segunda-feira, 11 de maio de 2009

Par ou ímpar (ou de sexta a Domingos)*

Paulo e Edu acabam de chegar num bar. Sentam e chamam o garçom. Pedem uma cerveja e esperam.
- ... Glauber Rocha... – divaga Paulo
- Sim... – rebate Edu
- ... Rogério Sganzerla...
- Que que tem?
- ... Domingos de Oliveira...
- Bom também.
- ...Nelson Pereira dos Santos... – continua Paulo, olhando as nuvens. Num céu azul.
- Tá escalando sua seleção brasileira é?
- ... Truffaut... Godard...
- Ok, fomos pra França. Lindo. Você sabe que não sou ufanista nem xenófobo...
- ... Orson Welles... Chaplin... – a mente de Paulo se aproxima da era de Aquário.
- Que diabos é isso, hein?! Seu “pai-nosso” é?
- Aliás, Orson Welles e Chaplin vão lá pra trás.
- Tá, tá... eu também sou politeísta, mas não me importo com a ordem – diz Edu, que procura o garçom. Não acha.
- Eles não eram só aquela coisa de diretor autor. Eram mais – retorna Paulo.
Edu pensa. É interrompido.
- Eles também faziam outras coisas, escreviam outras coisas... pensavam, sabe?!
- Nelson Pereira dos Santos?
- O cara tá na Academia Brasileira de Letras.
- Não sabia.
- Não sabia?, se indigna Paulo. Desde 2006 ele tá lá!
- Ah, desculpa... tem muito tempo que não ligo pra lá.
- Você sabe quem é o patrono da cadeira dele?
- Quem? Mario Peixoto? Machado de Assis? Sei lá. Shakespeare?
- É. Shakespeare. Que pegou a cadeira de Homero, no ano 13 d.C. – Homero tava na décima reencarnação, e Shakespeare no primeiro de seus 18 ensaios pra enfim nascer.
- Sempre desconfiei disso – fala Edu, todo serelepe.
- Só que aí veio Castro Alves. Ele não só juntou o talento de Shakespeare e Homero, como roubou a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras. Levantou em 2006 porque tava entediado e queria mudar de assento, que o inspirasse mais. Aí Nelson Pereira... pluft! Aproveitou.
- A gente falava de quê mesmo?
- Não sei, sua burrice me desconcentra – alega Paulo.
- Shakespeare... Chaplin... Inglaterra! O Campeonato Inglês tá bom, hein? Sou Arsenal, mas esse ano dá Manchester ou Liverpool. Você aposta em quem?
- Não, a gente não falava de Inglaterra, nem de futebol. A gente falava de gente que tinha algo além do talento.
- Hum... tipo Nick Hornby. Ele escreve também, o filme Alta Fidelidade é baseado no livro dele. Mas aí é o algo além, o talento dele é torcer pelo Arsenal. Você já leu Febre de Bola?
- Não, nem quero – frisa Paulo. Saia da Inglaterra, desça o canal da Mancha.
- Hum... ok... você quer falar de Godard? De Domingos de Oliveira?
- Isso, deles que falava.
- As únicas coisas que os dois têm em comum é o cinema e o sexo masculino, como é que você quer falar sobre eles?
- Justamente! Têm em comum o cinema, que é do que a gente tá falando. E, como disse, eles fazem outra coisa, são multi-uso. O Domingos, mesmo, atua bem, escreve peças, e dirige com uma sutileza fina – se é que existe sutileza grossa. De qualquer jeito, parece que, na hora da gravação, quando ele tem uma crise extrema de prolixidade, ele diz pros atores: “troquem ideia”.
- Faz sentido. Mas não dá pra dizer o mesmo de Godard..., lembra Edu.
- É... mas Godard é gênio, já escreveu coisas sensacionais sobre cinema e o pensar cinema. Problema é que ele sabe falar coisas desagradáveis e fazer filmes desagradáveis. Mas, acontece. Já Domingos de Oliveira é um cara que parece estar sempre rindo da vida, que ri dele. E com ele. Os dois são amantes.
- Não, Paulo. Domingos de Oliveira deixou todas as mulheres do mundo pra ficar com Leila Diniz. Você não viu o filme? Só que ali era Paulo, interpretado por Paulo José – e Leila Diniz ela mesma.
- Mas Leila não se separou de Domingos antes do filme ser lançado? Ah, não importa. O que importa é que ela faz falta uma danada, hein?!
- Pois é, filmes como Todas as Mulheres do Mundo também.
- Taí, eu duvido que você ache, na história do cinema, uma disputa de par ou ímpar tão inusitada, tão genial como aquela?
- Você foi super pretensioso agora.
- Ah, Edu, saber ser pretensioso, além de atrair a atenção, é charmoso pelo ar de cobiça alcançável. Mas não fuja da pergunta. Já viu ou não?
- Não, não que eu me lembre. Mas, é aquela coisa, a quantidade de filmes a serem vistos é sempre maior que a dos filmes que a gente já viu. Então, não dá pra confirmar. De qualquer jeito, a gente parou em Domingos de Oliveira, e você não falou do resto. Você queria dizer o que mesmo?
- Ah, sei lá, tava divagando – diz Paulo.
- Jura? Nunca vi essa cena.
- Mas a cena do par ou ímpar...
- Bem, umas 20 vezes. É ótima mesmo...
- Deu vontade de rever o filme até. Acho que é o que vou fazer quando chegar em casa.
O garçom chega com a cerveja, abre e despeja no copo dos dois.
- É, mas antes tem ela aqui. Brinde cá, diz Edu.
Os dois brindam, Paulo fala.
- Que a sexta-feira traga a algum cinema decente algum filme decente. Ou indecente. Mas que seja bom.
- Amém!

