sábado, 12 de dezembro de 2009

Abraços Partidos*



Sobre o viver dos olhos

Em Má Educação (2004), apesar de um discreto conflito entre (excesso de?) esmero e (certa falta de) fluidez, Pedro Almodóvar atingiu uma quase inacreditável combinação, límpida e convincente, entre o demonstrar sua paixão pelo ofício e o admirável caráter declaradamente auto-biográfico de sua obra. Cinco anos depois, aos 60 de idade, ele lança Abraços Partidos (Los abrazos rotos – Espanha, 2009), irmão daquele de 2004 e com um fascínio forte o suficiente para suplantar a marcha lenta que o mantém em boa parte do tempo.

A melhor personagem do filme é, sem dúvida, Penélope Cruz – que foi de uma potencial enganação a uma atriz cujo potencial ainda não nos apresentou seu limite. Lena é a imagem pura e auto-suficiente, é a vontade de existir no cinema, de fazer o cinema existir, e que representa não só ela como o próprio filme dentro do filme que temos aqui. Não menos bela é a cena do abraçar a imagem projetada, já filmada entre outros por Godard, emblemática de uma paixão que, no restante do filme, é puro Almodóvar.

Mais do que a auto-citação, ele volta a usar revelações e reviravoltas, comuns na sua escrita folhetinesca, que parecem (a maioria delas) menos relevantes e surpreendentes do que já foram em filmes anteriores. Bom dizer, contudo, que o que pode ser analisado como um pouco antecipável e sem um encaixe perfeito, pode ser visto também (prefiro olhar assim) como um ponto a favor da capacidade de Almodóvar trazer ardor e acaso com a naturalidade de quem sabe tratar com esse tipo de narração e essa mescla de gêneros. Sua assinatura é forte e bonita o suficiente para tornar uma suposta previsibilidade em marca inconteste – que pode incomodar a uns e maximizar o efeito da obra em outros.

O tom novelesco, por exemplo, se no começo não traz o mesmo impacto de muita coisa já feita por ele, acaba por premiar o até então impossível, em – aí sim – uma reviravolta digna de um apaixonado absurdamente talentoso. E capaz de finalizar um filme com uma frase explícita que, se na mão de outro poderia parecer forçada, nas dele parece potencializar ainda mais o nó na garganta de quem sente um mínimo de afeição por esse meio que é o cinema.

É verdade que o amor em comum pela arte talvez contribua para um caráter mais condescendente de quem o analisa, graças à carga emocional do fim do filme, mas também é verdade que não faltam obras que tentam transbordar cinefilia quando, de fato, derramam citações sem nada de genuíno como resultado à parte da referência. Diferente de Almodóvar, que, embora não chegue aqui à sua criação mais bem acabada, é provável que tenha nela a mais apaixonada e cativante.

Filme: Abraços Partidos (Los abrazos rotos – Espanha, 2009)
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Lluís Omar, Blanca Portillo, José Luiz Gómez
Duração: 127 minutos

Filmes da semana:
1. Abraços Partidos (2009), de Pedro Almodóvar (Cine Vivo) (****)
2. O Poderoso Chefão Parte II (1974), de Francis Ford Coppola (****1/2)
3. Atividade Paranormal (2007), de Oren Peli (UCI Aeroclube) (***1/2)
4. Um Sonho Americano (1993), de Emir Kusturica (**1/2)
5. Barravento (1962), de Glauber Rocha (***)
6. Penalty (2001), de Adler “Kibe” Paz (Walter da Silveira) (curta) (**)
7. Rádio Gogó (1999), de José Araripe Jr. (Walter da Silveira) (curta) (***)
8. Viver a Vida (1962), de Jean-Luc Godard (***)
9. Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), de Pedro Almodóvar (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

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