sábado, 23 de janeiro de 2010

Durval Discos*



A condenação da escolha

Muito tem se falado, com justiça, de Anna Muylaert e seu É Proibido Fumar (2009). Acessível à maioria sem apelar para imbecilização, ele é uma exceção simples e possível dentro das crônicas urbanas do cinema brasileiro atual. Assim como também é o primeiro filme de Muylaert: Durval Discos (idem – Brasil, 2002).

A história se passa em 1995, quando a defesa do vinil como mercado (independente do som) ainda não soa anacrônica. A resistência da loja que dá nome ao filme acompanha a trajetória de Durval (Ary França), envolvido em uma situação cujo desfecho tende a ser tudo, menos simples.

O roteiro de Muylaert parece ser tão interessante quanto difícil de fazê-lo palpável. Suas amarras por vezes têm a perfeita ligação do extraordinário com o banal, como a surpresa informada pela TV e que leva ao principal conflito do filme, mas em outras nem tanto – dando a impressão de que foram feitas por um fio menos convincente que necessário para a história acontecer.

Na primeira parte, as atuações parecem estar todas uma nota acima do tom, e embora exista aí uma sintonia, esse exagero quase teatral e que flerta com o cômico não se encaixa tão bem com o rumo tomado pelo filme. Na segunda parte, quando um certo desespero casa com esse tom, o maior porém é uma reviravolta cuja morte envolvida parece difícil de engolir num pensamento mais racional. Por outro lado, como ser 100% racional numa situação tão inimaginável, e sem o devido tempo para se pensar?

O desfecho do filme traz uma melancolia que vai muito além, por exemplo, do fim dos discos de vinil como indústria – não soando apenas como a nostalgia pela nostalgia. É uma aflição que envolve a perda da inocência, e traz uma sensação de egoísmo compreensível e inerente ao ser humano, ainda que um ente querido seja prejudicado – o que não é fácil de se dizer, mas Muylaert consegue. Nesse momento, antes de optar por um didatismo talvez desnecessário (e que ela evitou em É Proibido Fumar), ela tem delicadeza suficiente para deixar a tragédia ser completada pela cabeça de um. Ainda que mostre sinais de alguém que ainda pode evoluir (e o fez), também mostra a beleza de uma angústia que incomoda.

Durval Discos (idem – Brasil, 2002)
Direção: Anna Muylaert
Elenco: Ary França, Etty Fraser, Isabela Guasco, Marisa Orth
Duração: 93 minutos
Projeção: 2.35:1

Filme visto em DVDRip – Salvador, janeiro de 2010.

8mm
O
Ouro do Globo
Não vi o Globo de Ouro (ô saudade da TV a Cabo...) mas, não tendo visto alguns filmes, odiei – Avatar e Se Beber, Não Case? Embora, por outro lado, depois do ano da maior crise econômica mundial em décadas, nada mais americano do que premiar filmes que, antes de qualquer outra coisa, ficaram marcados pelo retorno financeiro.

Filmes da semana:
1. Durval Discos (2002), de Anna Muylaert (DVDRip) (***)
2. Cartola – Música para os Olhos (2007), de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda (DVDRip) (***)
3. Um Namorado para minha Esposa (2008), de Juan Taratuto (**1/2) (Cine Vivo)
4. Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar (2009), de Christophe Honoré (***) (Cinema da Ufba)
5. A Teta Assustada (2009), de Claudio Llosa (Cinemark) (**1/2)
6. Amor sem Escalas (2009), de Jason Reitman (Multiplex Iguatemi – cabine de imprensa) (**1/2)
7. O Franco Atirador (1978), de Michael Cimino (DVDRip) (**1/2)
Curtas:
1. A Padeira do Bairro (1963), de Eric Rohmer (DVDRip) (***)
2. O Encontro (2002), de Marcos Jorge (Porta Curtas) (**)
3. Vinil Verde (2004), de Kleber Mendonça Filho (Porta Curtas) (***)
4. Noite de Sexta, Manhã de Sábado (2007), de Kleber Mendonça Filho (Porta Curtas) (****)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

Já tinha ouvido falar desse filme, mas não sabia que era da Muylaert e nem que gozava de tão boa reputação. Como adorei É Proibido Fumar, fiquei na ânsia de ver esse aí.

E adoro Vinil Verde!!!