sábado, 15 de agosto de 2009

A Noite Americana*



O sentido no sentimento

Gostar de cinema e de A Noite Americana (La Nuit Américaine – França/ Itália, 1973), de François Truffaut, não é uma obrigação, logicamente, mas ser apaixonado por ambos e tentar escrever sobre o segundo é um convite à pieguice. É correr o risco do excesso de condescendência, do deixar-se levar, do desvio não só da crítica como até de um tipo de auto-crítica. É, definitivamente, um perigo. E dos mais prazerosos.

A Noite Americana não é apenas um exemplo de “mentira organizada” – numa expressão do próprio Truffaut –, um filme sobre o cinema ou sobre o fazer cinema, mas sim sobre amor e paixão de e entre seres humanos. O que ninguém melhor que Truffaut sabia expressar no cinema, e o que ele fazia de uma maneira absurdamente delicada. A cada cena, ele parece nos dizer que as verdadeiras e mais convincentes expressões de afeto (sejam a o que for) residem não apenas nos detalhes como na capacidade de transformá-las em uma coisa relativa ao jeito pessoal de cada um – no jeito autoral de cada um ser, e não apenas de fazer cinema.

Ele não diz, por exemplo, “eu amo o cinema”, mas questiona – via seu (aqui talvez nem tanto) alter-ego Jean-Pierre Léaud – à namorada: “existem 37 cinemas na cidade e você está preocupada em comer?”. A poesia dessa e de outras frases referentes ao amor pelo cinema (e, em outros casos, pelas mulheres) remetem imediatamente à pessoa de Truffaut, impossível de ser observado (ainda mais em cena) sem ter lembrada sua obra, seus escritos e sua vida, dedicada principalmente ao fascínio das coisas que davam sentido à sua vida.

Em A Noite Americana, percebe-se um sentimento genuinamente sem fim, que escorre de uma maneira deliciosa e segura – em cada coisa trivial (ou nem tanto) que acontece no cinema; ou seja, com pessoas. Você assiste à entrega de todos a algo (de um filme a um impulso talvez inexplicável – mas nem por isso julgado), e tem a certeza de que pode fazer o mesmo, pela tela – sem medo ou culpa alguma. Como se tudo isso fosse insuficiente, uma revisão deixa muito mais límpida uma boa dose de humor. Difícil não se imaginar dependente.

Filme: A Noite Americana (La Nuit Américaine)
Direção: François Truffaut
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Jacqueline Bisset, François Truffaut, Valentina Cortese.
Duração: 116 minutos.

Filmes da semana:
1. A Noite Americana (1973), de François Truffaut
2. Valsa com Bashir (2008), de Ari Folman
3. Underground (1995), de Emir Kusturica
4. O Pequeno Caos (1966), de Rainer Werner Fassbinder (curta)
5. O Grande Lebowski (1998), de Joel e Ethan Coen
6. O Poderoso Chefão: Parte 3 (1990), de Francis Ford Coppola

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

A Noite Americana não é meu Truffaut preferido, mas talvez seja o filme mais óbvio dele a expressar esse amor pelo fazer cinema, da forma mais delicada possível. Realmente, Truffaut faz falta, sim!