sábado, 1 de novembro de 2008

Mamma Mia!*



Feminismo

Mamma Mia! (idem, EUA/ Alemanha/ Reino Unido, 2008), de Phyllida Loyd (que só tinha dirigido um filme pra TV anteriormente), foi uma grata surpresa em uma semana que parecia completamente insossa no cinema aqui em Itabuna. Um filme que consegue ser o que muito filme quer ser e não consegue, ou não tem coragem de admitir.

Grande parte do mérito está numa das bandas que mais embalou boites afora nos anos 70: ABBA. Os suecos não tinham um cuidado extraterreno na composição musical, muito menos ligação direta com a música erudita, mas fizeram sucesso durante certo tempo com um som minimamente pessoal e bem pop, acessível a qualquer um.

Como musical, Mamma Mia! se liga imediatamente a Across the Universe (2007), de Julie Taymor, e, com boa vontade, a Moulin Rouge (2001), de Baz Luhrmann. Esse último entra como exemplo de como uma referência futura e presente de como se fazer um musical sem nenhuma música original (que eu me lembre) e mesmo assim chegar a um resultado autoral e bem acabado. Ali vemos mescla de músicas de quatro (ou até mais) décadas diferentes numa roupagem que faz você acreditar que ali está a trilha sonora de duas ou três gerações.

Já em Acrosse the Universe temos um musical baseado nas músicas de um banda – no caso, os Beatles –, também como aqui. Só que em Mamma Mia!, obviamente, as músicas parecem muito mais datadas (especialmente se comparado a Moulin Rouge), já que ABBA, fundada em 1971 (dois anos antes do primeiro álbum) e findada em 1983 (dois anos após o último álbum), não passava a pretensão de ficar para a eternidade. E assim parece ser também o filme, que investe muito mais no que cada música já representava do que numa roupagem nova (musicalmente falando) a cada uma delas.

Como esperado, Meryl Streep é o pilar de tudo, já que seu talento para atuar é maior do que qualquer coisa que esteja ali. Ela interpreta Donna Sheridan, mãe de uma filha (Sophie, interpretada por Amanda Seyfried) que não sabe quem é o pai, e que descobre que nem a própria mãe sabe.

Aí aparece o primeiro traço de feminismo do filme. As mulheres que comandam, enquanto os homens são submissos, imploram, esperneiam e só conseguem o que querem após aprovação ou consentimento das mulheres. Elas são “promíscuas” (de família), independentes, e eles fracassados, geralmente também românticos. Numa cena próxima a um cais, as mulheres exalam felicidade, independência e espontaneidade. No mesmo lugar, quando é a vez dos homens se divertirem, a coisa leva um tom muito mais homo-erótico-pastelão – lembra Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). Não é um filme feminino, mas sim feminista caricato (se é que isso existe).

Curioso também que, mesmo sendo um musical e tendo músicas com sonoridades praticamente iguais às de 30 anos atrás, o filme consegue manter um fio narrativo que se sustenta razoavelmente bem tanto pelos diálogos como pela trilha sonora, num encaixe acima da média para o gênero. Por outro lado, o que muitas vezes prende (e ao mesmo tempo distrai) a atenção ou é a paisagem (obviamente perfeita, com locações da Grécia à Califórnia), com personagens, história e até música em segundo plano, ou a quantidade estratosférica de cortes. Outro ponto é que não há números ou coreografias memoráveis, que corroboram ainda mais a idéia de que você vários videoclipes dentro de um só gigantesco, e não um musical. No good.

Vale frisar também que Mamma Mia! passa ok enquanto não se leva a sério. Um exemplo claro disso é quando uma discussão dramática-conflituosa se torna ultra constrangedora, porque gente do mundo de Alice volta repentinamente para o mundo dos terráqueos – e quebra todo o clima construído até ali.

Como esperado, o seu final é devidamente feminista, e a lógica do mundo de cá (ausente em quase todo o filme) é deixada de lado pela lógica do lado de lá. Mas talvez relevável, principalmente por tudo que foi honesta e fantasiosamente construído – mesmo que às vezes pouco elaborado. Um alto astral que pode levar à condescendência e que deixa tudo ok.

Filme: Mamma Mia! (idem, EUA, Alemanha e Reino Unido, 2008)
Direção: Phyllida Loyd
Elenco: Meryl Streep, Amanda Seyfried, Stellan Skarsgård, Pierce Brosnan e Colin Firth.

8mm
(Falta de) som
Não consegui encontrar na Internet como é o sistema de som de Mamma Mia!, mas fiquei com a impressão de que faltava alguma coisa no áudio. O som não parecia um Dolby, e em alguns poucos momentos tinha um abafa típico de mono. Além de um pouco baixo. Não sei se o problema era da cópia, do próprio filme (acho difícil) ou do áudio da sala – ou até comigo. Se ajudar o Starplex, vi o filme na terça-feira (28) às 17 horas.

Tema irrelevante: Quando digo feminismo, isso não tem ligação nenhuma com a qualidade do filme. Você pode ter uma coisa que transpira misoginia, como Cães de Aluguel (1992), de Tarantino, e ainda assim ser muito bom e com mulheres entre fãs do filme. Já um outro filme (teoricamente) sobre amor pode ser um lixo de plástico encomendado, como o Noites de Tormenta, comentado aqui semana passada. Se preferir, você ainda pode entrar no mundo imoral de obras-primas como O Poderoso Chefão (1972), Scarface (1983), Bons Companheiros (1990) e Fogo contra Fogo (1995) – entre algumas outras dezenas. Pessoas e temas detestáveis podem resultar em ótimos filmes, assim como idéias e mensagens ótimas podem se transformar num martírio de duas horas. O óbvio ululante da semana.

“Os” caras: Falando em Fogo contra Fogo, cadê o As Duas Faces da Lei? Não li nada de bom sobre o filme, mas é apenas a segunda (a outra foi em Fogo contra Fogo) e talvez a última vez em que Robert de Niro (65) e Al Pacino (68) contracenem juntos. Por pior que seja, a pergunta é: quando foi a última vez que você viu dos dois maiores atores dos últimos quarenta anos atuando juntos?

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Imagens em: http://www.paramountpictures.com.br/mammamia

Um comentário:

Gustavo Jaime disse...

Rapaz, por falar em óbvio ululante, este teu blogue é o que li de melhor a respeito de cinema nos últimos tempos. Pode ser que eu leia pouco sobre o assunto (como pode ser que o problema de audição seja seu, hehe), mas isso é irrelevante. Fico maravilhado - e que não soe gay isso - com tuas análises sóbrias e fantasiosas. É uma mistura estranha de ingredientes, mas possível. Bem, puxei As Duas Faces da Lei e estou com ele para assistir (sou um cretino fundamental, eu sei). Te digo, como um leigo, o que achei da película. Enquanto isso, torço para a sua próxima avaliação.

Aliás, e Ensaio sobre a Cegueira? Acredita que só dia 13/11 estréia cá em Portugal. Pois a premier devia ter sido na terra do Saramago, ora pois! Abraços.