sábado, 3 de outubro de 2009

Antes do Pôr-do-sol*



Circunstâncias e impulsos

Afinidade e, especialmente, intensidade são sensações óbvias que aparecem ao (re)assistir a Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset – EUA, 2004), de Richard Linklater. A força de um momento único – e que, se por um lado foi apenas um momento, por outro foi único; sem precedentes. O que se esvaiu com facilidade pode também retornar com facilidade, mesmo nove anos depois, dada a vivacidade da situação. Dessa maneira, Antes do Pôr-do-Sol pode também ser visto como um excepcional exemplo da potência das circunstâncias (que começaram no primeiro filme) e dos impulsos – estes potencializados por elas. É um filme “pequeno” – no seu minimalismo, não na qualidade – sobre sentimentos e temas “grandes” (amor, amizade, afinidade), levados com uma fluidez e uma espontaneidade que, se resumida a uma palavra, só pode ser talento – de Julie Delpy e Ethan Hawke (que também co-assinam o roteiro) à direção de Richard Linklater.

Lançada nove anos depois de Antes do Amanhecer (1995), a continuação pode ser acusada de, nos primeiros 20 minutos, ser pouco delicada (ao usar o recurso fácil de colar imagens do filme anterior) e ainda quebrar parte de um encanto existente no poder delegado a cada um imaginar o destino (e parte do passado não dito) que agora nos é contado. Mas, desde ali, o trio mostra uma sintonia que faz tudo isso parecer justificável, palpável, compreensível – com a beleza e o sentimento do jeito como eles são, sem excesso de sentimentalismos ou frieza.

Os dois (Celine – Delpy, Jesse – Hawke), aqui mais do que nunca apenas com o outro, são seres humanos, que conversam, sentem e, ocasionalmente, têm a coragem de conversar sobre o que sentem – ou sentiam. São seres humanos de carne e osso, cujo grau poeticamente fraco é aqui exposto com uma sutileza difícil de atingir, e até de admitir.

Poucas vezes – mais até do que natural – foi tão bonito discutir relações. Aqui, como filmado, tão interessante quanto se relacionar.

Filme: Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset – EUA, 2004)
Direção: Richard Linklater
Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy
Duração: 80 minutos

8mm
B.O.

O filme se passa em Paris, ok, mas o espírito dele é tão independente de baixo orçamento que dá vontade de pregá-lo em praças públicas apenas para gente do cinema brasileiro: vocês também podem fazer filmes assim, sobre pessoas – do mundo da maioria de vocês (e isso é menos uma crítica do que uma torcida). É possível e, logicamente, pode ser bem bonito. O que já será o caso se tiver metade da beleza da cena final daqui...

Filmes da semana:
1. Antes do Pôr-do-Sol (2004), de Richard Linklater (****1/2)
2. Factótum (2005), de Bent Hamer (**1/2)
3. La Luna (1979), de Bernardo Bertolucci (***)
4. Sonhos de Mulheres (1955), de Ingmar Bergman (***1/2)
5. Descontruindo Harry (1997), de Woody Allen (***1/2)
6. Borat (2006), de Larry Charles (**1/2)
7. Os Donos da Noite (2007), de James Gray (***1/2)

Top-10 setembro:
10. Up – Altas Aventuras (2009), de Pete Docter (co-direção de Bob Peterson (***1/2)
9. Tudo Sobre Minha Mãe (1999), de Pedro Almodóvar (***1/2)
8. Os Donos da Noite (2007), de James Gray (***1/2)
7. Antes do Amanhecer (1995), de Richard Linklater (****)
6. Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch (****)
5. A Última Noite de Boris Gruschenko (1975), de Woody Allen (****)
4. O Show Não Pode Parar (2002), de Nannete Burstein e Bret Morgen (****)
3. Deixa Ela Entrar (2008), de Tomas Alfredson (****)
2. Antes do Pôr-do-Sol (2004), de Richard Linklater (****1/2)
1. Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood (****1/2)

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

Esse filme é uma pérola, um dos melhores da década, com certeza. A história é tão envolvente, o texto tão bom e leve, os personagens tão a vontade, que o filme constitui uma das experiências mais graciosas que eu já tive num filme. A cena em que Julie Delpy canta e toca a valsa é linda demais, assim como a própria atriz.

Sobre os outros filmes, não sou muito fã de Borat; revi Os Donos da Noite e o filme melhorou muito, na verdade, eu aprendia gostar do Gray depois de Amantes; Up é uma delícia; Tudo Sobre Minha Mãe é um dos melhores do Almodóvar, obra-prima que só perde para Carne Trêmula, meu preferido do diretor; Cidade dos Sonhos é outro que entra fácil no top ten da década; Deixa Ela Entrar é um absurdo de sutileza e graça, e olha que é um filme de vampiro!; e Sobre Meninos e Lobos é foda demais, Sean Penn arrasa. No mais, queria muito ver Desconstruindo Harry.