sábado, 7 de novembro de 2009

Anticristo*



O nada travestido

Terminada a sessão de Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009), a sensação que fica é a que o eterno conflito entre o talento e a auto-importância de Lars Von Trier (Ondas do Destino, Dançando no Escuro, Dogville) finalmente chegou ao fim – ou pelo menos aqui essa briga tem claramente um perdedor e um vencedor. Se por um lado o início e o final nos deixam claro que o filme assistido é do dinamarquês perturbado, todo o resto do filme dá a impressão de apenas um menino em busca de atenção.

Em Anticristo, mais até do que em outras obras a princípio tão ou mais polêmicas, Lars Von Trier exala a sua vontade de chocar, embora o problema aqui seja o fato de esse desejo iconoclasta ser muito maior que o seu esmero (já que capacidade ele tem) para dar à obra um resultado minimamente bem tratado. E o começo e o fim, que talvez sejam os pontos mais altos do filme, também são a prova de que o homem do Dogma 95 não é mais o mesmo.

O excepcional manipulador, e nem tão bom encenador, dá lugar a um (em parte) estilista (maior que o de costume) que parece funcionar apenas como tal. Quando o filme tem sua assinatura, ela parece borrada, como se escrita por um bêbado, cuja caligrafia única – cheia de referências e com boa carga pessoal, inclusive nos defeitos – nos atinge com a aparência de feita a olhos fechados. Aqui, Lars Von Trier, que sempre chamou a atenção pelo seu caráter a princípio intimista, inicia e finaliza o filme mostrando uma faceta de quem tem algum talento – do que ninguém duvida – mas se apresenta infantil no restante do tempo, com um aspecto de completo desleixo para com o cinema e compromisso único com o chocar, não importa o quão gratuito esse chocar soe.

Difícil falar mais do filme sem cair numa vala comum de opções para se depreciar o filme de Von Trier, mas é inegável que, aqui, ele parece ter se perdido por completo. Uma pena, em meio ao nada agressivo e excessivamente auto-importante que Anticristo prima por ser – e o muito melhor que LVT pode fazer.

Filme: Anticristo (Antichrist – Dinamarca/ Alemanha/ França/ Suécia/ Itália/ Polônia, 2009)

Direção: Lars Von Trier

Elenco: Willem Dafoe, Charlotte Gainsbourg

Duração: 104 minutos


8mm

Digital

Desde que vim pra Salvador, a maioria dos filmes a que assisti foram em projeções digitais – o Rain. Se em alguns casos a coisa não incomoda, em outros a passagem da película para o sistema foi patética, com aqueles gigantescos e nada sedutores pixels a me engolir. Os melhores (ou piores, melhor dizendo) exemplos foram Enquanto o Sol Não Vem e (especialmente) Amantes.

Para os que já se sentiram minimamente lesados com isso, vale a “Carta aberta aos responsáveis pela projeção digital no Brasil”: http://www.gopetition.com/online/31415.html.


Filmes da semana:

1. Diário Proibido (2008), de Cristian Molina (cinema)

2. Anticristo (2009), de Lars Von Trier (cinema)

3. Verdade Nua e Crua (2009), de Robert Luketic (cinema)


* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

2 comentários:

Gore disse...

Sai daí rapaz, esse filme é o mais misógino que eu já vi em toda minha vida, só por isso ele já é melhor que todos os outros. Mas é verdade que eu tbm senti a mesma coisa que você sentiu: que ele fez aquela sequência de abertura escrooota só pra mostrar do que ele é capaz, e ninguém poder falar nada do resto!
Mas eu vi nisso uma atitude de "cuspe na cara" da crítica e da "concorrência" de outros diretores. Ele simplesmente mostra que é capaz de fazer algo incrivel, e depois diz praticamente "mas eu sou foda e eu faço o que eu quiser". Eu aplaudo o egocentrismo do cara!!! rsss
[enfim, também não achei ruim todo o resto do filme, no entanto, é um roteiro bem simplificado em uma linha curtissima, o que daria pra ser um curta, mas esticado com todas as "estilizações visuais" que você citou. O filme poderia tranquilamente durar 30 minutos, e seria um ótimo curta. Ainda, permanece sendo um grande filme que ofusca mil e um deste ano de 2009 e de outros anos ainda].

Rafael Carvalho disse...

Essa coisa do "menino em busca de atenção" é uma boa definição para Von Trier e esse seu Anticristo. O filme parece aquelas sessões de peseudopsicanálise em que um monte de baboseira passa por análises profundas acerca da natureza do ser humano (nesse caso, em especial, da mulher). O que mais me decepciona e irrita é essa pretensão de chocar pelo simples choque, e ainda o desperdício que o cara faz de um material que podia se mostrar bem mais valioso.

Mas o mais incrível de tudo é como Charlotte Gainsbourg se apega tanto e com tal força a sua personagem que confere uma dignidade exemplar a ela. De longe, é a melhor coisa no filme todo.