sábado, 19 de dezembro de 2009

Avatar*



O “revolucionário” bem comportado


Com Titanic (1997), James Cameron se consolidou de vez como um dos poucos diretores de blockbusters cuja carreira ficou marcada por obras que conciliaram verbas estratosféricas com um mínimo de assinatura e respeito à inteligência do espectador. Em Avatar (idem – 2009, EUA/ Reino Unido), seu primeiro filme em 12 anos, ele volta a obter um resultado único na sua megalomania, mas que também traz irritante sabor genérico.

Avatar pode ser dividido em dois sub-filmes – muito mais que duas partes. O primeiro termina com o pensamento, iniciado lá atrás, de que “mais cedo ou mais tarde, todos nós temos que acordar”. O que a princípio poderia soar como uma filosofia barata típica de blockbusters, ali tem um caráter que consegue ser onírico e crítico. Trata-se de uma realidade paralela num mundo surreal, convincente e jamais visto (e sequer imaginado para a maioria), com a impossibilidade de um final feliz, em um exemplar da beleza na melancolia.

O porém é que esse fim não pode existir num filme cujo orçamento permanece um mistério de vários dígitos – os valores encontrados na Internet vão de 230 (www.imdb.com) a 500 milhões de dólares. No segundo bloco, existe tudo de protocolar, de curtas frases de efeito pós-silêncio a emoções e triunfos sublinhados – tentando ser mais do que de fato são. Incomoda ainda mais o pudor de Cameron para resolver algumas cenas de ação, cuja sintonia com o tom hiperbólico do filme não as avaliza, mas sim reforça a gordura símbolo da obsessão com tamanho.

Até o caráter assumidamente pró-natureza, presente em todo o filme, começa a perder potência com o tempo. Se no começo ele prezava pela sugestão, e dava a cada um a oportunidade de fazer (ou não) a sua própria metáfora, depois ele tende ao didatismo. Não há dúvidas de que Cameron conseguiu fazer um manifesto anti-reacionarismo, mas ele reforçou tanto as caricaturas (de militares/predadores malvados) que elas se tornaram mais marcantes que o poder do gênero; fascinante em vários aspectos – que não valem a pena ser citados, e sim vistos.

É verdade, também, que as concessões sempre estiveram presentes nos filmes de Cameron, mas elas pareciam apenas parte da mentalidade do cinema “penso descaradamente no público, mas tenho voz própria e sou bom no que faço” – que tem em Alfred Hitchcock e Steven Spielberg talvez seus dois melhores exemplos até hoje. Aqui, no entanto, ele permanece competente, o roteiro é bem redondo (tudo “se encaixa”), mas sua voz parece abafada pela expectativa da massa, o nada criativo.

Diferente do que ele conseguiu no próprio Titanic (1997) e em O Exterminador do Futuro 2 (1991), em Avatar ele não torna o caminho para o óbvio tão atraente. Terminada a sessão, o que fica é “somente” o nunca antes visto, e a extravagância (da certeza) desse nunca antes visto – com sensação de déjà vu (em outros) maior do que o esperado dentro dos padrões de seu diretor.

Filme: Avatar (Avatar – 2009, EUA/ Reino Unido)
Direção: James Cameron
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver
Duração: 162 minutos

8mm
O Kubrick dos blockbusters?
Brevemente digerido o filme, aumenta a certeza de que Cameron deve sentir aqui situação semelhante à de Kubrick com Laranja Mecânica (1971). Um diretor já respeitado com pelo menos três obras assaz relevantes para a época, mas que, num misto de megalomania e perfeccionismo desmedidos, permanece em busca de uma obra-prima ainda mais poderosa que a anterior.
Uma das diferenças, para não falar de talento, é que Kubrick tinha uma visão de cinema muito menos hollywoodiana (“desagradável” até), o que torna seu feito ainda mais notável – fazer filmes cuja autoralidade é tão marcante quanto as cifras dos gastos. Já Cameron, mesmo com um ideal artístico que assenta para quem o banca (ou até por isso), aqui se perde entre sua louvável capacidade de chacoalhar a indústria e os milhões de dólares que tendem a podá-lo; ou a seduzi-lo a uma auto-censura. O que não deixa de ser uma pena – para um cineasta especial.

Filmes da semana:
1. Um Só Pecado (1964), de François Truffaut (**1/2)
2. Avatar (2009), de James Cameron (Multiplex Iguatemi – cabine de imprensa) (***)
3. É Proibido Fumar (2009), de Anna Mullayert (Cine Vivo) (***)
4. Palhaços (1970), de Federico Fellini (***)
5. Diário de Sintra (2008), de Paula Gaitán (Espaço Unibanco) (*1/2)
6. O Deserto dos Tártaros (1976), de Valerio Zurlini (**1/2)
7. A Bela Junie (2008), de Christophe Honoré (***1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

3 comentários:

Rafael Almeida Teixeira disse...

Eu vou conferir.

Saul disse...

No quesito "criatividade", na subpasta "ação e aventura" ele nunca vai conseguir superar o que conseguiu em O Exterminador do Futuro 2.

Josivaldo disse...

Olá achei O filme Avatar magnifico..James tem uma coisa que é sua marca que a contratação de Sigourney Weaver, uma atriz que está envelhecendo mais com um talento sem igual.

Mas que isso, o filme fala ao meu ver do domínio do capital sobre os recursos naturais e dos homens/mulheres a qualquer custo. Fala de imperialismo tendo como derrotado o proprio imperialismo..Isso é diferente pois o imperialismo sempre dominou quando tinha vantagens/interesse/resultados economicos e não necessariamente pela força militar. Qunado não tem retorno os dominadores vão embora e larga a bagaceira.Este conmtrate torna Avatar um filme muito bom pela relação: natureza/ser humano/economia/tecnologia/dominação.