1990), de Francis Ford Coppola

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Trabalho de ressaca*

Afonso e Fernando estão no final da pausa para o almoço, já de volta ao trabalho. Enquanto esperam pelo relógio, Afonso divaga sobre o seu namoro com Júlia, cujos créditos finais são acompanhados de uma melancólica trilha sonora em sua cabeça perturbada.
- Cara, fale a verdade. Eu tenho cara de otário?
- Não. Você tem cara de ressaca – crava Fernando.
- Tô falando sério, porra!
- Eu também. Na verdade, diria que sua cara é de vômito, mas fui delicado, já que você tá na fossa. A gente já dividiu apartamento, não me faça lembrar de suas manhãs de domingo, por favor.
- Assim você não ajuda em nada – lamenta Afonso.
- Quem não ajuda é você, que namorava a versão da atriz certa no filme errado. Júlia parece Penélope Cruz, ponto. O problema é que você pensava naquele doce tragicômico de Volver, sem nem desconfiar que ela estava mais para Jamón, Jamón.
- Não tem nada disso.
- A diferença é só que não teve Javier Bardem.
- Não, a diferença é que eu quis dar uma de Kubrick com ela.
- Ai, meu Deus, qual a blasfêmia da vez?
- Kubrick chegou a filmar mais de 100 vezes a mesma cena. Nosso namoro terminou 100 vezes antes de eu perceber.
- Mentira. Você percebia, porque ela falava, lentamente, em voz alta e em tom fonoaudiólogo – “acabou”.
- Não. Ela dizia assim – “não dá mais”.
- E literalmente nem dava mais. Você mesmo dizia que o sexo com ela não era grande coisa.
- O sexo da gente era como o Brasil. Com potencial para ser uma potência, mas sem potência para chegar nesse potencial.
- Você broxou, foi?
- Não, imbecil. Falo assim porque não era bom como poderia ser. Antes imaginava e pressentia, e depois comecei a perceber, que seria ótimo foder com ela. Digo, vamos falar foder mesmo, sem delongas. Mas o foder nunca foi tão bom nem com a freqüência que imaginava. E não necessariamente por culpa dela. Ou minha.
- Por culpa de Kubrick, na certa.
- Tem muito tempo que não vejo filme dele, que ficou enciumado e me castigou.
- Quem vai ficar enciumado é Alexandre, com essa sua indiscrição para flertar com Liliane.
- Sério? Tô como Al Pacino com Michelle Pfeifer em Scarface?
- Não. Comparado a você, Tony Montana é um lord.
- Ah, você tá de brincadeira, não tá?!
- Tô, mas você precisa tomar cuidado. Tá todo mundo junto aqui, trabalhando sério, o clima pode ficar chato.
- Ninguém mandou os dois escolherem a mesma profissão. E, convenhamos, ele é meio estúpido, além de quase feio. Ela é bacana demais pra ele.
- Gosto da palavra bacana. É simples e bonita sem ser ordinária. Igual a Liliane, que ainda é inteligente. Olhando outro lado positivo da coisa, rola mais afinidade entre vocês dois do que rolava entre você e Júlia.
- É verdade... mas não tô pensando em nenhuma das duas.
- Tá pensando em quê?
- Tô fazendo uma ligação entre o primeiro filme de Tarantino e minha relação com elas duas... e, acho, com a maioria das mulheres em geral – ou com as que me interessam, pelo menos.
- Que é que tem a ver Cães de Aluguel com elas?
- Não, não falo de Cães de Aluguel, falo do My Best Friend’s Birthday, de 1987.
- Não sabia desse dele. Mas o que é que tem nele, e o que é que ele tem a ver com Júlia e Liliane?
- É um média, que tinha pouco mais de uma hora, até um incêndio queimar o rolo final logo depois de pronto. Ficaram só pedaços, que obviamente não servem pra nada. Ou seja, o primeiro, e sempre inesquecível filho dele, simplesmente escafedeu-se. Como acontece com as mulheres e tudo de sua vida, mas como não deve ser com os filmes.
- É um jeito de se olhar – pondera Fernando.
- O outro é pensar em como ele está hoje.
- Você não tem como saber como Tarantino está.
- Sei como estão os filmes dele, é o que importa.
- Faz sentido.
Afonso olha o relógio.
- ... já tá na hora de a gente voltar também. Qual a cena de agora?
- A do jantar entre Liliane e Alexandre – diz Fernando.
- Isso. Você já conferiu a luz?! Já, já... Vamos chamar o resto do pessoal para a gente recomeçar, beleza?!
- Tá ok...
Os dois saem. Oito minutos depois, recomeçam as filmagens. Que acabam no dia seguinte. A partir de quando Afonso volta a cultivar a mesma cara de ressaca. E a ansiar por outro dia de trabalho.

