sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Crepúsculo*



Filme nati-morto pronto pra ressurreição

Crepúsculo (Twilight, EUA, 2008), de Catherine Hardwicke, é o produto que se mostra direcionado para a massa responsável pelo sucesso de High School Musical’s da vida. Numa história de amor à base de muito frio, lançado no final de novembro, numa época assim em quase todo os EUA [estratégia semelhante à de Love Story (1970) e Titanic (1997), sabe?!], ela mostra sinais promissores, mas descamba pra um nível de autoria 0,3 e de previsibilidade mil – passando por com um caminho pouco diferente.

A história se passa basicamente em Forks, Washington, no noroeste dos EUA, onde nem o verão é mais quente do que o inverno daqui – falando em Itabuna e região. Assim, onde o sol mal passa de relance e somente nas férias de meio de ano, quase todos são brancos cor-de-leite (até quem vem do deserto do Arizona), mas alguns conseguem ser ainda mais estilizadamente pálidos: os vampiros.

Curioso é que, apesar de fazer parte da sinopse, o filme demora coisa de uma hora pra enfim dizer que os brancos turbinados são vampiros. Desde o começo percebemos que existem pessoas visualmente diferenciadas (não só pela quase ausência de melanina), mas a confirmação só vem na segunda metade do filme, quando se intensifica a história de amor entre Isabella (Kristen Stewart, de Na Natureza Selvagem) e Edward Cullen (Robert Pattinson, dos dois últimos Harry Potter).

Essa demora é interessante, porque até a “revelação”, um ponto positivo é o relacionamento estranho entre duas pessoas que não são populares, num filme direcionado ao grosso do jovem americano: acostumado a ver o craque do time de basquete ou futebol americano, no caso do homem, e a líder de torcida, no caso das mulheres – geralmente ambos com popularidade e imbecilidade lá em cima. Felizmente, os dois aqui não só pouco flertam com esse ideal (o clima do noroeste tem ligação com essa [falta de] mentalidade?), como se aproximam de um extremo oposto. Nessa questão, o potencial de coisas a serem exploradas vai desde as aspas dentro das aspas de “quero mas ‘não posso’” até a relação entre clãs rivais numa cidadezinha (George Romero, cadê você?), passando pela já citada marginalidade nas personalidades do casal.

Voltando a esse adolescente do público alvo, aqui ele é tratado como um ser de uma estupidez quase inigualável, assistindo a ações excessiva e insuportavelmente explicadas e explicativas do início ao fim. Para tentar visualizar esse ponto irritante de Crepúsculo, digamos que existem filmes que jogam vários números na tela e deixam todas as contas serem feitas pelo público, que às vezes morre sem chegar a um resultado – às vezes exato, às vezes “aberto” – mas que se satisfaz pelos cálculos instigantes. Existem outros filmes que lançam menos números, mas ainda assim dão ao espectador a oportunidade de multiplicar, dividir ou brincar de aritmética. Pra quem tem menos tempo pra pensar, existem também aqueles filmes que colocam dois ou três números de um dígito e nos deixam somar ou diminuir. Crepúsculo, por sua vez, mostra um “dois”, um sinal de adição, outro “dois”, um sinal de igualdade, e, achando pouco, ainda finaliza com voz em off: quatro. Temos aqui um dos raríssimos casos em que a narração parece descartável do início ao fim, sem nenhuma exceção.

Um momento legal e que deveria servir de modelo para o filme é quando ela e ele (aproveitando a tecnologia, quer dizer, seus poderes sobre-humanos) conversam no quarto dela, enquanto sobe o som e somente ele permanece como áudio. Pelo que acontece nos momentos da narração, ela diria: “ele, meu super-homem-vampiro-que-não-chupa-meu-sangue, entrou no meu quarto, sentou do meu lado e conversamos: bláblábláblá”.

De qualquer jeito, aí Crepúsculo já perdeu praticamente qualquer senso de peça única (apesar de um visual interessante pra um filme que se assume direcionado pra adolescentes tão estúpidos), inclusive no final, com a esperada deixa para a continuação – inicialmente nada contra, aliás. Uma continuação que parece muito mais interessante, contudo, é a da carreira de Kristen Stewart, que apesar de nada genial, teve (alguns) momentos que lembraram Juliette Lewis e Winona Rider nos seus melhores dias.

Filme: Crepúsculo (Twilight, EUA, 2008)
Direção: Catherine Hardwicke
Elenco: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Billy Burke, Ashley Green, Peter Facinelli.


8mm
2009 por aqui
Tava dando uma olhada no site Filme B sobre os filmes nacionais de 2009, e são 42 longas já com datas confirmadas para estréia até outubro. De Eduardo Coutinho e Domingos de Oliveira (ambos setentões e com quase 20 filmes cada) a Mateus Nachtergaele – ator reconhecido estreando na direção – passando por Eduardo Valente, bom crítico-cineasta que realiza seu primeiro longa, e José Padilha.
Esse último fez a quase obra-prima que é Ônibus 174 (2002) antes do fenômeno-pop-com-opiniões-divergentes-e-extremas Tropa de Elite (2007), que eu gosto (embora precise rever), mas parece ter sido dirigido por um inimigo do autor do primeiro filme. Agora ele aparece com Garapa, documentário já selecionado pra Berlim, que premiou Tropa. Padilha volta a abordar a fome e a miséria, e volta a trabalhar com documentário. Talvez por uma perda de paciência com a saturação do tema, não espero grande coisa. Mas o cara fez o que fez, e teve a atenção que teve. Rola a expectativa...

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* O Virgem de 40 anos (2005), de Judd Apatow
* O Cheiro do Ralo (2006), de Heitor Dhalia
* O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard
* Carlota Joaquina – Princesa do Brasil (1995), de Carla Camurati
* Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch
* Crepúsculo (2007), de Catherine Hardwicke (cinema)
* O Pagamento Final (1993), de Brian de Palma
* Persona (1966), de Ingmar Bergman


* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Nenhum comentário: