terça-feira, 19 de abril de 2011

A perseguição



Falando de lacunas, enfim assisti a Bullitt (1968), de Peter Yates, clássico caso do “filme de ação que não se faz mais”, e o como expoente disso temos o ritmo cadenciado mas seco, aliado à longa e tão falada perseguição pelas ladeiras e ruas estreitas de San Francisco – top-3 em lista pessoal, fácil. Nestes pouco mais de 10 minutos, percebemos (outra vez) não só como a cidade nasceu para ser filmada, como me parece inevitável lembrar da perseguição no fim de À Prova de Morte (2007) – que me veio à mente mais aqui que em Corrida contra o Destino (1971) e 60 Segundos (1974), citações diretas e explícitas do filme de Tarantino.

Se quase 40 anos depois de Bullitt Zöe Bell deixou de ser a dublê de Uma Thurman para interpretar uma dublê e causar calafrios na plateia com receio por sua saúde, aqui Steve Mcqueen (auxiliado por Peter Yates, logicamente), famoso por recusar substituto, por vezes nos faz acreditar que ele mesmo faz todas aquelas estripulias. Por mais que boa parte delas tenham sido obra de Loren Janes (um dos únicos sobreviventes da equipe do filme, ao lado da sempre linda – e aqui pouco além disso – Jacqueline Bisset), planos longos e outros próximos aumentam verossimilhança.

Ao comentar com meu pai sobre, ele (que gosta do filme) perguntou se eu não tinha ficado com dor de cabeça em meio a tantas ladeiras. Deveria dizer que sou da geração dos diretores que dirigem muito mais na montagem, e que acham que a melhor montagem é a que mais corta.

De volta ao filme, a sequência do aeroporto me lembrou Fogo contra Fogo (1995), embora em Bullit ela pareça ainda mais perigosa, e tão impossível de se repetir quanto no filme de Michael Mann, pelo que me lembro das atuais restrições dos aeroportos americanos. (Vi em algum extra?)

No resto do filme, o simples e o banal se misturam em direção correta, mas que pode soar preguiçosa, especialmente para um misto de ação e policial.

No entanto, para ficar apenas em exemplos recentes de filmes que adoro, é bom lembrar que perseguições em San Francisco não começaram em Instinto Selvagem (1992), e que pegas com duração de dois dígitos de minutos não começaram em À Prova de Morte.

Para quem quiser ver ou rever a sequência, aqui vai: http://www.youtube.com/watch?v=GMc2RdFuOxI&fmt=18.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

May



Dia desses Gorebahia me indicou May (idem – EUA, 2002), longa de estreia de Lucky Mckee, que me soou como uma talentosa esperança não apenas para o terror gore, mas para o gênero de uma maneira mais ampla. Primeiro porque Mckee tem algo para dizer além do puro exercício de direção e virtuosismo, e depois porque demonstra algum tino para comédia fora do mais óbvio padrão dela - seja lá o que isso signifique.

Para começar, pedaços de boneca a despencarem sobre fundo preto ao som de trilha que, sem passar a impressão de querer parecer, pode lembrar O Bebê de Rosemary (1968), mesclados com estilizada (e mais tarde “justificável”) apresentação de créditos. Eis aí uma apresentação de respeito, que é completada quando conhecemos a pequenina May, cujo "olho preguiçoso" leva-a a usar um tapa-olho que não facilita o relacionamento com os colegas.

A partir do primeiro momento em que vemos May adulta, até o final do filme, vivemos então uma jornada de terror, solidão e um perfeccionismo singular, para dizer o mínimo.

De incômodo, vem boa parte gore, que flerta com o realismo em quantidade e tempo o suficiente para me incomodar a vista, mas aí vem uma questão bem pessoal – há quem se contorça em Irrersível e Kill Bill, que me descem sem problema, ainda que com abordagens e propósitos distintos. Outro lado negativo é o relativo tempo gasto para solucionar algumas cenas que me pareceram longas demais, especialmente quando comparadas às melhores do filme. Além das já citadas apresentações de May criança e adulta, filme funciona com humor doente, e sacadas para momentos mais violentos são brilhantes, da “mão no rosto” até as “pernas bonitas” – para evitar spoiler.

Duas coisas, no entanto, me chamaram mais a atenção (spoiler). Primeiro perceber que o perfeito encaixe do final não soou como uma obsessão do roteiro, mas como um ponto de partida que resultou em história que soube prender e disfarçar enquanto possível. Já o último movimento do filme, mais do que uma suposta concessão feliz (além de violenta, cena me soa triste), não é apenas uma defesa da ficção, o que gêneros invariavelmente tendem a fazer, mas uma defesa da companhia da ficção – o que não é apenas louvável, como difícil de ser mostrado de maneira tão convincente.

Ps: Sobre filmes de março, tristeza maior é a distância de Salvador, o que leva a uma inevitável ausência do cinema. Isso à parte, curioso como Recife Frio (2009) me soou muito melhor na tela grande, mesmo sendo a princípio tão minimalista, do humor à ficção científica. Já Armadilha do Destino (1966), uma das lacunas de Polanski, me fez “torcer”, apesar do excelente Donald Pleasence, quase todo o momento por um close em Françoise Dorleac, para novamente perguntar: por que você morreu, hein?!

Filmes de março:
13. Um Sonho de Liberdade (1994), de Frank Darabont (DVD) (**1/2)
12. A Loja da Esquina (1940), de Ernst Lubitsch (DVDRip) (**1/2)
11. Trovão Tropical (2008), de Ben Stiller (DVD) (***)
10. Os Infiltrados (2006), de Martin Scorsese (DVD) (***)
9. À ma soeur (2001), de Catherine Breillat (DVDRip) (***)
8. Gangues de Nova York (2002), de Martin Scorsese (DVD) (***)
7. Os Matadores (1997), de Beto Brant (DVDRip) (***)
6. Senhores do Crime (2007), de David Cronenberg (DVD) (***1/2)
5. Armadilha do Destino (1966), de Roman Polanski (DVDRip) (***1/2)
4. May (2002), de Lucky Mckee (DVDRip) (***1/2)
3. Tropa de Elite 2 (2010), de José Padilha (DVD) (****)
2. Recife Frio (2009), de Kleber Mendonça Filho (DVD) (curta) (****)
1. No Tempo das Diligências (1939), de John Ford (DVDRip) (hc)