segunda-feira, 26 de abril de 2010

Brincadeira russa*

“Ele
te consome
te faz querer parar de escrever
pra só ler.
E quando dizem
que ele faz pensar
ele se revira.
Irrita
qualquer justificativa pra genialidade.
Calem a boca
amarrem as mãos.”

“Não gosto dele
o nome é feio e grande”

Tento ser educado
mas ela me interrompe
o pensamento.

“E ainda tem outro porém
O nome dele tem uma grafia diferente
pra cada dia do ano”.

“Mais um motivo
pra substituir o livro de cabeceira”

“Na cabeceira
só tenho um lenço
pra tirar o pó da cara”

Antes fosse pra cheirar
o pó.
Talvez a estupidez
tivesse o mesmo destino da mucosa,
pensei.
“Na cabeceira?”
Ela só pode estar de sacanagem.

“Olha, eu tenho
que ir”,
continuo
sem paciência.
“Já?”
“Uma amiga pediu pra eu olhar um livro
de Ruy Castro.
A edição nacional é do outro lado.”

Saio.
Quero me sair.
Ela
a idiota
vem junto.

“Ele tá na sessão mineira ou carioca?”
Susto
“Você me enganou com a patacoada
de Dostoievski?”

Crime e Castigo
é clichê
Você não prefere que eu diga quantas edições de Noites Brancas
existem em línguas latinas?”

Itabuna, março de 2010

Santa Veneza
Fiódor Dostoiévski, e suas dezenas de grafias adaptadas, é o tipo de escritor que me deixa receoso de falar qualquer coisa a respeito do que escreveu – e isso é um dos maiores elogios que posso fazer a qualquer coisa. Mas indo para o assunto da coluna, uma de suas adaptações que muita gente esquece (já que foge da trinca Os Irmãos Karamazov, Os Idiotas e Crime e Castigo) é a de Luchino Visconti para Noites Brancas (1957) – onde São Petesburgo, local do romance, é transferida para Veneza. E embora confesse não ter achado a potencial obra-prima de um cruzamento entre os dois, lembro bem que Maria Schell tem uma das expressões que melhor combina, no cinema, ingenuidade e arrebatamento.

Rússia americana
No cinema, outro que carrega uma boa influência de Dostoievski é Woody Allen. Todavia, com o seu hábito de, há quatro décadas, fazer um filme por ano, fica difícil citar ou lembrar de todos em que é visível (sem piadas necrófilas) a presença dele. Ainda que o exemplo mais óbvio seja sempre o A Última Noite de Boris Gruchenko (1975), ali a literatura russa e Bergman lutam, mesmo amigavelmente, para decidir quem tem mais força no resultado final. Mas isso não é novidade, e acontece em quase todos os outros filmes de Woody Allen. De qualquer jeito, bom garoto também, esse nova-iorquino.

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição (também impressa) de abril do Jornal Direitos www.jornaldireitos.com.br.

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