sábado, 25 de abril de 2009

O Leitor*



Banalizando boas intenções

O Leitor (The Reader, EUA/ Alemanha, 2008), de Stephen Daldry (Billy Elliot, As Horas), não é um filme sobre o holocausto, nem sobre a conseqüência dele para determinadas pessoas – embora esteja mais próximo disso. Por tudo que se passa na primeira meia-hora, e pelo tom dramático e altruísta trilhado com velocidade que só aumenta, O Leitor é uma história de amor com problema de incompatibilidade entre os ingredientes presentes nela.

Os dois apaixonados são Michael (David Kross novo, Ralph Fiennes adulto) e Hanna Schmitz (Kate Winslet – acima da média e nada de anormal como em outras vezes). Depois de um primeiro contato casual, eles se envolvem e vão construindo uma relação, embora pouco conversem sobre eles. Essa supressão de parte do caso entre os dois é inicialmente compreensível, até porque ele não é sustentado por ela. Como percebemos, os dois estão juntos graças a leitura (dele para ela) e sexo (“dela para ele”). “Primeiro você lê, depois a gente transa”, diz Hanna.

O problema é que tanto a leitura como o sexo não transmitem o fervor que brota dessa relação, e que reverbera no futuro. Daldry filma muitas cenas onde deduzimos haver sexo, e ele chega mostrar um nu frontal – num momento bonito entre os dois, e compreensivelmente sem tesão. O ponto é que o tesão não aparece de verdade em nenhuma cena, o que é triste, uma vez que ele ajudaria a nos convencer da força de uma relação que tem como um dos dois pilares mais claros justamente o ato da transa. Nas brigas, que não são poucas nem de intensidade pequena, também não há uma construção necessária que justifique tamanho conflito. Não existe nem uma possível troca, válida para o caso, de tensão transformada em sexo e/ou tesão durante a briga.

Claramente dividido em três atos (relação, julgamento e consequências), temos uma brusca transição da primeira para a segunda, quando o filme começa a engrenar num investimento maior no ser humano do que apenas na sua vontade. Em raro (e simples) bom momento sobre gente, mexendo com pessoas até hoje julgadas sem se ter ideia clara do contexto de cada um na época, vem a pergunta: “O que o senhor faria (no meu lugar)?”. Ainda como consequência do julgamento, O Leitor joga com o orgulho, que pode ser mais forte que o amor à própria liberdade.

A essa altura, percebemos a disposição do filme em mergulhar em tudo de pouco lógico que existe naquele que ama – mesmo que ele tenha falhado em melhor construir a relação da qual ele fala. Como o término do caso que trata não foi forte o suficiente para se justificar uma completa falta de contato entre ambos por tanto tempo, fica difícil entender até que ponto vai a reciprocidade e o amor de cada um (teoricamente de apenas um verão). Mas, embora falte informações que talvez tornassem o filme ainda mais didático (como infelizmente em momentos de decisões dramáticas), fica mais fácil tentar entender pela quantidade de vezes que vemos o casal na tela (o tempo quase todo da primeira parte).

Essa falta de sensações (que não nos atinge), apesar de questionável, se torna relativamente funcional na última parte. Se O Leitor cambaleia na sua tentativa de mostrar a força da relação no começo, seu trecho final consegue mostrar o amor não mais ligado ao sexo, agora inexistente (dentro da tela), mas conectado com marcas da memória no presente, com a capacidade de ver e lembrar, de ler e sentir, de ouvir e aprender.

Cheio de boas intenções, com direito a uma tentativa de redenção, o filme chega a um final agridoce, que busca falar do amargo de não se dominar o destino, mas lembra o gostoso do passado com momentos felizes. Nesse percurso, demonstra carinho pelo fato de contar histórias, e do poder que elas podem ter. O porém é a superficialidade dessa boa intenção, dentro de outra – com uma pouco comum protagonista “vilã” do holocausto, embora com quase “obrigatório” momento “heróico” (Oskar Schindler vem a mente) – estar também no resultado final – a última cena é mais óbvia e simplória do que bonita e corente. Terminada a sessão, fica claro que o riquíssimo e já pisoteado pano de fundo serve apenas para a tentativa de potencializar uma história que nunca se sustenta pela força que procura ter.

