sábado, 10 de outubro de 2009

O Homem que Incomoda*



A beleza na indiferença

Ter argumentos para criticar o estado atual das coisas só não é mais fácil do que cair em uma irritante vala de lugares-comuns na tentativa de fazê-lo. Geralmente, trata-se de repetir discursos e choros, de ser duplamente preguiçoso: primeiro ao abusar de clichês, depois ao nada fazer para ir além deles. Dito isto, é bom assistir a um (ganhador do prêmio ACID – Agência para Difusão do Cinema Independente – em Cannes) O Homem que Incomoda (Den Brysomme Mannen – Noruega/ Islândia, 2006), de Jens Lien, curioso caso de alguém com um jeito realmente especial de falar do viver contemporâneo; ainda que (ou também por isso) a realidade seja muito específica – a norueguesa.

O filme de Lien traz pouca empatia, tem relações (imagino que propositadamente) superficiais e mais um bocado de coisas que imediatamente ligamos à contemporaneidade, capitalismo, egoísmo e todo essa questão que, de um lado ou de outro, tende ao panfletário. Mas um dos grandes trunfos aqui, talvez o maior deles, está nos momentos de um ritmo mais lento, o que nos leva a uma contemplação que nos faz captar uma cena incômoda sem que ela se torne “inassistível”; a beleza é convocada em inusitadas cenas agonizantes – como a dos trilhos.

Não menos interessante é a ironia que o título carrega ao avaliarmos o personagem principal, alguém à margem da sua sociedade basicamente por ter sentimentos e problemas. Naquele mundo, a imperfeição é uma anomalia, e ele é informado de que, ali, todos são felizes – sendo assim, ele não é bem vindo. E embora esse momento assuma um didatismo que o filme conseguia brilhantemente evitar até ali, ele ajuda a representar bem o desespero que imaginamos – ou nem tanto, dado o que vemos depois – ser sentido por ele.

Quando alcança seu final, O Homem que Incomoda volta a mostrar força ao sugerir frieza e crueldade de maneira sutil, dando a cada um a possibilidade de visualizar (já que ouvimos e sentimos) a aflição alheia – que poderia ser a de muitos de nós. Em meio a uma possibilidade grande de cair em emulações fáceis, é difícil mesclar secura e delicadeza em doses razoáveis e de maneira tão equilibrada.

Filme: O Homem que Incomoda (Den Brysomme Mannen – Noruega/ Islândia, 2006)
Direção: Jens Lien
Elenco: Trond Fausa Aurvaag, Petronella Barker, Per Schaaning, Birgitte Larsen
Duração: 95 minutos

Filmes da semana:
1. Vicky Cristina Barcelona (2008), de Woody Allen (***1/2)
2. Roleta Chinesa (1976), de Rainer Werner Fassbinder (***)
3. A Primeira Noite de Tranquilidade (1971), de Valerio Zurlini (***1/2)
4. Nós Que Nos Amávamos Tanto (1974), de Ettore Scola (***)
5. Dançando no Escuro (2000), de Lars Von Trier (***)
6. O Homem que Incomoda (2006), de Jens Lien (***1/2)
7. Um Filme Falado (2003), de Manoel de Oliveira (***1/2)
8. Faça a Coisa Certa (1989), de Spike Lee (**1/2)
9. Benjamim (2003), de Monique Gardenberg (**1/2)
10. Femme Fatale (2002), de Brian de Palma (***)
11. Sorrisos de uma Noite de Amor (1955), de Ingmar Bergman (***)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

Não conheço nem o filme nem o diretor norueguês, e por mais que o filme soe estranho, parece interessante. Digo, o interesse vem da estraneza mesmo, acho.

Sobre os demais filmes, gosto bastante da complexa trama travestida de leveza de Vicky Cristrina Barcelona; acho sensacional o Nós que Nos Amávamos Tanto, assim como o Dançando no Escuro e a visão única do Von Trier para o musical; fiquei bastante supreso com a cadência de Um Filme Falado, meu primeiro Manoel de Oliveira, e nada me preparava para aquele choque final; gosto de Faça a Coisa Certa, mas não acho que seja o melhor Spike Lee, embora o filme cresça bem à medida que trasncorre; e Femme Fatale acho foda demais, precisei ver umas 2 vezes para captar tantas nuances.