sábado, 25 de outubro de 2008

Noites de tormenta*



Emoção de plástico

Assisti a Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe, EUA/Austrália, 2008), de George C. Wolfe, na quarta-feira, depois de achar que dificilmente assistiria a algo tão ruim quanto o filme anterior que vi no cinema: Missão Babilônia. Não acreditava que Richard Gere e Diane Lane pudessem estar em uma coisa tão ruim quanto eu temia. Resultado: nunca subestime seu pessimismo.

O filme até que começa bem, apesar de já inconstante. Somos apresentados à família de Adrienne (Diane Lane), mãe de um filho (mais novo e decorativo) e uma filha – mais velha e caricata/doidinha até a medula. Adrienne é recém-desquitada, seu ex-marido – Jack Willis (Christopher Meloni) – é um canalha, que dá um chilique constrangedor para tentar voltar a ela. Os dois não chegam a um consenso, ele viaja com os filhos, e ela diz que vai pensar enquanto toma conta de uma pousada para uma amiga, que também vai curtir em algum canto – depois de salientar para Adrienne o quão escroto Jack é.

Depois do piti bem fraquinho, os (mais ou menos) 15 minutos seguintes do filme não conseguem, mas até que tentam salvar o filme. Eles funcionam como um bom road movie (que o filme não é), ao levar você a querer viajar, tomar um vinho (ou não), curtir a paisagem por onde passar, as pessoas que vai conhecer, e tudo de bom que pode acontecer em uma viagem. Parte desse mérito está na belíssima North Carolina (especialmente seu litoral), aqui fotografada pelo brasileiro Affonso Beato – que já trabalhou com Walter Salles, Stephen Frears e Pedro Almodóvar, além de Glauber Rocha.

Mas os principais problemas de Noites de Tormenta aparecem junto com o Dr. Paul Flanner (Richard Gere). Ele viaja para a dita pousada, onde encontra Adrienne e lá permanece como o único hóspede durante um fim-de-semana – ou um feriadão, não lembro, mas você acredita que isso é possível. O fato de terem filhos e serem divorciados aumenta uma natural empatia entre eles, e o resto você pode imaginar.

A previsibilidade do roteiro não chega nem a ser o ponto mais fraco, porque muito mais do que a repetição de clichês, o jeito de filmar não convence. As duas cenas de sexo (aquilo é sexo?) são púdicas, e não transbordam tesão algum – e eles ainda transam em condições adversas. Para um filme que toma o rumo que toma, é essencial fazer os laços entre os dois parecer real – logo, é importante fazer o sexo parecer sexo.

Se sexo mais real resultaria em censura maior e mais problemas para público e retorno de dinheiro, que se investisse na relação de carinho, de companheirismo, no crescimento dessa relação entre duas pessoas maduras – ele com seus 50 e poucos, ela com seus 40 – e carentes. Exemplo bom disso é Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, que mistura sutileza, graça e autoralidade que faltam aqui.

O que também prejudica o maior investimento nesse relacionamento é a quantidade de assuntos delicados abordados. Além de uma relação conturbada dentro de duas (ou até três) famílias, temos morte de mãe, morte de pai, morte de filho. O roteiro é um genocida que não consegue encontrar o balanço ideal entre crueldade e realidade, e com isso não parece chegar nem perto do choro que busca do público.

Após tons devidamente melodramáticos, o final do filme tenta ser onírico e recompensador para aquele que ama. O que fez eu me lembrar imediatamente de Ondas do Destino (1996), de Lars Von Trier, em caminho semelhante, mas com uma direção que faz você acreditar que vê em pessoas de carne e osso, além de sexo, carinho e amor de verdade. O que definitivamente não acontece aqui.

Filme: Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe, EUA/Austrália, 2008)
Direção: George C. Wolfe
Elenco: Richard Gere, Diane Lane e Christopher Meloni.


8mm
Já foi bom: Curiosamente, Richard Gere (veja só) está até razoável e Diane Lane melhor ainda, mas ambos (e especialmente ela) passam a impressão de terem caído nas mãos erradas. Principalmente se lembrarmos de Infidelidade (2002), dirigido pelo indecente (isso é um elogio) Adrian Lyne (Proposta Indecente, Lolita) e estrelado justamente pelos dois.

Guerra Fria e 007 atualizados: Arquivo X – Eu Quero Acreditar (2008), e Missão Babilônia (2008) – principalmente esse segundo – faz você achar que vê um filho (bastardo) de 007 em tempos de Guerra Fria. Russos perversos, Rússia (e países da ex-União Soviética) pior ainda e o ídolo-herói americano com a missão a ser cumprida. Só que ao invés de Roger Moore ou Sean Connery, temos... er... Vin Diesel.
Não quero entrar numa discussão sobre quão imbecis e estúpidos podem ser os dois países, nem agora os dois presidentes – Medvedev e Bush, esse já de saída. Mas imaginar coisas piores foi o que mais ficou dos dois filmes, o que é duplamente ruim.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

2 comentários:

Anônimo disse...

vc foi até bonzinho com o filme... não tem nenhuma cotação que seja o desenho de uma dinamite por aí?

acho que vc pegou bem o "espírito" [mal-assombrado] do filme: é sobre um bolo de gente morrendo... e além disso, em tempos de gray's anatomy, não sei como os americanos ainda têm a cara-de-pau de mostrar um médido-herói no estilo de ER primeira temporada...

mas o lugar é lindo... bastavam 10 minutinhos de traveling pela praia e pela pousada que o filme já seria ótemo

Anônimo disse...

amigo, bela crítica... clara, bem informada....gostei... vou ver o filme só por afonso beatto... ele é muito bom