sábado, 6 de junho de 2009

Vá e Veja*



Pesadelo real, sonho de cinema

Uma mãe e sua prole, duas meninas gêmeas e o mais velho – ainda adolescente. Ela tenta convencê-lo a não ir à guerra, pois insiste que ele lutar pelo país, na situação em que vivem, significa condenar a própria família. Chega a defender que o filho mate logo as três. Nessa introdução (após uma espécie de prólogo) de Vá e Veja (1985), de Elem Klimov, vemos aparentemente civis comuns, antes de eles (e especialmente ele) se tornarem parte integrante de um horror soviético, – aqui mais bielo-russo – representado por Florya, que traz muito do próprio diretor.

Dos seis aos 12 anos, Klimov foi contemporâneo da segunda guerra mundial. A experiência foi brutal o suficiente para ele dizer que o filme seria “uma versão leve” do que eles viveram, e que “seria incapaz de filmar o que foi”. Apesar deste terror supostamente aliviado, o que Klimov escolhe para entrar na tela nos chega com, provavelmente, a mesma força visual e sonora que fez essas lembranças não saírem de sua memória.

Prova maior é que Klimov faz de Vá e Veja um filme com grandes cenas, sem o que de ruim essa característica pode induzir. Você não pensa somente na “cena da vaca”, ou na “cena do quadro na poça” (para ficar só em duas que não revelam muito se apenas citadas), mas em outras imagens que duram poucos segundos – como a de um estupro, longe de ser mostrado. Klimov abusa de close-ups e principalmente de planos-sequência com steady-cam que, apesar de hipnóticos por si só, têm a naturalidade necessária para se perceber, depois, que eles estão ali prioritariamente para compor, peça por peça, um pesadelo filmado.

Este horror é tão perfeitamente captado que Klimov passa a impressão de que não filma violência (presente em todo filme e de várias formas), mas sim a agonia. E ele é feliz ainda mais ao conseguir, mesmo nesse panorama, trazer poesia para a guerra – o que já não era nada novo na época (Apocalipse Now, por exemplo, veio em 1979) – de um jeito próprio, junto com uma dor “(bielo)russa” bem única que parece emanar daquelas bandas soviéticas. Até quando ele convoca uma espécie de elegia, ela não aparece para apenas enxertar um sabor melodramático ao resultado, mas sim como parte, se por um lado bem diferenciada, também integrante do todo.

Após duas horas de potência e equilíbrio suficientes para minimizar um possível deslize rumo ao final, Klimov ainda tem a audácia de nos premiar com um desfecho no mínimo fantástico – em mais de um sentido e sempre com até o “o” maiúsculo. A atuação de Aleksei Kravchenko (que chegou a ser hipnotizado nas filmagens) em todo filme, mas especialmente nesse inusitado “encontro” derradeiro, marca um desses momentos que, se pouquíssimos tentam chegar perto, menos ainda conseguem.

Terminado o filme, a busca por superlativos ligados a força – e todo leque aberto por ela –, para ajudar na construção da ideia do texto (sem ser literal), vira uma coleção de tentativas frustradas. Para resumir, melhor dizer que a maneira como o final é mostrado, mais do que uma sensação, deixa a certeza que só o cinema poderia expressá-lo daquele jeito.

Filme: Vá e Veja (Idi i Smotri, 1985, União Soviética)
Direção: Elem Klimov
Elenco: Aleksei Kravchenko, Olga Mironova, Liubomiras Lauciavicius.
Duração: 142 minutos

8mm
Réquiem para um Massacre

Cheguei a ver na Internet uma outra versão para o nome do filme: Vêm e Vê – Réquiem para um Massacre. Não fucei o suficiente pra saber se esse era um nome da versão VHS ou de uma outra tradução (para Portugal, por exemplo), mas o título é no mínimo didático. Embora claramente pouco comercial, o que talvez explique essa “falta de explicação” em outros idiomas e na versão brasileira atual (imagine aquela tatibitati-patricinha-de-bévelirrios locando um filme “Réquiem para um Massacre”), não deixa de ser mais um pouco de informação sobre o resultado.

Cinema
Lá se vão duas semanas sem falar sobre filmes que passam no cinema daqui, mas foi difícil criar coragem e pagar pra ver o que foi exibido por lá nas duas últimas semanas – a publicidade dos filmes já é gigantesca, mas me sinto bem em não falar o nome deles. Na próxima semana, se não comentar O Exterminar do Futuro (o estado é tão crítico que o fato de não ser dublado vira comemoração), espero falar de alguma coisa que veja em Salvador – o que se por um lado significa mais opções de filmes, também significa menos tempo para o texto. Mas não tenho dúvida de que vivo melhor assim.

Filmes da semana:
1. Vá e Veja (1985), de Elem Klimov
2. Cada um com seu Cinema (2007), de vários diretores
3. Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios (1985), de Emir Kusturica
4. Pulp Fiction (1994), de Quentin Tarantino
5. Os Idiotas (1998), de Lars Von Trier
6. A mulher e o Atirador de Facas (1999), de Patrice Leconte
7. Fuga (2006), de Pablo Larrain

* Coluna 70mm publicada também no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

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