Elas ficam
Os nomes Paulo e Edu são retirados dos personagens de Todas as Mulheres do Mundo (1967), de Domingos de Oliveira. Ali, Paulo José interpreta Paulo, e Flávio Migliaccio é Edu.
Já Leila Diniz, a Maria Alice do filme, é só uma das musas no nosso cinema que deviam ter ficado mais um pouco por aqui – pensando como viúvo. Se atuassem pessimamente, pelo menos traziam uma aura boa pra a tela. Além dela, que partiu aos 27 anos, bom lembrar de Adriana Pietro (de O Casamento, 1976, de Arnaldo Jabor), que faleceu aos 25, e Cláudia Magno (de Menino do Rio, 1982, de Antonio Calmon), aos 35. O bom é que os filmes ficam.

Ah, é primavera no Mediterrâneo
Quentin Tarantino, Lars Von Trier, Pedro Almodóvar, Ang Lee, Michael Haneke, Gaspar Noé, só pra falar do que mais gosto e conheço. E só um lugar pode juntar tanta gente boa e diferente num só evento: Cannes.
Todos eles estão com filmes (divulgados no último dia 23) na mostra competitiva do festival, ainda recheado de coisa boa fora dela – mesmo sem brasileiro, quem achar a lista ruim merece ficar um mês sem ver filme. De 13 a 24 de maio, Cannes me espera. E fica triste, já que eu não vou. Mas aceito propostas.

* Coluna de cinema¹ originalmente publicada na edição de maio do jornal Direitos – http://www.jornaldireitos.com.br/.
¹ Ainda não batizada, embora 'Cinebar' se aproxime do que penso. Sugestões não fazem mal.

4 comentários:

Marcus Alves disse...

Quem sabe você não encontre Zizou por Cannes. A estadia seria ainda mais interessante, não?
E gostei de Cinebar. Me agrada.

Leandro Afonso Guimarães disse...

pois é, até pq marseille é pertinho de lá - coisa de 100km, também na costa do mediterrâneo. mas acho capaz de ele estar/morar em madrid, por causa do filho. :/

.'.Gore Bahia.'. disse...

Cannes. Você deveria assistir 13 Beloved... não tem a cara de filme oriental, é bem mais Die Hard mesmo. Bruce Willis todo. hahaha
ahnnn... Cannes, mesmo?
E tipo, boa idéia o texto mas comecei meio perdido no diálogo e não terminei de ler ainda. Mas acho genial. Vou praticar.
Eu volto só dia 30 de Maio rsss
Série continua com acento. Graças a deus.
Cannes??? rsss
tbm quero!

.'.Gore Bahia.'. disse...

...e prefiro quando o fim de semana traz um filme indecente mesmo ehuaheuaa