sábado, 26 de maio de 2012

Colhões e entranhas

Começo hoje a escrever, mensalmente, para a revista Clitoris, de Camila Fraga. É uma revista de literatura cujo foco não é a grife nem a pose, o que me agrada. Estreia foi originalmente publicada aqui.

Guerra Civil Espanhola. Num circo, crianças se divertem, mas com ressalvas. Aos poucos, a gargalhada vira um canto de boca e fica menor que a tensão. O som ao redor não ameniza. Pressentimos uma desgraça.

Aparece um grupo uniformizado que não está de bom humor, nem quer ninguém assim. Um palhaço tenta dialogar, sabe que corre risco de vida. Seu colega nem tanto. A caricatura do militar reage. “Seu amigo tem colhões. (...) Mas só com colhões, não se ganha uma guerra”. Tensão descamba para violência. Livre arbítrio e princípios são artigos de luxo. Um menino vê seu pai levado, contra a vontade. Entram os créditos, acompanhados de uma trilha sonora que só potencializa impressão de um porvir com muita agressividade e pouca gentileza.

No resto da projeção, Balada do Amor e do Ódio (Balada Triste de Trompeta, 2010), de Álex de la Iglesia, confirma tudo que apresenta. Imagens e sentimentos sem firulas. Dor, medo, ódio, vingança, nada vem acompanhado de um “por favor”. Temos guerra, morte, opressão, um trauma que reverbera. E temos o que só uma feliz tradução infiel poderia adiantar.

Dois palhaços, uma mulher. Eles têm personalidades distintas, o essencial para a trama. Ela é uma mulher estupenda, a inspiração pro pecado bíblico, quem cede e faz ceder sem esforço. Com os três, o amor e o ódio são carnais, o desejo é maior que qualquer escrúpulo. Acompanhado de vingança, do sentimento de posse, de ciúme, pouco importa. O que importa é a satisfação dos impulsos.

Os efeitos especiais em um acidente histórico chegam a ser toscos, nem tudo chega espetacularmente filmado, mas tudo chega com vontade, com tesão.

A apresentação de Natalia, sua dança no Kojak, a primeira conversa entre Sergio e Javier, as cenas de sexo. Elas são parte de uma abordagem que foca o primitivo. Não interessa a versão celestial de cada um. Como bem diz Javier, “a morte une as pessoas”.

Aqui, é o terreno que impera e um não enxerga o outro como semelhante, mas como rival. Minutos antes do desfecho, uma cena espetacular reúne o desespero e um monumento espanhol, em deleite de beleza e angústia. Nela e nas últimas duas expressões que vemos, a motivação vem dos colhões, em forma de coragem e de libido. A sensibilidade e a dor vêm das entranhas. Como todo o filme.

sábado, 19 de maio de 2012

Dor e delícia maiores que gueto*


Paraísos Artificiais (Brasil, 2012), estreia de Marcos Padro (Estamira) na ficção, não me parece um filme sobre raves, sobre drogas, ou sobre drogas na juventude, mas um belo retrato de sentimentos, que não se limitam àquele gueto.

A música e o mundo das raves são um universo formado por pessoas que, como em qualquer outro, sentem prazer e dor. Nem todo mérito nem toda culpa é do que eles tomam. Entre Amsterdã, o nordeste e o Rio, vemos ácido e ecstasy, fogo e búfalos, nudez e sexo; mas vemos também apego, desejo, decepções e arrependimentos.

Vemos sentimentos porque Prado investe no visual como o meio para transmiti-los, no que corre o risco de usar uma maquiagem que se afasta da alma daquelas pessoas. Mas Nando (Luca Bianchi) e principalmente Érika (Nathalia Dill, espetacular) vivem o que não soa como uma coleção de imagens distantes e narcisistas (fotografia de Lula Carvalho), mas uma vida.

Já o coroa boa praça (Mark, interpretado por Roney Villela) dá um tom que mistura o humor e a caricatura do sequelado. É um respiro e um parêntese, quando divagações sobre o mundo e o lidar com ele não têm a mesma força da abordagem que Prado dá às relações. Entre idas e vindas que funcionam, pode-se dizer ainda que algumas pistas do roteiro (“Vou te falar algo... não, não, deixe pra lá...”) não têm a mesma naturalidade e fluência do todo, mas nada estraga sua base forte.

As raves e as drogas são apenas o pano de fundo para a dor e a delícia da vida, o que inclui perdas. Uma equipe competente ajuda Prado a conseguir um resultado bonito.

* Coluna originalmente publicada aqui.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Abril

11. Ação Mutante (1993), de Álex de la Iglesia (DVDRip) (**)
10. Heleno (2011), de José Henrique Fonseca (CineCena Unijorge) (**1/2)
9. Um Método Perigoso (2011), de David Cronenberg (Cine Glauber Espaço Unibanco) (**1/2)
8. O Inquilino (1976), de Roman Polanski (DVDRip) (**1/2)
7. Como era verde o meu Vale (1941), de John Ford (DVDRip) (***)

6. O Escorpião Escarlate (1990), de Ivan Cardoso (DVDRip) (***)
5. Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios (2011), de Beto Brant e Renato Ciasca (Cine Glauber Espaço Unibanco) (***1/2)

4. Rocky VI (1986), de Aki Käurismaki (DVDRip – curta) (***1/2)
3. Virile Games (1988), de Jan Svankmajer (DVDRip – curta) (***1/2)
2. Pulp Fiction (1994), de Quentin Tarantino (DVD) (****)
1. Edward Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton (DVDRip) (****)