Nice americana
As adaptações de hoje são de Julie (Jacqueline Bisset), Alphonse (Jean-Pierre Léaud) e Ferrand (François Truffaut) – com fidelidade a Alexandre (Jean-Pierre Aumont) e Liliane (Dani). Eles estão na prova de amor que é Noite Americana (1973), do próprio Truffaut. Que amava as mulheres e o cinema – e que faz uma falta danada.

Espanha e EUA
É bom conseguir encaixar, no texto, somente filmes que gosto. Desde os diferentes tipos de breguice de Jamón, Jamón (1992, de Bigas Luna) e Scarface (1983, de Brian de Palma) até Cães de Aluguel (1992, de Quentin Tarantino) e Volver (2006, de Pedro Almodóvar) – os responsáveis pelos dois últimos, para mim, estão entre os maiores vivos. Que assim continue(m).

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição (também impressa) de agosto do jornal Direitos http://www.jornaldireitos.com.br/.

sábado, 8 de agosto de 2009

Milk - A Voz da Igualdade*



Na dose certa

Milk – A Voz da Igualdade (idem – EUA, 2008), de Gus Van Sant (Gênio Indomável, Elefante, Últimos Dias), é um filme que bebe demais de um classicismo (para alguns, preguiça) se ponderado quem é e o que poderia fazer seu diretor. Para tentar detratá-lo, basta abusar de termos que, entre outras coisas, vão de “acadêmico” e “didático” a “institucional”. Mas, além de todas esses pontos – realmente carregados por ele – vejo Milk como um exemplo do poder da ficção.

Já existe um documentário oscarizado sobre Harvey Milk (algumas imagens são usadas aqui), a história é conhecida, e sabemos (ou deduzimos facilmente) como o filme vai acabar. A narrativa é simples, a narração é apenas disfarçada, os paradeiros são explicados. O melhor ponto de filme, contudo, me parece o de conseguir dar uma vida real à cidade, à época e aos personagens, com um ponto de vista definido sem se tornar um panfleto incômodo.

Mais do que militância e altruísmo, o filme (e o Milk ficcional como vemos) é paixão e intensidade, bem calculadas por Van Sant, e com um elenco excelente. Sean Penn consegue demonstrar a mesma entrega extra-terrena de Sobre Meninos e Lobos, por exemplo, mas de uma maneira diferente, e não menos convincente. De resto, basta dizer que o mais fraco talvez seja o ainda assim muito bom Diego Luna.

Milk pode ser visto como uma prova da força de se explorar o talento de quem tem – ainda que mostrando mais do mesmo –, com autoralidade. Que não precisa ser necessariamente sempre ligada a maneirismos, mas também à capacidade de se falar de forma convincente sobre um universo próprio e conhecido pelo seu realizador – que, mais do que saber do que fala, sabe como falar. Com uma vitalidade que potencializa a base do roteiro e o uso (e abuso) de recursos esperados. O resultado é simples, dedicado e delicado. Não é fácil chegar a tanto.

Filme: Milk – A Voz da Igualdade (idem – EUA, 2008)
Direção: Gus Van Sant
Elenco: Sean Penn, James Franco, Emile Hirsch, Diego Luna, Josh Brolin.
Duração: 128 minutos

Filmes da semana:
1. Suspiria (1977), de Dario Argento
2. Últimos Dias (2005), de Gus Van Sant
3. Milk (2008), de Gus Van Sant
4. Sonata de Outono (1978), de Ingmar Bergman
5. Hair (1979), de Milos Forman
6. A Sombra de uma Dúvida (1943), de Alfred Hitchcock

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

sábado, 1 de agosto de 2009

Jackie Brown*



Sobriedade com talento e estilo

Se lembrarmos de Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994) na abertura de Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino, (como foi na época de seu lançamento) tem-se a impressão de um diretor cuja prioridade é demonstrar sua cinefilia e impor um estilo. Impressão que, com o passar do filme, engana – e esse enganar, propositadamente ou não, só ajuda. Rever Jackie Brown significa ficar estupefato com a forma que ele consegue juntar, ao mesmo tempo, sobriedade, estilo e domínio técnico. O que não me parece apenas o caso de um talento absurdo, mas também de sensatez – ou até de humildade.

