sábado, 9 de janeiro de 2010

Lula, o Filho do Brasil*



Em segundo plano

O começo de Lula, o Filho do Brasil (idem – Brasil, 2009), de Fábio Barreto, lembra um faroeste: muito de imagens em busca de expressividade e auto-suficiência, pouco ou nada de diálogo. Até a longa apresentação dos créditos remete, com boa vontade, a Era uma vez no Oeste (1968), de Sergio Leone. Com essa atmosfera, o tom caricato e maniqueísta do início ainda soa como possível integrante de um mundo palpável, que pode existir na tela – e somente nela. O porém é que depois da primeira fala, e da primeira ação mais grosseira, esse mundo passa a ser outro. Não é o dos rostos e expressões em primeiro plano como uma forma de estilização e ritmo, mas sim a súplica – com frases prontas – pela sua lágrima; ou, no mínimo, pela sua admiração pela história do personagem.

Nesse ponto, inclusive, está provavelmente o maior problema do filme: o que está na tela é sempre menos forte do que está por trás dela. A vida de Lula que passa pelo projetor é a mesma conhecida pela maioria, com a diferença de que, filmada, ela tem seus percalços sublinhados pelo roteiro, pelo tempo dado a eles, e pela trilha sonora. É uma maneira de fazer melodrama, não há dúvidas, mas esse melodrama, pelo que chega à tela, peca não apenas pela repetição do mesmo – a história conhecida –, mas também (principalmente) pela gordura.

Em O Pianista (2002), Roman Polanski filma uma queda de maneira frontal e seca, sem soar apático e sem sublinhar o ato – específico mas apenas mais um dentro de todo o horror do holocausto. Em Lula, Fábio Barreto filma uma cena quase idêntica, como se ela (não a sua natureza, mas ela em si, como um acontecimento único), fizesse parte de um top-5 dos maiores absurdos da história humana – o que só pode ser aceito por um ingênuo de história e de cinema.

Lula – bom diferenciar o filme do personagem – sustenta sua parte melodramática nessas catástrofes, sentidas na pele ou presenciadas por ele, mas sua parte histórica de construção de indivíduo está, muito e infelizmente, nos diálogos. Por mais que talvez, salientando o talvez, a transição do Lula com tendências burguesas para o sindical tenha sido feita de forma tão simplória, ver isso filmado dessa maneira soa até menos reducionista que preguiçoso.

Não dá pra cravar, contudo, que Lula é um desastre completo. Curiosamente, uma cena forte também é, como a abertura, curta e marcada pelo silêncio. Nela, um militar chega onde Lula se encontra, no mesmo instante em que o hoje presidente assiste a um companheiro ser espancado pela polícia. Lula basicamente não abre a boca, o pano de fundo e os olhares dizem muito mais do que eles com palavras – e falam muito mais a respeito do período. É simples, e a tensão está ali.

Infelizmente, todavia, as duas sequências são exceções. E o resto é engodo do mais de um mesmo sustentado nunca pelo filme, mas pelo tema. Da busca pelas emoções, que nunca alcançam o nível de um bom cinema de lágrimas (choro de biografado não conta), até a abrangência megalomaníaca de toda a vida de alguém tão marcante em “apenas” 130 minutos. Que terminam, curiosamente, com o presidente em segundo plano – como o cinema em todo o tempo.

Ps óbvio, mas importante: o texto é uma crítica sobre o filme, não sobre o presidente.

Lula, o Filho do Brasil (idem – Brasil, 2009)
Direção: Fábio Barreto
Elenco: Rui Ricardo Dias, Glória Pires, Juliana Baroni, Cléo Pires
Duração: 130 minutos
Projeção: 1.66:1

8mm
Freud
Christoph Waltz, premiado ano passado em Cannes pelo que fez como o Coronel Hans Landa em Bastardos Inglórios, interpretará Sigmund Freud no próximo filme de David Cronenberg (A Mosca, Marcas da Violência) – o The Talking Cure. Freud, esperto como é, não vai querer explicar nada; vai é assistir.

Cléo
Ainda quero ver Cléo Pires, no cinema, numa atuação em que ela simplesmente não sorria. Acho que pode dar muito bom – embora também ache que devo ser exceção; ou ingênuo, se acreditar que isso pode acontecer.

Filmes da semana:
1. O Pecado Mora ao Lado (1955), de Billy Wilder (***1/2)
2. Manhattan (1979), de Woody Allen (***1/2)
3. Rosetta (1999), de Jean-Pierre e Luc Dardenne (***1/2)
4. Lula, o Filho do Brasil (2010), de Fábio Barreto (Cinema do Museu) (**)
5. Sherlock Holmes (2009), de Guy Ritchie (Multiplex Iguatemi – Cabine de imprensa) (**)
6. A Aventura (1960), de Michelangelo Antonioni (****)
7. Segunda-feira ao Sol (2002), Fernando León de Aranoa (**)

Top-10 dezembro – não contam os dessa semana:
10. É Proibido Fumar (2009), de Anna Muyllaert (***)
9. Atividade Paranormal (2007), de Oren Peli (***)
8. Uma Mulher é uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard (***)
7. Crash – Estranhos Prazeres (1996), de David Cronenberg (***1/2)
6. Instinto Selvagem (1992), de Paul Verhoeven (***1/2)
5. Polícia, Adjetivo (2009), de Corneliu Porumbiu (***1/2)
4. Ervas Daninhas (2009), de Alan Resnais (****)
3. A Bela Junie (2008), de Christophe Honoré (****)
2. Abraços Partidos (2009), de Pedro Almodóvar (****)
1. O Poderoso Chefão Parte II (1974), de Francis Ford Coppola (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

2 comentários:

Roberto Cotta disse...

Acho que a Cléo Pires pode ser o novo Coringa.

Rafael Carvalho disse...

Simpatizo muito com a história do Lula e mesmo que sua trajetória de vida até alcançar o poder seja merecedora de um filme, não há como negar o impasse que o lançamento do filme tem atualmente.

Pena que a obra carece de identidade, é frouxo, sem conceito. História chapada, filmada da forma mais óbvia e simplista possível, sem falar num texto cheio de frases feitas. Uma pena. Mas também, dirigido por Fábio Barreto...

E de fato, Cléo Pires só sabe fazer essa cara de "eu adoro tudo isso". Um saco!