domingo, 14 de junho de 2009

Cinema-verdade*

24 de maio, domingo, 15h30min – de Itabuna. Paulo acaba de descobrir o vencedor da Palma de Ouro no festival de Cannes – via Internet. Meio irritado, liga para Peter, que atende.
- Alô?
- Que merda!
O carinho das duas palavras é suficiente para Peter reconhecer a voz.
- Diga, idiota.
- Pra mim, marmelada!
- Pra mim, não. Prefiro amendoim mesmo. Mas só porque a castanha acabou aqui. Em compensação, a cerveja tá ótima. O que houve?
- Você tá onde? Marmelada porque Haneke ganhou a Palma de Ouro.
- Sério? Viva Michael maluco!
- Viva, não. Ele só ganhou porque Isabelle Huppert era a presidente do júri.
- Ah, qual é, só por que ela já trabalhou duas vezes com ele?
- Isso, aposto que ela foi pra Cannes pensando em como defender o filme do queridinho dela, e não em qual filme seria melhor de verdade. Isso que dá colocar gente relacionada com um dos diretores...
- Ué, nada mais natural o presidente do júri ser alguém com ligação com algum diretor. É o meio deles, ora. Você queria quem na presidência do júri de um festival de cinema? Gustavo Kuerten?
- Seria uma boa ideia, brasileiro de responsa e adorado na França. Melhor que aquela puxa-saco.
- Olha, como a cerveja tá uma delícia, vou fingir que não ouvi isso. De qualquer jeito, veja o outro lado da coisa. Ganhou um cara que vai na contra-mão desse pessoal que defende a câmera tremida, como se ela tivesse epilepsia.
- É, isso é bom. E também ele não é daqueles que só porque projetam publicidade em cinemascope acham que fazem cinema.
- Sim, e como você mesmo diz, abre aspas, a publicidade é o cinema dos preguiçosos. Ou dos que não têm nada a dizer, fecha aspas. Ou seja, o cinema venceu. Comemore!
- Ah... nem tanto. Torcia pra Bastardos Inglórios, você sabe.
- Tarantino não precisa mais de prêmio nenhum. E Huppert não daria nada pra ele nem reencarnada.
- Ele ganhou melhor ator, com o alemão, ou austríaco, sei lá. Christoph Waltz, acho. Mas parece que o filme em si não é aquela coisa toda. Você deve ter lido, teve gente falando que é o menos empolgante dele.
- Ah, eu sempre achei estranho imaginar o mesmo cara de Kill Bill e Pulp Fiction fazendo um filme sobre a segunda guerra. Quer dizer, espero errar, mas ainda acho. A onda dele é fazer tudo meio de brincs, mesmo quando é profundo do jeito dele. E não sei como ser assim com o holocausto.
- Olha... a depender da situação, eu duvido até de Ronaldo Fenômeno, mas nunca de Tarantino.
- Eu também. Você sabe que gosto violentamente de tudo que ele fez até hoje. Todo dia, antes de dormir, rezo: “Ezequiel, 25:17...”. Ele é o único diretor que pode se vangloriar de ter todos os filmes em minha dvdteca. Pra duvidar da capacidade desse cara, só mesmo com Alzheimer.
- Pois é. E o filme foi montado às pressas, a Universal até pediu um novo corte, mais curto. De qualquer jeito, não faltou quem escrevesse declarações de amor ao filme.
- E o filme dele parece ser uma declaração de amor ao cinema também.
- É, li algo do tipo. Dizem que o dele, o de Resnais e o de Almodóvar colocam o cinema maior que a vida.
- Nada mais verdadeiro.
- Também acho. E acho triste. A gente divagando sobre o que não viu nem vai ver tão cedo.
- E alguns a gente nem vai ver no cinema.
- É foda.
A ligação cai. Ou um dos dois desliga. Pouco importa.

Ele sorri
Michael Haneke, 67, enfim levou a Palma de Ouro em Cannes por A Fita Branca (Das Weisse Band – Áustria/ França/ Alemanha, 2009). Nele, o austríaco nascido na Alemanha parece ter feito outro filme sobre o que de pior existe no ser humano – de novo. Mas, pra surpresa de muita gente, dá pra encontrar foto desse mesmo cara até sorrindo.

E eles também
Peter e Paulo são uma referência aos nomes de personagens (e apenas aos nomes, por favor!) de Funny Games – Violência Gratuita (1997), que tem versão americana de 2008 idêntica e dirigida também pelo próprio Haneke. Em ambas, na verdade, os personagens são Peter e Paul. Tenha medo deles. Mas não de Haneke. Vejam Caché (2005) e a Professora de Piano (2001). E não me culpem.
(Embora nem tudo de Haneke tenha chegado no Brasil, os três estão disponíveis em DVD.)

Ps: Bastardos Inglórios tem estreia no Brasil prevista para 23 de outubro. Defendo uma boa gorjeta ao homem do calendário.

* Coluna Cinebar originalmente publicada na edição (impressa) de junho do jornal Direitos http://www.jornaldireitos.com.br/.

2 comentários:

heron disse...

concordo com Peter: e se o novo Tarantino for um lixo? eu sou suspeito porque acho o cara super-estimado, mas, mesmo assim, o mundo dá voltas, concorda?

e se, com esse novo filme, ele estiver se tornando lars von trier? medo!

Leandro Afonso Guimarães disse...

acho que o amor de QT ao cinema (e o fazer filmes) é maior que o ego dele - vai demorar pra se preocupar mais em acertar a polêmica do que no filme.
diferente de lvt, que (pelo que li ao invés de ver) parecia competir com noé pra ver quem ficava com o prêmio "meninão" de cannes...