sábado, 18 de abril de 2009

Quem Quer Ser um Milionário*



O bom, o mau e o dinheiro

Uma pessoa coberta de merda, dos pés à cabeça. E que se roça no meio de trocentas outras pessoas. Visualize, imagine o cheiro, e pense sobre o que pode levar alguém a fazer questão de ficar nesse estado. Há quem dê risada – gargalhada até. Ou pelo menos houve quem conseguisse, logo atrás de mim, uma das pouco mais de dez pessoas na sessão de Quem Quer Ser um Milionário (Slumdog Millionaire, Inglaterra, 2008), de Danny Boyle. Se fosse fazer uma analogia redutiva, dá pra dizer que, comparada ao filme, a sala estava lotada.

Boyle (A Praia, Extermínio) foi formalmente apresentado ao (nem tão) grande público com Trainspotting, em 1996. Ali, o inglês Boyle falava de um jeito debochado sobre jovens escoceses que decidiam se jogar no mundo do vício em heroína – um britânico abastado falando sobre britânicos abastados, em um país rico e minimamente “livre”. Ao invés de uma batida pérola moralista, o resultado foi um válido exercício de estilo, com a cara de sua época (datado, talvez) e de um jeito de se fazer cinema – com grande mérito para o roteiro de John Hodge, indicado ao Oscar. Overdoses vinham ao som de Lou Reed, e o sexo, em edição paralela e com Sleeper na trilha, terminava com o gozo simultâneo a um gol escocês. Legal.

Pois bem. 12 anos depois, embora exista quem ache pontos relevantes em comum na carreira de Boyle (autor?!), o diretor do estilo só bateu ponto até as primeiras imagens de Quem Quer Ser um Milionário, onde percebemos que um alguém bem “visual” está por trás dali. Mas esse visual, que notamos em alguns grandes planos gerais de uma Índia miserável e decrepta (o que aparentemente mais seduziu Boyle), serve basicamente para cobrir elipses. Não há substância nenhuma nessas figuras (meio isoladas), em ponto teoricamente conflitante com o filme, que tenta ser muito mais dramático e realista. O problema é que, para chegar a esse grau de intimismo, Quem Quer Ser um Milionário tem a mesma delicadeza do cheiro do menino coberto de merda.

Prova dessa (inicialmente discreta) grosseria aparece nos minutos iniciais de projeção, quando o protagonista Jamal nos implora por empatia ao engolir a tela, não pela sua presença, e sim pelo close artificial de Boyle – que não induz o espectador, mas puxa pelo braço e o ameaça com a camisa de força. A pretensão é fazer um melodrama (com D maiúsculo) palpável com tom às vezes quase documental.

O maniqueísmo, tão mal visto para o conceito de um filme sobre gente de carne e osso, está lá firme, forte e, às vezes, anabolizado. O roteiro, com flashbacks (que lá pelo fim podem fazer você perguntar: “de novo?”), é desmascarado quando percebemos que a suposta humanização dos personagens é, na verdade, um pretexto (apesar de justificável, mal construído) para a catarse no final. Esperadamente feliz, uma vez que reflexão e preocupação sociais são definitivamente menos importantes do que a “energia” no cinema de Boyle – não importando se ele filma Edimburgo ou Bombaim, e se ele trata do tédio burguês ou da miséria alheia: o importante é se infiltrar, convidado ou não, conhecedor ou não, consciente ou não.

Em meio a tanta mistura (“exploração x empatia”, “realismo x estilização”, “rico x pobre”, “ocidente x oriente” – embora nada seja somente preto ou branco), talvez o maior problema de Quem Quer Ser um Milionário seja a falta de alguma coisa única que realmente se sobressaia de maneira positiva. É passado um rigoroso filtro, e fica só o amargo do que a indústria e a globalização têm de pior: o mais do mesmo, a falta de voz própria, mesmo com a possibilidade de tantos mundos mesclados em um só e passível de “autoração” – o da tela de cinema. Fica também a impressão de que Quem Quer Ser um Milionário poderia se resumir a outra parte do filme, onde interagem indianos e turistas. Ali, o menino diz mostrar a eles a verdadeira Índia, e eles dizem mostrar ao menino um pouco da América – que, no caso, pode ser também a (ou substituída pela) Inglaterra. Dado o suposto grau de “realismo” buscado, o filme parece acreditar nisso.

Ps: O melhor realmente são os créditos finais (isso não é bom pra filme nenhum), com sequencia musical ao som de Jai-Ho. Ali, Quem Quer Ser um Milionário parece dizer: chute tudo pro alto e seja feliz – mesmo que você não tenha as duas pernas.

Filme: Quem Quer Ser um Milionário (Slumdog Millionaire, Inglaterra, 2008)
Direção: Danny Boyle
Elenco: Dev Patel, Anil Kapoor, Freida Pinto
Duração: 120 min

8mm
X
Caiu na rede o trailer de The Girlfriend Experience, o novo de filme de Steven Soderbergh (Traffic, Trilogia dos Homens e o Segredo). Mas, apesar de ele já ter um Oscar (direção por Traffic) e uma Palma de Ouro (por Sexo, Mentiras e Videotape), o alvoroço em torno do filme é maior pela sua protagonista.
Sasha Grey, mais do que uma atriz pornô, é um fenômeno. Aos 18 anos, ela deu uma entrevista num programa constrangedoramente moralista, o Tyra Banks Show, onde mostrou segurança e serenidade admiráveis, aos olhos do namorado de 31 anos, na plateia. Hoje aos 21, Sasha é a mais jovem vencedora do Oscar da pornografia americana – o AVN Award.
Sobre o trailer – como esperado (e não necessariamente irrelevante) não a vemos explicitamente nua –, ele consegue ter um espírito menos experimental-independente do que a idéia corajosa (prostituição – com uma delas, clientes e namoro – no meio de uma eleição), mas é interessante. E deixa a expectativa de sabermos até onde pode ir o puritanismo (ou o quão forte ele pode ser mandado pras cucuias) de um cara com o nome que tem fazendo um filme como esse. Até pelo ênfase no “X” do trailer, espécie de código para a pornografia, não dá pra esperar meias-palavras.
Ps: Sasha, cujo nome verdadeiro é Marina Ann Hantzis, é natural de Sacramento, Califórnia. Mas há quem diga que na verdade (não são poucas as matérias sobre o assunto por aí) ela é brasileira – do Ceará.

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Mentes Perigosas (1995), de John N. Smith
* Noite Americana, A (1973), de François Truffaut
* Lei do Desejo, A (1987), de Pedro Almodóvar
* Síndrome de Stendhal, A (1996), de Dario Argento
* Quem Quer Ser um Milionário (2008), de Danny Boyle (cinema)
* Garotas do ABC (2003), de Carlos Reinchebach

Imagens em: http://www.imdb.com/

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

Um comentário:

Roberto Cotta disse...

Brasileira??? E do Ceará???
kkkkkkkkkkkkkk

não estou conseguindo me conter. Essa, se for verdade, é a sacanagem do ano.