sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O Curioso Caso de Benjamin Button*



Poesia sem poeta

Li, sem ter conseguido confirmar, que David Fincher (Clube da Luta, Se7en, O Quarto do Pânico) dirigiu Zodíaco (2007) como condição para chegar a O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), teoricamente seu maior desejo. Se for mentira, fica a impressão de que Fincher talvez tenha consciência de que funciona melhor quando trabalha com a agonia ligada ao tempo, e nem tão bem quando ela é ligada a um sentimento mais profundo – e ele pode ter escorregado por ter se arriscado num filme mais “diferente”. Mas se for verdade, o diretor de Clube da Luta parece ter ensaiado, durante mais de 10 anos, uma peça de apresentação única que, no dia D, teve todo o texto mudado – embora com consentimento dele.

A premissa do filme, baseado na obra de F. Scott Fitzgerald, é fantástica: um menino (Benjamin, interpretado por Brad Pitt) que nasce velho e o que ganha em idade também ganha em juventude; envelhece em idade ficando mais novo em aparência. Mais do que isso, suas “primeiras vezes” (bordel e bebedeira, por exemplo) acontecem com ele ainda novo em idade, mas ao mesmo tempo quase decrepto visualmente, de forma a fazer qualquer pessoa duvidar que um alguém com aquele visual nunca tenha transado ou se embriagado. No fim das contas, ele cresce ficando mais jovem e passa, de uma maneira bem pessoal, por muito do que a maioria das pessoas passa, com enfoque maior (teoricamente) nas relações interpessoais.

A trajetória de Benjamin, pelo seu caráter claramente surreal, é fascinante, mas muito mais pela idéia do que pela execução. A narração, a performance de Brad Pitt e todo o investimento de Fincher numa sobriedade para a história, transformam Benjamin Button em apenas mais um caso diferenciado, como muitos outros da vida real – o que ele não é – e que não causam mais empatia alguma, por um natural estado de dormência e apatia na maioria de nós com relação a problemas alheios em mundo tão cheio deles.

Lá pelo meio do filme, por exemplo, temos aquela que talvez seja a maior narração (em tempo) de todo o filme. Trata-se de uma descrição minuciosa de acontecimentos para se justificar uma triste coincidência, numa mistura de Amélie Poulain (2001) levado a sério com um pouco do final de A Última Noite (2002), de Spike Lee. O ponto é que, diferente de quase todo o filme, essa parte parece buscar fazer com que o espectador entre na história. No entanto, até ali, Benjamin sussurrava o tempo todo “não se aproxime”, antes de, súbita e rispidamente, lhe puxar pelo braço.

Esse é um problema porque, apesar de sem aparentemente nada de verossímil, a história (não falo do roteiro, mas da sua base, o seu resumo – não li o livro) é essencialmente humana. Ela fala, de uma maneira bem própria, sobre pessoas, sobre a vida e as oportunidades. Fincher, talvez por um medo de transformar a coisa num melodrama fantasioso cheio de gordura, impõe uma distância enorme entre você e o filme. A paixão fica apenas na história e não consegue vir também para o “contar a história”.

Contar uma história, aliás, foi o que Fincher fez muito bem em Zodíaco, que, embora pra mim seja o melhor dele, não tem (ou não deveria ter) nada a ver com esse aqui. Aquele era no fundo um filme de gênero muito bem tratado e sintonizado do início ao fim, enquanto Benjamin se aproxima muito mais da poesia.

O que me parece talvez o maior defeito é que essa poesia vem didática, quase explicativa. Fincher, mais mecânico do que nunca, a descreve, ao invés de recitá-la – com o audiovisual, que é seu meio. Descrição essa culminada com um final que parece uma mistura do superficial da publicidade com uma lição de moral boba de uma fábula que não funciona. Em meio a tanto potencial (e tantos minutos), uma pena.

Filme: O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, EUA, 2008)
Direção: David Fincher
Elenco: Brad Pitt, Cate Blanchett, Julia Ormond.


8mm

Brad Pitt
Num filme como Benjamin Button, é bom relativizar Brad Pitt (e um pouco também Cate Blanchett), em quem a maquiagem e os efeitos visuais às vezes são mais importantes e chamam muito mais a atenção do que a atuação em si – caso semelhante, por exemplo ao do ali ótimo John Hurt (apesar do mesmo porém, maior até) no ainda melhor O Homem Elefante (1980), de David Lynch. Preferi Cate Blanchett, o que pode soar como hipérbole, mas também não quer dizer que eu ache (o que muita gente acha) o marido de Angelina Jolie ruim como ator – não é o caso. Só acho tudo aquilo confuso e duvidoso demais pra avaliar com clareza.

Heavy Metal
Apesar da decepção com esse novo Fincher, permaneço ansioso pelo seu novo projeto já anunciado para 2010: Heavy Metal. Não tem basicamente nada a ver com o estilo de música, mas sim de uma “refilmagem” de uma animação de 1981, que envolve horror, fantasia e erotismo – numa adaptação livre de uma revista francesa de mesmo nome.
Teremos ainda Zack Snyder (refilmagem de Madrugada dos Mortos; 300), Kevin Eastman (co-criador de As Tartarugas Ninjas), além de Tim Miller (curta Rockfish) e Gore Verbinski (A Mexicana, trilogia de Piratas do Caribe).
Gente boa, gente desconhecida e, se de mau humor, gente ruim. Mas, independente disso, gente muito diferente. Embora não saiba como isso pode dar certo, não deixa de ser estranho (isso é bom) ver um projeto de animação assim.

Pausa
Na quarta-feira (4) vou ter que passar por uma pequena cirurgia – tirar um cisto da prega vocal – o que me deixará sem contato social por alguns dias, antes e depois da operação. Ou seja, nada de cinema, nem nada de 70mm publicada na próxima semana. Se tudo der certo, creio que dia 13 estou de volta com texto novo. Até.

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), de Terence Young
* O Processo de Joana D’Arc (1962), de Robert Bresson
* A Dupla Vida de Veronique (1991), de Krzysztof Kieslowski
* O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), de David Fincher (cinema)
* Morte em Veneza (1971), de Luchino Visconti
* A Mosca (1986), de David Cronenberg
* Através de um Espelho (1961), de Ingmar Bergman
* O Último Imperador (1987), de Bernardo Bertolucci
* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

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