sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Nine*



Close-up no verniz

Para se fazer um bom musical, como qualquer outro filme essencialmente de gênero, é necessário dominar um setor específico da gramática audiovisual – nem que seja, como acontece em alguns casos, para provar que ela pode ser violada pelo bem do resultado final. Nine (idem – EUA/ Itália, 2009), de Rob Marshall (Chicago), é um curioso caso de filme que parece ter qualidades e defeitos potencializados justamente não só pelo domínio do gênero como pela falta de, na maior parte do tempo. Trata-se, em outras palavras, de um filme bipolar.

Nome a nome, se o elenco (e seu potencial) é absurdo, a sub-utilização dele também o é. Assistir a Daniel Day-Lewis (Guido Contini) se limitar à sua expressão carregada (o que não é pouco), e perceber como o canto não é seu forte, é tão decepcionante quanto ver Penélope Cruz (Carla) numa atuação cuja intensidade nada lembra a memorável atriz de
Volver (2006) de Abraços Partidos (2009). A quase sempre arrogante feição de Judi Dench (Lilli) está modesta demais, e quando Nicole Kidman (Claudia) canta, o filme já está tão perdido que parecem vir à mente só as lembranças dela em Moulin Rouge (2001).

Por outro lado, a excelente Marion Cotillard (Luisa Contini) está não menos que ótima, assim como Sophia Loren (a Mamma), a quem todos ainda parecem bater continência de admiração quando a olham em público. Além das duas, são interessantes as sequências cantadas por Fergie (Saraghina) e Kate Hudson (Stephanie).

Essas sequências, inclusive, provam dois pontos que saltitam aos olhos no filme. O primeiro é que o domínio de
mise-en-scène de Rob Marshall é inferior à sua capacidade de fazer os cantos fluirem, sua musicalidade é maior que a sua segurança como regente do gênero musical. O outro é que o investimento na pompa da produção é tão grande que a extravagância visual, quando aliada ao apelo de algumas músicas (que funcionam) e contrastado com a falta de um maior domínio de direcionamento do olhar no quadro, torna tudo muito superficial.

Essa superficialidade, de quebra, ainda é ajudada pelo roteiro. Não temos um fio condutor convincente nem alcançamos um caráter verdadeiramente onírico – tudo parece solto. A obsessão com o
(1963), Fellini e o cinema italiano não passa a impressão de “nossa, que homenagem bonita”, mas sim a de “nossa, como o cinema italiano tem coisas boas: vamos para ele depois disso aqui?”.

Apesar desses poréns,
Nine traz brilho e um certo poder de hipnose que atrai o olhar como pouca coisa. Ele se sustenta não só graças a uma linguagem picotada e estrelas de enésima grandeza, mas também graças a um caráter barroco com detalhe para a opulência – não dos personagens, mas dos atores e da produção.

Ou seja, apesar da falta de densidade além da ideia, não falta verniz em
Nine. Em um primeiro olhar a trechos do filme, a certeza é de madeira de lei. Visto de perto, um MDF que tenta se passar por aquela – e às vezes consegue.

Visto no Multiplex Iguatemi – Salvador, janeiro de 2010.

Nine (idem – EUA/ Itália, 2009)
Direção: Rob Marshall
Elenco: Daniel Day-Lewis, Marion Cotillard, Penélope Cruz, Judi Dench, Kate Hudson, Sophia Loren, Nicole Kidman, Fergie
Duração: 118min
Projeção: 2.35:1

8mm
Calculadamente frenético

Era complicado imaginar uma versão decente do ótimo
Vício Frenético (1992), de Abel Ferrara, filme cuja película cheirava a uma mistura entre ópio e cocaína, temperada com quadros de nu frontal. Mas eis que a refilmagem de Werner Herzog consegue não só manter a falta de pudores como, incluindo o mérito também para o roteirista William M. Finkelstein, evita o decepcionante moralismo no fim da versão original. Para se ter uma ideia, a impressão é de que o diálogo de Herzog com a obra de Ferrara, às vezes, é menor do que, por exemplo, a ligação com Medo e Delírio em Las Vegas (1998), interessante afetação de Terry Gilliam. Aqui, como no filme estrelado por Johnny Depp, muita coisa pode parecer (e às vezes é) excessivamente gratuito, a princípio. Mas depois de digerido, percebe-se o exemplo de combinação entre talento e transpiração técnica, que só um mestre como Herzog é capaz de conseguir.

Filmes da semana:
1. Vício Frenético (2009), de Werner Herzog (Multiplex Iguatemi) (****) 2. Nine (2009), de Rob Marshall (Cabine de imprensa – Multiplex Iguatemi) (**1/2)
3. Uma Garota Dividida em Dois (2007), de Claude Chabrol (DVDRip) (****)
4. Amor à Queima-Roupa (1993), de Tony Scott (DVDRip) (****)
5. Nosferatu – O Vampiro da Noite (1979), de Werner Herzog (DVDRip) (***)
Curtas:
1. Castanho (2002), de Eduardo Valente (Porta Curtas) (**1/2)
2. Di Cavalcanti (1977), de Glauber Rocha (DVDRip) (***)

* Coluna
70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

Taí dois filmes que eu quero muito ver, Nine e Vício Frenético. Quero aproveitar a refilmagem para conferir outras coisas do Herzog. Já o musical é mais por curiosidade mesmo porque só tem gente falando mal.