sábado, 5 de setembro de 2009

As Cinco Obstruções*



Teste de admiração

Um cineasta chama outro para este segundo refazer o próprio filme – de quase 40 anos – cinco vezes, com restrições escolhidas pelo primeiro. Essa é a premissa de As Cinco Obstruções (De fem benspænd – Dinamarca/Suíça/Bélgica/França, 2003), de Lars Von Trier (Dançando no Escuro, Dogville) e Jørgen Leth – o desafiado que aceita refilmar seu The Perfect Human (1967) com as limitações impostas pelo colega. O resultado é especial e simbólico, com o que de melhor e pior Von Trier (não limitado ao “apenas” realizador) pode nos brindar.

Como poucas vezes acontece, o grande mérito de As Cinco Obstruções está na força de se alcançar o potencial demonstrado já pela superfície do tema – aqui beneficiado por tudo a que, direta ou indiretamente, ele pode se ligar. Você percebe, de um lado ou de outro do debate (às vezes um mero bate-papo), em maior ou menor escala, não só o tesão pelo desafio, como também uma eterna disputa – em que ambos ganham – entre a paixão pelo cinema e pelo fazer filmes.

O mérito em se explorar bem a ideia inicial, contudo, me parece muito menos devido às conversas entre Von Trier e Leth do que graças ao cruzamento entre as sugestões do primeiro e os resultados obtidos pelo segundo em cada curta. Em alguns momentos, o gigantesco ego de Von Trier parece realmente atrapalhar, e os comentários sobre o caviar e o seu gosto por álcool/vodca carregam um óbvio “e daí” que ganha coro quando pensamos que até o ritmo e o dizer algo do filme parecem prejudicados.

Ainda assim, As Cinco Obstruções, que pode servir como outra referência para novos debates referentes à metalinguagem dentro da metalinguagem, acerta em cheio quando funciona como tentativa de descobrir até que ponto podem ir as potencialidades do cinema feito (e limitado) por quem tem talento. Primeiro Leth, vez a vez testado, depois Von Trier, que nos leva por uma estrada conflituosa para simplesmente reiterar – aqui de forma contida e um tanto inesperada pelo caminho tomado – seu tom passional não só pelo que faz como por quem admira.

O curioso é que essa explicitação do amor de Von Trier não vem como uma espécie de catarse, como acontece, por exemplo, em Dogville e Dançando no Escuro. Aqui, o diretor parece muito mais contido (pode agradar a uns justamente por isto) e seu prazer parece menos espontâneo do que pré-programado; ele parece se cobrar o dizer que ama mesmo que, naquele momento, necessariamente não ame daquele jeito.

Mesmo assim, essa certa (impressão de) mecanicidade não nos impede de mergulhar profundamente no mundo do discutir e fazer cinema – entre quem sabe. E isto é sempre bom, independente do quanto transborde, na tela, um sentimento que ajude ou não a cativar.

Filme: As Cinco Obstruções (De fem benspænd – Dinamarca/Suíça/Bélgica/França, 2003)
Direção: Lars Von Trier e Jørgen Leth
Elenco: Lars Von Trier, Jørgen Leth, Claus Nissen.
Duração: 90 minutos

8mm
Anticristo

Falei sobre este As Cinco Obstruções, entre outros motivos, porque o novo Von Trier não vai chegar por aqui. Nunca. A menos que alguém acredite na coragem (sempre bem vinda e nunca presente) de o nosso Starplex exibir um filme chamado Anticristo, cujas mutilações de órgãos genitais estão entre as cenas mais leves.

Top-10 de agosto
A menção honrosa vai para curta O Pequeno Caos (1966), de Rainer Werner Fassbinder. Abaixo a lista, que pretendo deixar sempre só com longas mesmo.

