sábado, 23 de maio de 2009

Anjos e Demônios*



Enigma sem mistério

As duas instituições mais onipresentes no mundo ocidental são os Estados Unidos e a Igreja Católica. Em maior ou menor escala, todos os países das bandas de cá têm um ranço histórico ou atual intimamente ligado a um deles – quando não a ambos. Seja pela meritocracia ou pela teocracia, o mundo defendido pelos dois é seguido à risca por alguns, e rejeitado violentamente por outros. Anjos e Demônios (Angels & Demons, EUA, 2009), filme de Ron Howard, é antologia ruim do que de ainda pior ambos oferecem.

A fórmula é basicamente a mesma de Código da Vinci (2006), outro best-seller do mesmo autor Dan Brown e dirigido também por Ron Howard. Ou seja, mais uma história referente aos Iluminati e ao passado pecaminoso e obscuro da igreja. Do começo, quando o papa morre, até as mais de duas horas depois, o Vaticano vive um perigo que só aumenta com passar do tempo – o hipotético atentado tem hora certa pra acontecer. O Professor Robert Langdon (Tom Hanks) busca pistas para cumprir sua missão através de sinais que são mostrados via o já conhecido (e às vezes irritante) didatismo de Howard. Como de costume, e especialmente como aconteceu em Código da Vinci, seus personagens não conversam, eles ditam a história. O caráter hermético do tema é simplificado e transformado em uma aula de alfabetização.

Enquanto ouvimos a trama letra por letra, Roma parece crescer em progressão geométrica, com Tom Hanks representando um joão bobo bêbado, andando em círculos sem encontrar o que interessa. Como se não bastassem essas 20 mil léguas romanas, o filme é enxertado de cenas pretensamente engraçadas que, para convocar um riso alaranjado, carregam consigo sequências demoradas e descartáveis – a da falta de ar é o exemplo mais claro. Se esses momentos amenizam o clima de um filme tão longo, paradoxalmente contribuem demais para deixá-lo com uma gordura bem visível.

É inegável, no entanto, que as portas abertas pelos supostos enigmas ajudam, e alguns deles realmente funcionam como tal. Se adicionarmos aí o medo causado pela iminência de um ataque ao Vaticano, a quantidade de pessoas envolvidas, e em como entrelaçar essas histórias, bingo: um suspense meia-boca.

Anjos e Demônios não é um suspense clássico, e sim um filme de serial killer – ou de vários, se preferir. Pela busca e pelas mortes, dialoga com Seven, por exemplo. Mas Howard não consegue trabalhar com o ritmo de um thriller, que é do que seu filme mais se aproxima de acertar. Sabemos e percebemos tudo, ou pelo menos tudo que poderia causar um mínimo de tensão se não soubéssemos.

Pode-se dizer que há espaço para certa imaginação (deles) apenas na reviravolta final. Nela, graças à capacidade hollywodiana de defender um happy ending heróico, a aparente falta de vergonha do desfecho traz uma irresistível ânsia de vomito. Até percebermos que o final ainda não é esse. E que na verdade as coisas não são o que parecem.

O porém é que, se por um lado os roteiristas Akiva Goldsman (antigo colaborador de Howard) e David Koepp (que vai pro céu por adaptar O Pagamento Final (1993), de Brian de Palma) brincam com a gente ao trazer a tona a questão de aparência, essa brincadeira se torna meio óbvia provavelmente graças a Ron Howard e à sua mania de nunca tirar a mão da cabeça de seu espectador.

Até o término do filme, ele tem duas oportunidades de chamar os créditos com uma ironia que poderia dar um fatality na igreja e ainda manter a classe. Mas, em se tratando de Ron Howard (e de todos os milhões envolvidos), a coisa não pode ser assim. Com seu jeito ímpar de filmar (e para evitar esse caminho), ele pelo menos mantém o respeito pela maioria de seu público: os sacos de pipoca.

Filme: Anjos e Demônios (Angels & Demons, EUA, 2009)
Direção: Ron Howard
Elenco: Tom Hanks, Ewan McGregor, Ayelet Zurer, Stellan Skarsgård.
Duração: 138min

8mm
À espera do outubro vermelho

“Somos franceses, respeitamos os cineastas. (...) Eu faço filmes para o planeta Terra. E Cannes representa isso”. É verdade que as duas frases trazem um romantismo anabolizado. Mas é inegável que nenhuma outra nacionalidade ou cidade se encaixaria melhor nos dois casos. Assim como o autor das frases pode levar espanto a alguns: o americaníssimo Quentin Tarantino.
Pra ficar claro, a primeira frase é da personagem Shosanna (citação do crítico-cineasta Kleber Mendonça Filho), presente no mais novo filme de QT, o “Bastardos Inglórios”, que concorre em Cannes – estreia no Brasil prevista para outubro. E a segunda veio na coletiva de imprensa do filme, dita pelo próprio diretor, cuja sinceridade (pela obra e pelo que diz) não parece aqui questionável.
Primeiro Ron Howard, agora Quentin Tarantino – praticamente no mesmo texto, com perdão pela heresia. Dá pra imaginar dois caras tão representantes de um país, e ao mesmo tempo tão diferentes, tão expoentes de lados distintos do talento?

Filmes da semana:
1. Fonte da Vida (2006), de Darren Aronofsky
2. O Outro Lado da Cama (2002), de Emilio Martínez Lázaro
3. Zona do Crime (2007), de Rodrigo Plá
4. Olho na Nuca, O (2001), de Rodrigo Plá (curta)
5. Gotas de Sangue (1984), de Joel (e Ethan) Coen
6. Aguirre – A Cólera dos Deus (1972), de Werner Herzog
7. Ao Mestre com Carinho (1967), de James Clavell
8. Anjos e Demônios (2009), de Ron Howard (cinema)
9. Muito Além do Jardim (1979), de Hal Ashby
10. O Destino Bate à Sua Porta (1981), de Bob Rafelson
11. Querelle (1982), de Rainer Werner Fassbinder

* Coluna 70mm publicada também no http://www.pimentanamuqueca.com.br/.

Um comentário:

heron disse...

esse pingo de filme pode ser facilmente resumido em duas ceninhas, (I) os translados que tom hanks faz de uma igreja a outra, que houward fas parecer as cenas mais suadas de jason bourne e (II) a câmera do filme passando por dentro e através da chaminé vaticanesa, acompanhando a fumaça branca. quem te ensinou a fazer filmes, ron? o playstation?

muito bom o texto liio, but easy with kmf words ["gordura" e talz]