sábado, 3 de abril de 2010

Chico Xavier*




Apatia psicografada


Chico Xavier (idem – Brasil, 2010), de Daniel Filho (Se Eu Fosse Você 1 e 2, Primo Basílio), é menos um filme que um manifesto religioso institucional, é mais um ponto de partida sem desenvolvimento que um ponto de vista. É um filme que ou se sustenta no factual histórico, que faz questão de querer se auto-legitimar no fim, ou investe na defesa da fé. O porém, e aí talvez resida o maior problema dele, é que essa fé não é na ou da ficção – o que o filme é (por mais que baseado em fatos reais e com término institucional) –, mas na fé no e do personagem, com e de suas convicções.

Desde o começo, Daniel Filho demonstra o que pode ser visto como competência, mas essa competência vem muito mais da inevitável experiência adquirida após 40 anos de produção especialmente para a tv do que de um talento específico para fazer cinema. O melhor exemplo disso talvez seja a cena (entrecortada com flashbacks durante todo o filme) em que é reconstituído o programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em famosa entrevista de Chico Xavier.

O ritmo é tão convincentemente televisivo – e consequentemente rápido – que a distração causada pelos cortes e movimentos se torna maior que a atenção dada à mensagem passada por Chico Xavier (Nelson Xavier). Se a tentativa foi dar força a Chico Xavier ou à reconfiguração histórica (até por vermos um ator reconhecido por todos, Tony Ramos), ela é falha; se foi reforçar a personalidade do ateu vilanístico da história, funcionou.

Mas, como em várias outras bioproduções com presunção essencialmente populista num tempo recente (talvez em toda a Retomada), de Pelé Eterno a Lula – O Filho do Brasil, aqui o personagem torna-se maior que o filme. Não bastasse os créditos finais acompanhados de imagens de arquivo reencenadas no filme, e o uso de toda a expressão caricatamente martirizável de Ângelo Antônio como o personagem adulto, somos (re)lembrados da hora da morte de Chico Xavier, para chegar à conclusão de que toda a espiritualidade dele estava certa.

Não que haja problema em defender uma ideia religiosa – longe disso. O problema é que, no fim, a impressão é que esse caráter defensor da direção e do roteiro (de Marcos Bernstein, de Central do Brasil) não privilegiaram o que a ficção poderia dar de melhor, já que os principais acontecimentos da vida do personagem guiam o filme em piloto automático, sem quase nada além do óbvio. O poder de convencimento, que aqui podemos chamar até de mérito, está mais ligado à fé na doutrina do que na maneira como defende ela. O que, infelizmente, só ressalta a sensação de apatia que beira a preguiça.

Visto, em Cabine de Imprensa, no Multiplex Iguatemi – Salvador, março de 2010.

Chico Xavier (idem – Brasil, 2010)
Direção: Daniel Filho
Elenco: Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Matheus Costa, Tony Ramos, Christiane Torloni
Duração: 124 minutos
Projeção: 1.85:1

8mm
Soul Kitchen (2009), de Fatih Akin
Ainda que deixe um talvez demasiado gosto da decepção, Soul Kitchen (2009), de Fatih Akin, nos mostra uma Anna Bederke que, se tudo der errado, vai no mínimo sempre lembrar Anna Karina – musa de Godard e da Nouvelle Vague nos anos 60. E como adendo, além de a moça parecer mais alguém que não tenho certeza (acho que não é Uma Thurman), o que contribuiu para uma impressão promissora é que ela faz aqui apenas seu primeiro filme. Anna Bederke.

Filmes da semana:
1. Ressaca de Amor (2008), de Nicholas Stoller (DVD) (***1/2)
2. O Filho da Noiva (2001), de Juan José Campanella (DVD) (***1/2)
3. Halloween 2 (2010), de Rob Zombie (Multiplex Iguatemi) (**1/2)
4. Chico Xavier (2010), de Daniel Filho (Multiplex Iguatemi – Cabine de Imprensa) (**)
5. Soul Kitchen (2009), de Fatih Akin (Cine Vivo) (**1/2)
6. Comédias e Provérbios: Pauline na Praia (1983), de Eric Rohmer (DVDRip) (****)
7. Noite Americana (1973), de François Truffaut (DVD) (****)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamqueca.com.br.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

Tenho muito medo desse filme, não tive oportunidade de conferir ainda. Mas já imagino o que Daniel Filho possa ter feito com um personagem tão incrível como esse.

E estou louco pra ver Soul Kitchen. Como não vai chegar nunca no cinema de minha cidade, resta o DVD ou um torrent legal. Estou refém!