sábado, 4 de abril de 2009

Caminhos Perigosos*



Rascunho cuidadoso

[Er... cinema vetado de novo. Nessa maré de sorte duvidosa, hoje vai outro texto inicialmente escrito por mim para meu alter-ego, rabiscado lá pelo fim do ano passado.]

“Você não resolve seus pecados na igreja. Você resolve nas ruas”. Assim começa Caminhos Perigosos (Mean Streets, EUA, 1973), de Martin Scorsese, que diz ele mesmo numa espécie de epígrafe de seu filme – referência a Fellini? No primeiro trabalho do diretor com Robert de Niro, vemos aqui um rascunho bem desenhado do que se tornaria o conjunto da obra de um cara que viria a fazer (entre outras coisas) Taxi Driver (1974), Touro Indomável (1980), Bons Companheiros (1990) e Os Infiltrados (2006), pelo qual enfim conseguiu o Oscar de direção.

Quase tudo que marcou a carreira de Scorsese está lá. A começar pela abertura, que deve ter sido vista e revista, ouvida e reouvida por Tarantino. As imagens transbordam nostalgia, ritmo e se encaixam perfeitamente com Be My Baby, tocada pelas Ronettes. O único problema, bem perceptível, é que dura pouco.

O diálogo é mundano, e desde ali Scorsese já deixava claro que dirigia pessoas que parecem de carne e osso em discussões de verdade. Apesar de algumas afetações de De Niro e uns pitis pouco convincentes de Harvey Keitel, os dois, com lapsos geniais, passam com sobras.

Harvey Keitel é até o personagem principal do filme (Charlie), o que mais aparece, mas é ao redor de De Niro (Johnny) que as coisas acontecem. Afinal de contas, temos um filme sobre os problemas relativos à máfia em Nova Iorque, e é Johnny Boy o inconsequente sempre disposto a quebrar a harmonia do ambiente onde estiver.

Imaginar que isso saiu um ano depois de O Poderoso Chefão é cruel, embora Caminhos Perigosos, mais até do que inferior, seja bem diferente da obra-prima de Coppola. A questão aqui não é tanto de família, mas sim da rua, se aproxima menos de uma ópera do que de um show de rock para amigos – e, por tabela, para os inimigos dos amigos. A proximidade é maior, não existe ninguém milionário e, se existe (quem quer receber dinheiro), ele pisa onde os quebrados também pisam – e onde também pisa gente que, pobre ou abastada, não tem nada a ver com a máfia.

Quando o jogo de enganador e enganado chega ao seu ápice, Caminhos Perigosos consegue se parecer um bocado com Bons Companheiros (1990), mas sem deixar de ter voz própria, mesmo que claramente o percebamos como um esboço de algo que melhoraria com o tempo –a visão de hoje. Lembra também Cabo do Medo (1991), quando dá pra perceber que dirigir cenas de ação nunca foi o grande forte de Scorsese – apesar de O Aviador (2004), pelo que me lembro, ser excepcionalmente bem filmado até na hora dos “cabuns” e “scatupleifts” de batidas e coisas do tipo.

Só que em 1973 Scorsese era um diretor engatinhando até para o reconhecimento da crítica (já que nunca foi grande sucesso de público) e não tinha o dinheiro que teve em 2004. E embora algumas cenas passem a idéia de insegurança e confusão sobre decupagem e corte, é ponderável se pensarmos que ele teve somente 25 dias pra filmar tudo.

Mesmo com essas coisas fáceis de citar aqui e 36 anos depois, é quase impossível imaginar alguém fazer um filme tão pessoal com tão pouco dinheiro e com gente tão boa no elenco hoje em dia. Sempre bom.

Fime: Caminhos Perigosos (Mean Streets, EUA, 1973)
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Harvey Keitel, Robert de Niro, David Proval.
Duração: 112 min

8mm
Bom?

Não sei até que ponto é bom dar publicidade ao fato, até porque entram aí questões bem complicadas. Mas, há quem comemore – com seus motivos. No dia 1º de abril, a Fox Film, distribuidora de Se Eu Fosse Você 2, informou que o filme já é a segunda maior bilheteria da história do país – atrás apenas de Titanic – com R$ 49 milhões. O público acumulado chega perto dos seis milhões. Ah, a popularidade...

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Amor à Flor da Pele (2000), de Wong Kar-Wai
* Crimes e Pecados (1989), de Woody Allen
* Todos Dizem Eu Te Amo (1996), de Woody Allen
* Luzes da Cidade (1931), de Charles Chaplin
* Pânico (1996), de Wes Craven
* Uma História Real (1999), de David Lynch

Imagens em: http://metaphilm.com/ e http://www.independentcritics.com/

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Um comentário:

.'.Gore Bahia.'. disse...

Porra, não vi esse do Scorcese. Mas se é de máfia, já me interessa. Tenho aqui o The Hit, do Stephen Frears, que é uma noção diferente de filmes de máfia, tipo o que é "extermínio" pros filmes de living-dead.
"La Chiave" eu achei pra baixar, mas não peguei ainda... inclusive, coincidência, eu tava tentando baixar há duas semanas atrás o Salon Kitty, mas tava lento. Ainda vou pegar The Voyeur tbm! abç!