sábado, 22 de agosto de 2009

Che: o Argentino*



Entre extremos de mais do mesmo

Na maior parte do tempo de Che: o Argentino (Che: Part One – França/ Espanha/ EUA, 2008), me perguntei o que Steven Soderbergh (Traffic, Erin Brockovich, trilogia dos Homens e do Segredo) realmente queria dizer com seu filme. Ele passa a impressão de não se justificar além do tema e do biografado, já explorado, idolatrado e odiado o suficiente para se pensar algumas vezes antes de trazê-lo com certa fidelidade à tona (e à tela) sem cair no clichê. O que invariavelmente acontece em vários momentos – alguns propositais, imagino –, e o que tenta ser compensado por um pouco usual afastamento de um tom passional de Che, cujos escritos serviram de base o roteiro.

Para se ter uma ideia melhor, assim como Benício del Toro não lembra em nada Gael García Bernal, o Ernesto Guevara de Walter Salles parece menos ainda com esse aqui. Se em Diários de Motocicleta temos um retrato bonito e assaz generoso de Che, Soderbergh nos mostra o argentino-cubano com um excesso de sobriedade que atinge a apatia.

Os enquadramentos são abertos, e não me lembro de nenhum plano x contra-plano: o que predomina é o ambiente e um grupo. Se essa escolha visual pode ser vista como parte de uma vertente de um pensamento coletivista (o que a torna funcional, embora um tanto óbvia), ela também pode ser tida como, até certo ponto, um pouco desumanizadora – o que, de tão gritante, deve ter sido não só proposital como prioridade da direção/edição. Soderbergh não apenas foge de closes pornográficos, mas leva essa fuga a um grau extremo que beira a indiferença com seu personagem – e tudo que o cerca.

A questão aqui não é pedir por um maniqueísmo nem implorar por um cinema humano, mas sim de esperar uma razão que justifique outro filme sobre Che que trate de tanta coisa já tratada e com uma objetividade que beira um ideal de jornalismo – o que, no cinema e como foi mostrado, é um bocado enfadonho.

Verdade que toda essa distância, aliada a uma convincente atuação de Benício Del Toro, passa uma forte impressão documental. A música, por exemplo, surge apenas em momentos que o filme toma um rumo de gênero (policial, guerra) e vem sempre ligada a uma tensão.

Com sua versão de Che, Soderbergh parece agir – longe de dizer se “certo ou errado” – exatamente como essa trilha sonora no seu filme. Um toque autoral pouco aparece, e, quando o faz, não é para chamar a atenção para si ou se sobressair como algo realmente diferenciado, mas sim para tentar “apenas” potencializar um tipo pré-concebido e já pisoteado de gênero (aqui a biografia de alguém mega conhecido). O resultado é um filme que, apesar de levemente distinto pelo enfoque coletivo-documental, deixa a impressão de uma ciência de seu tom monótono e didático, por acreditar que o retrato e a história, por si só, têm força suficiente para alcançar um saldo positivo. O Che – o filme – de Soderbergh parece calculado para e satisfeito com tudo isso.

Ps: O encaixe assassinato/palmas/discurso é interessante. Pena que pouca coisa além dele.

Filme: Che: o Argentino (Che: Part One – França/ Espanha/ EUA, 2008),
Direção: Steven Soderbergh
Elenco: Benicio del Toro, Demián Bichir, Vladimir Cruz, Rodrigo Santoro.
Duração: 130 minutos

8mm
1963

Embora obviamente não tenha visto todos os filmes com trilha sonora de sua autoria (incluindo os para a TV, o www.imdb.com lista 345), é difícil imaginar algo tão sublime de Georges Delerue (cinco vezes indicado ao Oscar – ganhou uma) como o “Theme de Camille”, que ele fez para O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard. A música Scorsese reutilizou em seu Cassino (1995), e o filme* – há coisa de uns três anos – ele citou como a maior fotografia não-americana na história do cinema. Nada mal.

* Se eu não estiver maluco. Se estiver, erro na data e/ou na posição, mas não no filme: O Desprezo estava nessa lista de Scorsese de fotografias no cinema.

Filmes da semana:
1. O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard
2. Apocalipse Now Redux (1979), de Francis Ford Coppola
3. Platoon (1986), de Oliver Stone
4. Che: o Argentino (2008), de Steve Soderbergh
5. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004), de Michel Gondry

* Coluna 70mm também publicada no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

Ok Leandro, uma primeira discordância entre nós: adoro o Che do Soderbergh, um dos melhores filmes do ano pra mim. Acho que a sobriedade com que o mítico personagem é tratado só dignifica sua figura sem que o diretor prcise puxar saco dele ou, em contrapartida, denegri-lo. Um trabalho exemplar de precisão.

A fotografia é sensacinal e o filme nem parece ser rodado em digital. Os planos abertos são impressionantes e a atuação contida, mas verdadeira de Del Toro é fenomenal. Gosto demais do filme.

Sobre os filmes da semana, O Desprezo é mesmo sensacional, um Godard plácido e mais intropectivo. Brigitte Bardot está luminosa!