10. O Grande Lebowski (1998), de Joel e Ethan Coen (***1/2)
9. Milk (2008), de Gus Van Sant (****)
8. Apocalipse Now Redux (1979), de Francis Ford Coppola (****)
7. O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard (****)
6. O Pagamento Final (1993), de Brian de Palma (****)
5. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry (****)
4. Hair (1979), de Milos Forman (****)
3. Kill Bill Vol. 1 (2003), de Quentin Tarantino (****1/2)
2. Underground (1995), de Emir Kusturica (****1/2)
1. A Noite Americana (1973), de François Truffaut (*****)

Obs: Apesar de alguns vistos ainda em agosto, os filmes da semana (abaixo) só entram na “disputa” pela lista do próximo mês.

Filmes da semana:
1. A Regra do Jogo (1939), de Jean Renoir
2. Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch
3. As Cinco Obstruções (2003), de Lars Von Trier e Jørgen Leth
4. A Última Noite de Boris Grushenko (1975), de Woody Allen
5. Pocilga (1969), de Pier Paolo Pasolini
6. Por uma Vida Menos Ordinária (1997), de Danny Boyle

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

4 comentários:

Rafael Carvalho disse...

Ah Leandro, você é de Itabuna, perto daqui mesmo, fiquei sem saber de onde você escrevia. Muito legal esse seu blog, bom também saber que tu escreve na net sobre cinema e pelos filmes que você comenta aqui, já deu pra ver que seu gosto é bem bom. Vou linkar seu espaço lá no meu blog e espero visitá-lo toda semana (suas atualizações parecem ser feitas todo sábado).

E como funciona essa coisa dos filmes do mês e da semana? São recomendações dos filmes que você assistiu ou dos que passaram pelo blog? De qualquer forma, é bem legal a ideia. E as seleções dos filmes são ótimas.

Bem, sobre a Mostra Cinema Conquista, que sorte você ter procurado informações lá no blog porque esse ano estou trabalhando na equipe de assessoria de imprensa do evento. Como te respondi lá no Moviola Digital, a Mostra desse ano acontece de 6 a 11de outubro. Ìamos enviar o primeiro release para a impresa na sexta-feira, mas não deu. Na terça queremos já começar a fazer esse relacionamento com a mídia. A agência deve ter o email dos veículos em que você trabalha, mas não custa nada confirmar. Me passa eles, além do seu email pessoal para eu te enviar os releases também. O meu email da agência é rafael@voceve.com.br, me passa os contatos por lá que logo você vai ficar sabendo mais da Mostra. Mas já adianto que a produção ainda está fechando muita coisa. Fico no aguardo, então.

Agora sobre o filme do post, não o vi ainda, mas gosto bastante do Von Trier, embora o último fime dele, O Grande Chefe, seja um porre. Mas Dogville, Dançando no Escuro e Ondas do Destino são obras-primas, fazendo com que cada novo filme dele seja bastante esperado. Também não gosto da autoimportância que ele se dá, mas vejamos a nova polêmica que nos reserva esse Anticristo, embora eu tenha o mesmo problema que o seu, é praticamente impossível dele estrear no Moviecom daqui.

Bem, acho que é isso Leandro. Espero nos falarmos mais daqui pra frente. Abraço!

Leandro Afonso Guimarães disse...

Cara, sobre os filmes do mês e da semana, é o seguinte.
A cada coluna eu posto os filmes que vi (ou revi) na semana - curtas e médias incluídos, seriados (e afins) não. E, no começo de cada mês, faço uma lista com os 10 melhores filmes vistos (ou revistos) no mês anterior.
A partir de agora penso em colocar as 'estrelas' também para os filmes vistos - como fiz pela primeira vez com os melhores do mês.
Meu medo é só que os comentários se transformem em um debate não sobre filmes, mas sim sobre asteriscos. Anyway, vamos ver.
Abç.

Antonio Nahud Júnior disse...

Amigo, o seu blog está cada vez melhor... Abraços

Rafael Carvalho disse...

Então Leandro, já ia te dar a ideia de pôr as estrelinhas nos filmes do mês e da semana. Acho que sou meio um feitichista nesse sentido, adoro asteriscos, mas como a cotação de um filme é bem flexível, elas servem para gerar discussão mesmo. Mas faça como quiser.