sábado, 6 de dezembro de 2008

O Passado*



O doce amargo do amor

Hector Babenco é um diretor nascido na Argentina, naturalizado brasileiro, nominado ao Oscar pela direção em O Beijo da Mulher Aranha (1985) e responsável por obras relevantes no cinema nacional, desde Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977) a Carandiru (2003), passando por Pixote: A Lei do Mais Fraco – talvez seu filme mais importante historicamente. Ou seja, temos motivos suficientes para falar de qualquer coisa que ele faça. Sendo assim, mesmo não conhecendo toda a obra do cara, decidi escrever sobre seu último filme, O Passado (El Pasado, Brasil/Argentina, 2007) – uma das coisas recentes que mais me deu vontade de digitar desenfreadamente.

Temos aqui uma história que se passa basicamente em Buenos Aires, entre Rimini (homenagem à cidade natal de Fellini?) e suas mulheres. Interpretado por Gael García Bernal (ótimo), Rimini é um tradutor que acaba um relacionamento de 12 anos com Sofia (Analía Couceyro), que é na verdade o centro do filme – mais pela personagem do que pela atriz. Esse término é naturalmente difícil, devido à natural ressaca amorosa, potencializada pelo ruir do relacionamento próximo ao esplendor (em termos sexuais) da idade adulta. Ela se mostra insegura, enquanto Rimini tenta mostrá-la que “o passado é um bloco que não pode ser dividido”, numa resposta à tentativa dela de repartir entre ambos as trocentas fotos do casal.

Esse problema para colocar um ponto final e definitivo no relacionamento leva ambos a tomarem decisões que talvez não tomassem se não estivessem numa vulnerabilidade inimaginável durante alguns anos. Um ponto positivo é que aqui essas situações não parecem somente coisas do tipo “ah, tomei um chifre ou um pé na bunda, então vou extravasar”. Poucas palavras e atitudes dizem muito sobre uma pessoa, seu relacionamento atual, e suas frustrações anteriores, desde lembranças bonitas até paranóias de momentos que remetem a situações traumáticas para cada um deles. As pessoas aqui têm necessidades, problemas e histórias próprias.

Nessa questão, temos uma situação interessante. Os detalhes aqui dizem muito com pouco e cada imagem quer se mostrar útil ao andamento do roteiro, de uma ida ao cinema a um acidente que leva a uma elipse gigantesca. Isso mantém o filme enxuto, só que aqui a gordura chega a um nível tão baixo que deixa de ser saudável para o filme. Quando aparece, essa gordura parece ir diretamente para a barriguinha num corpo muito magro e até bem feito, se mostrando inconvenientemente perceptível.

Um exemplo claro é a ida de Rimini ao Brasil. Ele e sua mulher vêm a uma São Paulo que parece transposta para o Caribe de tão ensolarada e quente (mesmo que o verão de Buenos Aires seja tão ou mais quente que o de São Paulo). Rápida e bem amarrada ao roteiro, essa viagem soa como o enxerto necessário para se conseguir o apoio financeiro também no Brasil (Er... compreensível).

Mais rápidas ainda são as cenas de sexo, que comprovam a idéia de “não vamos perder tempo com isso, o filme precisa seguir adiante”. Poucas vezes se viu exemplos tão claros da piada pronta do “vai ser bom... não foi?!”. Não é uma questão de se filmar o sexo na íntegra, mas de se dar um jeito de manter uma coerência realista-naturalista (do filme) e não fazer parecê-lo artificial, numa maneira de filmar inicialmente interessante de pouco puritana. No fim das contas, o sexo aqui parece uma transa de coelho com um pouco de câmera lenta.

Ainda assim, entre sua casa, conferências e encontro com gente que não via, Rimini tem uma história com um bom grau de genuinidade e que convence, mesmo com ingredientes batidos, desde frustrações e tragédias amorosas ao envolvimento com drogas. Assim como convence o caráter de Sofia, que relativiza toda e qualquer idéia de fins justificarem meios, principalmente quando a situação é caracterizada pelo amor, ou pela falta dele.

Desse amor (outrora puro) e da obsessão ao fundo do poço e o conformismo, com passagem pelo melodrama, Babenco chega a um resultado um pouco irregular, mas pra lá de interessante. Até por terminar com um poder de sugerir como um final “feliz” pode (ainda) não ser o final, como também pode ser ironicamente amargo.

Filme: O Passado (El Pasado, Brasil/Argentina, 2007)
Direção: Hector Babenco
Elenco: Gael García Bernal, Analía Couceyro, Moro Anghileri, Ana Celentano.

8mm
Entre cabeça e braços
Braço sendo cortado por uma serra elétrica (1983), um extintor de incêndio esmagando várias vezes uma cabeça inocente (2002), e uma mulher cotó descendo ladeira abaixo – depois de ter tido seu braço gentilmente decepado por uma espada (2003). Essas são apenas algumas cenas de filmes que judiam da nossa tolerância à violência e que eu particularmente adoro (não citei os nomes pra não cortar o barato de quem ainda não viu). Ou seja, não tenho nada contra sangue e/ou derivados no cinema.
Ainda assim, não tive vontade de ver o Jogos Mortais 5. Pra não mentir, até que tive, mas a ordem de prioridades deixa coisas como O Passado e Lucía e o Sexo (muito bom) na frente. Já no caso de High School Musical, achei o primeiro uma das coisas que você se contorce de vergonha ao assistir, o segundo um pouco melhor (mas ainda assim fraquinho), e o terceiro não vi porque é dublado. Musical dublado, mesmo que com músicas não dubladas, soa esquizofrênico demais pra mim.

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

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