sexta-feira, 16 de abril de 2010

As Melhores Coisas do Mundo*



As Melhores Coisas do Mundo (idem – Brasil, 2010), de Laís Bondanzky (Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade), tem a ideia de “falar do adolescente e para eles”, em palavras da própria diretora acessíveis no kit entregue à imprensa antes da cabine realizada na terça-feira (13). O que, se por um lado ajuda a deixar clara a intenção do filme, por outro deixa ainda mais límpida a briga entre o que o filme tenta ser e o que, na maior parte do tempo, parece ser – e talvez de fato seja.

Ele tem momentos de fluência notável, que beiram ou alcançam o brilhantismo. Mas em meio a momentos altos e de certa aparência genuína (como a conversa entre os irmãos sobre virgindade, e o momento em que Mano, para querer transar com “a gostosa” da turma, se perde ao querer tocar Something – isso para não falar na cena dos ovos), As Melhores Coisas do Mundo assume um caráter excessivamente genérico. É evidente que Mano pode ter uma adolescência “normal”, mas o problema é quando o caráter ordinário da descoberta chama mais atenção por do que ela em si; quando o ato de conhecer e se conhecer parece pré-programado e independente de como acontece.

Por outro lado, é verdade que o filme cresce ao abrir várias janelas para os conflitos de outros personagens. Temos homossexualismo, bissexualidade (no início, é natural pensamos que Mano tem dúvida – mesmo velada – quanto ao seu caráter hétero), e traição, sem soluções fáceis para nada disso a princípio. Em meio a um natural tom pouco maduro levado no filme (não dá pra cobrar de jovens de 15 anos – que ali predominam – inteligência, sensatez e vivência), vemos, através de pequenos detalhes, como é difícil não só o ser adolescente, como também a convivência com os adultos, e a relação dos adultos com eles. Existe beleza e crueldade no crescer e errar, e Bondanzky é feliz ao nos mostrar ambos – ainda que peque na parte final, e ainda que use seu público alvo como álibi para isso.

Em cena que se passa no hospital, carregada de sincera rebeldia, o filme atinge seu ápice: diferentes e diferenças expostos e analisados, mas sem pretensão salvadora ou forçadamente otimista. Embora me pareça que o resultado seria muito mais contundente se os créditos subissem ali, o filme prefere abdicar do interessante naturalismo usado anteriormente para substituí-lo por uma incompatível abstração; vemos uma pretensa poesia em um texto que é todo prosa. E, em um alongamento cada vez mais nocivo, toda a complexidade abordada se converte no simplório “final feliz”. É como se tudo que aconteceu até ali, com os outros, fosse jogado para debaixo do tapete, apenas porque seu personagem principal “venceu” ao passar por aquela etapa.

O adolescente retratado por Bondanzky, o “falar deles”, (por mais que os “micros” sejam mais eficientes que os “macros”) é complexo e fascinante – como a época. Já o adolescente público, o “para eles”, (especialmente se nos atermos aos últimos cinco minutos) é tratado como alguém que precisa de uma pré-formatada dose de otimismo – para não dizer alienação. As duas partes são tão fortes quanto conflitantes.

Visto, em cabine de imprensa, no Multiplex Iguatemi – Salvador, abril de 2010.

As Melhores Coisas do Mundo (idem – Brasil, 2010)
Direção: Laís Bondanzky
Elenco: Francisco Miguez, Gabriela Rocha, Fiuk, Denise Fraga, Caio Blat, Paulo Vilhena, Julia Barros.
Duração: 115 minutos