Filme: O Leitor (The Reader, EUA/ Alemanha, 2008),
Direção: Stephen Daldry
Elenco: Kate Winslet, Ralph Fiennes, David Kross.
Duração: 124 minutos

8mm
Cinema é com gente

Quarta-feira, sessão das 18 horas. À minha frente, colado à porta da entrada da sala, vejo o cartaz de Território Restrito, filme com Alice Braga e Harrison Ford. Antes de mim, entra um casal.
- Esse filme é bom. Com ‘Xim Sturgix’, diz ele. E, olha, com a sobrinha de... como é mesmo o nome dela? Sonia Braga – ele responde à própria pergunta.
- É, rebate ela.
- Ela tá fazendo sucesso lá fora, viu. Mais do que a tia.
- Pra você ver, hein?!
Os dois entram na sala. Vou pelo outro lado. Vejo que eles procuram um lugar na primeira fila de cima para baixo. Procuro um assento um pouco mais pelo meio, onde não vejo ninguém – a sala tem pouca gente. Como ainda faltam dez minutos pra o filme, ligo o mp3. As luzes começam a se apagar, desligo. Ouço uma conversa atrás. Deduzo que sejam eles.
- Não se importe com isso. Quem vai pagar não sou eu?, vem a voz machista.
- Ah, mas...
- Não se preocupe, já disse. Você não vai pagar nada.
Ela silencia. Como ele, que depois quebra o silêncio.
- Você acredita que eu já fui pro cinema sozinho?!.
- Sério?
- Sério. Em Salvador. Há muito tempo. Eu cheguei, aí chegou um casal, depois outro casal. Fiquei sem graça.
- Mas mesmo assim você ficou?, questiona ela, com voz atônita.
- Fiquei.
- Ah, eu não ficava não. Eu ia embora. E se tivesse pouca gente e alguém saísse, eu ia sair também. Vou ficar sozinha no cinema nada!
- Ah, mas eu terminei saindo no meio do filme.
- Pois é. Cinema foi feito pra ver com gente.
Eles silenciam. Antes de as luzes se apagarem por completo, olho pra trás por pura curiosidade instintiva. Só os dois estão atrás de mim. Ele olha para frente, ereto, com os braços apoiados no suporte da cadeira. Ela o agarra como se ele fosse o único ponto onde ela pudesse se apoiar, à beira de um precipício.
Dizem, ela nem sabia o nome do filme.

Ps: Passageiros, o dito cujo da sessão, exalou vontade de ser O Sexto Sentido, mas o cheiro mais forte foi o da enganação. Ah, assisti ao filme sozinho.

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* Último Beijo, O (2001), de Gabriele Muccino
* Amantes, Os (1958), de Louis Malle
* Easy Rider – Sem Destino (1969), de Dennis Hopper
* Homem Duplo, O (2006), de Richard Linklater
* Todas as Mulheres do Mundo (1967), de Domingos de Oliveira
* Passageiros (2008), de Rodrigo García (cinema)
* Leitor, O (2008), de Stephen Daldry (cinema)

* O Trombone, o corajoso semanário que publica(va) a coluna 70mm, passa por uma reforma e para de circular no momento – ainda sem previsão de volta. Mas, para não perder o pique e o costume, vez ou outra teremos texto por aqui, no mesmo formato. E na torcida pelo retorno daquele "que não desafina".

2 comentários:

heron disse...

kkk me identifiquei com teu "conto" rsrs... eu sempre fico desajeitado quando vou ao cinema sozinho... cinema de fato foi feito pra ir ver junto... mas ser cinéfilo tem seus problemas, nem sempre tem gente afim de ver tantos filmes e gastar tanta grana rsrs

sobre o leitor, não vi sequer um lampejo de interesse nele... como vc disse, merda de filme frio! não gosto muito desses filmes que colocam um problema moral sem nenhuma filosofia... pôr Kate Winslet de pobre-nazista, recuperando aquele julgamento real daquele nazista lá [esqueci o nome dele], me pareceu pura covardia, já que a moça chora maravilhosamente bem.

.'.Gore Bahia.'. disse...

Diz aí se a vencedora do Oscar não precisa dar uma ajeitada estética naqueles peitos. heuahea

Enfim, saudade de vir ler aqui. A dissertação tá me consumindo, e o blog me consumiu ao ponto de eu ter que mudar, tô indo pro wordpress kkkkkkkkkkkkkk

Gostei das suas notas, mas acho que O Leitor mereceria até mais que Slumdog... Slumdog me agradou muito na primeira vez que vi, depois me decepcionou um pouco, à segunda vista. The Reader é mais equilibrado. Embora o livro, como sempre, deve ser melhor.

Tô em Vitória-ES, acho até que vou dar um saque no cineclube da UFES. Abç!