sábado, 1 de agosto de 2009

Jackie Brown*



Sobriedade com talento e estilo

Se lembrarmos de Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994) na abertura de Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino, (como foi na época de seu lançamento) tem-se a impressão de um diretor cuja prioridade é demonstrar sua cinefilia e impor um estilo. Impressão que, com o passar do filme, engana – e esse enganar, propositadamente ou não, só ajuda. Rever Jackie Brown significa ficar estupefato com a forma que ele consegue juntar, ao mesmo tempo, sobriedade, estilo e domínio técnico. O que não me parece apenas o caso de um talento absurdo, mas também de sensatez – ou até de humildade.

Em 1997, alguém poderia vir com uma ideia de se filmar um ator decadente e uma atriz desconhecida conversando, entre outras coisas, sobre futebol e o retorno de aeronautas depois de uma temporada de muito LSD na China – com uma linha narrativa loucamente heterodoxa e pretensiosa. Qualquer estúdio toparia, é claro, desde que a ideia fosse de Tarantino. Que foi na contramão. Com todo o aval possível, ele escolheu um projeto que, 12 anos depois, ainda é claramente aquele com menor estilização visual e narrativa mais clássica, apesar do final extraordinariamente sobre pontos de vista – e que sublinha a força do cinema.

Na sua única adaptação literária, muito do mérito do excelente roteiro talvez venha do texto original (de Elmore Leonard) – salientando o talvez, já que não o li –, mas Tarantino, que o adaptou sozinho para a tela, consegue fazer Jackie Brown funcionar, do início ao fim, como um filme: essa coisa de imagens em movimento (e sons) que faltam a muitas adaptações excessivamente fiéis – ou preguiçosas.

As atuações encontram o balanço ideal entre maneirismo e naturalidade, de Pam Grier a Michael Keaton, passando por Robert De Niro e Bridget Fonda. As citações, como de costume, chegam com a fluência de quem parece achar inevitável filmar cenas já escritas (algumas consagradas) por outros, mas que também tem a capacidade de torná-las não só essenciais para o seu filme, como dotadas de potência suficiente para serem mais que pura referência. Se em Kill Bill, por exemplo, ele foi da obviedade samurai até a A História de Adèle H, de Truffaut, em Jackie Brown ele vai da esperada – e bem específica – blaxploitation dos anos 70 até A Primeira Noite de um Homem, de Mike Nichols.

Por estes motivos, é possível que Jackie Brown seja a maior prova que o amor de Tarantino pelo cinema e pelo fazer cinema é sólido e equilibrado o bastante para ele saber a hora de, ao invés de reforçar ainda mais sua assinatura, deixar a obra andar sozinha. Numa estrada que ele próprio ajudou a percorrer, logicamente, mas que nem sempre precisa sinalizar.

Filme: Jackie Brown (idem – EUA, 1997)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Pam Grier, Robert de Niro, Samuel L. Jackson, Bridget Fonda, Michael Keaton, Robert Forster
Duração: 154 minutos

8mm
Eu vi

Para não dizer que nem citei, enfim assisti a essa coisa que é A Mulher Invisível. Embora não seja bom (me surpreendi com gargalhada em massa em torno do óbvio), e beire o muito ruim, não achei desprezível. Apesar de, nessas linhas, já ter falado até demais sobre ele.

Top-10 julho
Só quando fui fazer essa segunda retrospectiva é que percebi a quantidade de filmes interessantes que vi no mês, o que complicou a escolha. Mas, como dez não são 13, lá vão.

Melhores filmes de julho:
10. Vício Frenético (1992), de Abel Ferrara
9. Fanny e Alexander (1982), de Ingmar Bergman
8. Vida cigana (1988), de Emir Kusturica
7. A Ascensão (1976), de Larisa Sheptiko
6. O Hospedeiro (2006), de Bong Joon-ho
5. Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut
4. Lolita (1962), de Stanley Kubrick
3. Tiresia (2003), de Bertrand Bonello
2. Short Cuts – Cenas da Vida (1993), de Robert Altman
1. Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino

Filmes da semana:
1. A Fronteira do Amanhecer (2008), de Philippe Garrel
2. Short Cuts – Cenas da Vida (1993), de Robert Altman
3. Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino
4. Girlfight (2000), de Karyn Kusama
5. A Mulher Invisível (2009), de Cláudio Torres (cinema)
* Coluna publicada também no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

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