Shosanna
Um homem e uma mulher a princípio estranhos se encontram e vão para a casa dele, rapaz misterioso que passa a se envolver com ela e um amigo. A partir daí, Le Dernier Jour (O Último Dia, em tradução literal), de Rodolphe Marconi (prodígio que ganhou melhor curta em Cannes aos 22 anos), passa a funcionar entre os três e com outra relação paralela.
A construção do envolvimento entre todos eles, especialmente no diferenciado triângulo amoroso, oscila entre a apatia e o minimalismo. O que talvez represente o que eles sentem, também talvez nos leve a procurar ali mais do que talvez de fato exista. Porque se a apatia é tão relevante àquela relação, esta (e outra, com frieza semelhante) não pode se mostrar tão convincente quanto Marconi quer nos mostrar mais adiante. Até porque o lado humano é potencializado pela maneira quase claustrofóbica de se filmar, com absurda ênfase nas expressões. Ainda que tudo isso seja relativizado com a reviravolta final.
O choque é maior devido ao aparente marasmo (sem necessária conotação negativa) de todo o filme, é verdade, mas também forte o suficiente para – aí sim em sintonia com a crise do personagem – nos levar de volta à cena de abertura. Após ela, chegamos de fato a um final que, acompanhado de curiosa narração, deixou um sentimento confuso – não sei se funciona ou não.
Le Dernier Jour é muito irregular, mas seus altos e baixos talvez ajudem a melhor compreender a espécie de depressão sentida por Simon (Gaspard Ulliel, entre o tédio e o enigma). E, independente da hipotética intencionalidade dessa variação, em um dos altos do filme, vale destacar a sequência da boite, ao som de Mammy Blue com toque francês. Digna de alguma antologia, ela – e quase todo o filme – tem a presença da já ali promissora Shosanna de Bastardos Inglórios: Mélanie Laurent.

Setaro
Na quarta-feira (14) participei do Clube da Crítica, em hora e meia de debate que valeram (mais que muito livro ou texto sobre crítica e cinema) muito graças principalmente ao convidado paulistano Sergio Alpendre e a André Setaro. Que, na terça (13), teve enfim lançada uma coletânea com escritos seus sobre cinema. Muito se falou sobre Setaro antes, durante e depois da cerimônia, lá e em vários sites e jornais. Pra não me alongar, o que posso dizer dele é que, mesmo sem escrever com a frequência de outros tempos, pra mim é o maior crítico baiano vivo – de longe, provavelmente. Obrigado, Setaro.

Filmes da semana:
1. Bonnie e Clyde (1967), de Arthur Penn (DVDRip) (***)
2. Le Dernier Jour (2004), de Rodolphe Marconi (DVDRip) (***)
3. Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni (DVDRip) (**1/2)
4. Os Desafinados (2008), de Walter Lima Jr. (DVDRip) (**1/2)
5. As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bondanzky (Multiplex Iguatemi – cabine de imprensa) (***)
6. A Caixa (2009), de Richard Kelly (Multiplex Iguatemi) (***)
7. A Cor do Romã (1968), de Sergei Parajanov (DVDRip) (***)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

4 comentários:

Genny Xavier disse...

Querido Leandro,
Não vi ainda "As melhores coisas do Mundo", mas lendo seu texto me deu vontade de ver...será bom asistir um filme nacional que foge dos insistentes temas sobre violência urbana, corrupção policial, etc e tal.
Agora sim poderei "seguir" suas novas postagens e apreciar melhor seus interessantes comentários e indormações valiosas sobre cinema.
Beijos,
Genny

Anônimo disse...

"...o 'para eles', (especialmente se nos atermos aos últimos cinco minutos) é tratado como alguém que precisa de uma pré-formatada dose de otimismo – para não dizer alienação."

É a cara do escritor: Acha que meia dúzia de palavras como "vamos ser éticos", "podemos mudar o brasil com a educação" e tantas outras genialidades possuem algum tipo de poder mágico sobre o caos.

Anônimo disse...

"...o 'para eles', (especialmente se nos atermos aos últimos cinco minutos) é tratado como alguém que precisa de uma pré-formatada dose de otimismo – para não dizer alienação."

É a cara do escritor: Acha que meia dúzia de palavras como "vamos ser éticos", "podemos mudar o brasil com a educação" e tantas outras genialidades possuem algum tipo de poder mágico sobre o caos.

Leandro Afonso Guimarães disse...

Genny, curioso que às vezes tenho a certeza que o filme não é bom - mas ao mesmo tempo tem tantas pequenas coisas boas que te cativa. É uma experiência válida, no mínimo.

O Merten, por exemplo, (tendo uma sensação que passou longe da minha) disse: "Daniel Resende, que monta o filme de Padilha – e montou ‘As Melhores Coisas’ –, havia me dito que era o filme mais maduro da Laís, o mais bem realizado. Não duvidei por um momento de que pudesse ser verdade, e é. (...) Gostei demais de ‘As Melhores Coisas do Mundo’. A melhor coisa, no singular? O próprio filme, por que não?"