sexta-feira, 9 de abril de 2010

Uma Noite Fora de Série*




Ser (e mostrar-se) esperto

Um casal, interpretado pelos mais comediantes que atores Steve Carell e Tina Fey, quer uma noite diferente, e consegue uma bem ao estilo “sessão da tarde” – para não entrar em spoilers já mostrados pelo trailer, “cheia de aventuras de tirar o fôlego”. Essa é a premissa de Uma Noite Fora de Série (Date Night – EUA, 2010), de Shawn Levy, filme cujo recheio traz encadeamentos tão absurdos que criam expectativa e ambiente curiosos – embora não vá muito além disso.

Por mais que o assunto aqui seja um casal, e não um indivíduo a perambular à noite por Nova Iorque, essa sinopse (e o que carrega o filme) leva à inevitável lembrança de Depois de Horas (1985), de Martin Scorsese. Não se trata, obviamente, de pedir a Levy um filme tão autoral quanto aquele – ainda que um dos menos inspirados de Scorsese. Mas o que mais incomoda aqui é o fato de ele (que soa como o maior responsável pelo que existe de menos brilhante ali) não conseguir ir além de um irritante grifo televisivo em um filme-novela com potencial como este.

A direção aqui, ao invés de suavizar as mudanças de atmosfera (o que, me parece, seria mais interessante), potencializa o efeito bipolar do roteiro. É impressionante como são incluídas sequências que vão da tristeza à mais completa euforia – sempre frisados. Sobram boas intenções para se fazer uma maluquice híbrida de gêneros, mas falta delicadeza para trabalhar com elementos que se mostram a princípio desarmônicos não só em um único filme, mas às vezes em uma única cena.

É instalada então uma crise de identidade. Uma Noite Fora de Série é uma comédia conservadora à base de estrelas, rostos e corpos atraentes e carismáticos, mas todo blockbuster da mesma família o é. Com isso, o que mais salta aos olhos é o potencial nunca explorado, mas sim geralmente atropelado – às vezes literalmente. Dos personagens ao resultado, presenciamos uma confusa correria sem fim que parece mais uma pressa gratuita (que resulta em mais se$$ões por dia) que o ritmo do filme de fato.

Uma Noite Fora de Série não funciona tão bem como o que se espera de uma comédia comandada por Levy, Carell e Fey (isto é, pouco além do puro riso), e chega próximo de ser um ótimo passatempo – uma das sessões mais rápidas nos últimos tempos. Mas seu caráter domesticamente tresloucado não nos prende tanto pela atenção e pela criatividade de fato, embora elas estejam presentes ali. A impressao maior é a de um roteirista que, ao invés de fazer um bom roteiro que falasse por si só, preferiu dizer “olha como posso escrever uma trama cheia de arti-manhas”. A tentativa de ser diferente soou maior que o talento – e nem Levy, Carell e Fey conseguiram ir além disso.

Visto, em cabine de imprensa, no Multiplex Iguatemi – abril de 2010.

Uma Noite Fora de Série (Date Night – EUA, 2010)
Direção: Shawn Levy
Elenco: Steve Carell, Tina Fey, Mark Wahlberg, James Franco, Mila Kunis, Ray Liotta
Duração: 88 minutos
Projeção: 2.35:1

8mm
Chuva sem água
Graças ao fantástico sistema viário de Salvador (de ônibus, gastei 35 minutos de casa ao Iguatemi – o mesmo que gastaria a pé), cheguei à cabine de Caso 39 (Case 39 – EUA, 2009), de Christian Alvart, com dez minutos de atraso, o que não me deixa falar do filme. E não, o pior é que, na quarta-feira (7), não havia caído uma gota de água em Salvador – engarrafamento era só pra agradar mesmo.

BBB da morte
Baseado em livro fenômeno japonês, a premissa de Batalha Real (2000), de Kinji Fukasaku, é fantástica. Em mundo apocalíptico, o país sofre com desemprego e violência juvenil, e 41 alunos (maioria conhecidos entre si) são enviados a uma ilha para disputar um jogo cujo objetivo é simples e irreversível: depois de três dias, entre os 41 colegas, ser o único sobrevivente. É uma espécie de reality show militar, um tipo de BBB da morte. Cada “eliminação”, e o que leva cada a um matar (ou morrer), é geralmente bem marcante, mostrando do que o ser humano é capaz quando acoado e atordoado – com o filme indo (mesmo sem nunca parecer colocar a política à frente) de um manifesto direitista a um absurdo otimista (didático e irritante). Por outro lado, a trilha soa presente em demasia, e excessão feita aos momentos informativos (e agonizantes), que nos ajudam a contabilizar as mortes, os letreiros parecem redundantes; assim como os diálogos, em sua maioria uma coleção de lugares comuns – o que contrasta ainda quando pensamos em raros momentos de pura inspiração. Mesmo assim, ainda que outro porém sejam os dez minutos finais, Batalha Real é qualquer coisa menos ordinário. E já precisa ser revisto.

Filmes da semana:
1. Batalha Real (2000), de Kinji Fukasaku (DVDRip) (***)
2. Os Viciados (1971), de Jerry Schatzberg (DVDRip) (**1/2)
3. Boleiros 2: Vencedores e Vencidos (2006), de Ugo Giorgetti (DVDRip) (***)
4. O Fantástico Sr. Raposo (2009), de Wes Anderson (Cinemark) (**1/2)
5. Crimes e Pecados (1989), de Woody Allen (DVDRip) (***)
6. Beijo na Boca, Não (2003), de Alain Resnais (DVDRip) (**1/2)
7. Caso 39 (2009), de Christian Alvart (Multiplex Iguatemi – Cabine de imprensa) (**)
8. Uma Noite Fora de Série (2010), de Shwan Levy (Multiplex Iguatemi – Cabine de Imprensa) (**1/2)
9. Clube da Lua (2004), de Juan José Campanella (DVDRip) (**1/2)
10. Permanent Vacation (1980), de Jim Jarmusch (DVDRip) (**1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

4 comentários:

João Daniel Oliveira disse...

Li "mais comediantes que atores" e pensei em desistir de ler o resto. Respirei. Aí continuei. Depois Scorsese chegou na parada. Respirei mais fundo. Ok, continuei.Talvez um dia eu entenda.

Leandro Afonso Guimarães disse...

Mesmo não achando ele horroroso - e até longe disso -, ainda não sei como consegui escrever sobre isso aqui. E por mais que você adore Steve Carell (eu também gosto), não vejo inverdade ou demérito nenhum em chamá-lo de "mais comediante que ator". Até porque Tina Fey talvez não chegue nem a esse ponto.

De qualquer jeito, existe também sempre a analogia com o filme ruim no cinema. Você entra, odeia o que vê, percebe que já perdeu o dinheiro (e alguns minutos), mas decide que não vai fazer o mesmo com seu tempo. Aí sai - com todos, dentro do possível, felizes e satisfeitos.

Rafael Carvalho disse...

Qualquer filme que tenha o Carrel no elenco já me alegra um tanto. Não sou fã da comédia norte-americana atual, e ele é um dos poucos que conseguem salvar projetos que podiam cair no fracasso total. Não porque ele seja extremamente hilário, mas por seus filmes não terem aquele ar de idiotice que seus colegas de gênero parecem ser obrigados a conter. Veremos se esse novo longa também é assim.

Leandro Afonso Guimarães disse...

Também por Carell, obviamente, VIRGEM DE 40 ANOS é das melhores coisas de todo o núcleo Apatow.