Em 1997, alguém poderia vir com uma ideia de se filmar um ator decadente e uma atriz desconhecida conversando, entre outras coisas, sobre futebol e o retorno de aeronautas depois de uma temporada de muito LSD na China – com uma linha narrativa loucamente heterodoxa e pretensiosa. Qualquer estúdio toparia, é claro, desde que a ideia fosse de Tarantino. Que foi na contramão. Com todo o aval possível, ele escolheu um projeto que, 12 anos depois, ainda é claramente aquele com menor estilização visual e narrativa mais clássica, apesar do final extraordinariamente sobre pontos de vista – e que sublinha a força do cinema.

Na sua única adaptação literária, muito do mérito do excelente roteiro talvez venha do texto original (de Elmore Leonard) – salientando o talvez, já que não o li –, mas Tarantino, que o adaptou sozinho para a tela, consegue fazer Jackie Brown funcionar, do início ao fim, como um filme: essa coisa de imagens em movimento (e sons) que faltam a muitas adaptações excessivamente fiéis – ou preguiçosas.

As atuações encontram o balanço ideal entre maneirismo e naturalidade, de Pam Grier a Michael Keaton, passando por Robert De Niro e Bridget Fonda. As citações, como de costume, chegam com a fluência de quem parece achar inevitável filmar cenas já escritas (algumas consagradas) por outros, mas que também tem a capacidade de torná-las não só essenciais para o seu filme, como dotadas de potência suficiente para serem mais que pura referência. Se em Kill Bill, por exemplo, ele foi da obviedade samurai até a A História de Adèle H, de Truffaut, em Jackie Brown ele vai da esperada – e bem específica – blaxploitation dos anos 70 até A Primeira Noite de um Homem, de Mike Nichols.

Por estes motivos, é possível que Jackie Brown seja a maior prova que o amor de Tarantino pelo cinema e pelo fazer cinema é sólido e equilibrado o bastante para ele saber a hora de, ao invés de reforçar ainda mais sua assinatura, deixar a obra andar sozinha. Numa estrada que ele próprio ajudou a percorrer, logicamente, mas que nem sempre precisa sinalizar.

Filme: Jackie Brown (idem – EUA, 1997)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Pam Grier, Robert de Niro, Samuel L. Jackson, Bridget Fonda, Michael Keaton, Robert Forster
Duração: 154 minutos

8mm
Eu vi

Para não dizer que nem citei, enfim assisti a essa coisa que é A Mulher Invisível. Embora não seja bom (me surpreendi com gargalhada em massa em torno do óbvio), e beire o muito ruim, não achei desprezível. Apesar de, nessas linhas, já ter falado até demais sobre ele.

Top-10 julho
Só quando fui fazer essa segunda retrospectiva é que percebi a quantidade de filmes interessantes que vi no mês, o que complicou a escolha. Mas, como dez não são 13, lá vão.

Melhores filmes de julho:
10. Vício Frenético (1992), de Abel Ferrara
9. Fanny e Alexander (1982), de Ingmar Bergman
8. Vida cigana (1988), de Emir Kusturica
7. A Ascensão (1976), de Larisa Sheptiko
6. O Hospedeiro (2006), de Bong Joon-ho
5. Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut
4. Lolita (1962), de Stanley Kubrick
3. Tiresia (2003), de Bertrand Bonello
2. Short Cuts – Cenas da Vida (1993), de Robert Altman
1. Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino

Filmes da semana:
1. A Fronteira do Amanhecer (2008), de Philippe Garrel
2. Short Cuts – Cenas da Vida (1993), de Robert Altman
3. Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino
4. Girlfight (2000), de Karyn Kusama
5. A Mulher Invisível (2009), de Cláudio Torres (cinema)
* Coluna publicada também no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.