sábado, 14 de março de 2009

John Alonzo: O Homem que Fotografou Chinatown*



Filme, personagem e homenagem

John Alonzo: O Homem que Fotografou Chinatown, (The Man Who Shot Chinatown: The Life and Work of John A. Alonzo, ALE, 2007), de Alex Schill, pode suscitar longos e interessantes debates numa mesa de bar – apesar de não somente aí, com boa vontade. O porém é que esses debates, contudo, não são reflexos de questões levantadas pelo filme, mas sim de pontos esquecidos ou negligenciados – quando não corpos estranhos.

Como o título indica, o documentário trata da vida e obra de John Alonzo, “que fotografou Chinatown”, de Roman Polanski. O interessante é que o próprio nome original já coloca o personagem abaixo de um filme, como se o fotógrafo só existisse graças àquela obra específica que filmou – mesmo que ele tenha sido mais que isso.

Desde o início, O Homem que Fotografou Chinatown investe naturalmente em muito do que Alonzo fez, na e pela fotografia de cinema, mas também em sua vida pessoal, num recorte que nunca fica muito claro, deixando a impressão de que se queria abordar tudo na vida dele, do trabalho como zelador à crise no casamento. Em meio a essas abordagens e a essa falta de definição sobre o que falar e não falar, entra uma questão aberta quando se comenta Chinatown e que é ignorada no resto do filme: até que ponto o mérito das imagens mostradas são do fotógrafo? Qual o conhecimento de câmera e iluminação do diretor? Qual a contribuição teórica e prática de ambos para o resultado final?

Não se trata aqui de responder essas questões no documentário, pois seria necessário reunir toda a equipe do filme e tentar fazer com que todos eles se lembrassem do percentual de contribuição de cada um para cada cena. Ou seja, além de mexer com a sempre fantasiosa memória, muita gente teria que ser ressuscitada. Sendo isso impossível, soa oportunista entregar (extra) oficialmente o mérito do que se vê na tela ao personagem do filme.

O curioso é que esse aparente oportunismo se torna irônico quando sabemos (ou descobrimos) que Alonzo não foi a primeira opção para Chinatown e, como o próprio filme deixa claro, seu trabalho criativo foi limitado um bocado por Polanski. O filme parece dizer: “Olha esse trabalho de Alonzo, que bonito... olha o de cá, bom também... e esse outro, que beleza. Ah, mas o de cá é outra maravilha, como era o bom esse rapaz... e o daqui, olha o daqui. Tá vendo? É por esse que ele é mais conhecido... Mas, olha, aqui ele não fez quase nada”.

Lógico que Alonzo teve importância e o filme mostra parte dela, com acervo de imagens e de entrevistas razoável, além de parte de depoimentos do próprio Alonzo. “Eu quero ser o melhor diretor de fotografia de Hollywood em muito tempo”, chegou a dizer. Bom ele foi (ainda trabalhou, entre outros, com Brian de Palma em Scarface), veio com novas idéias e mudou um pouco o jeito de se filmar em Hollywood – e o filme mostra muito disso, no seu ponto mais alto.

Por outro lado, em meio a esse legado técnico-inventivo, o filme perde um tempo completamente desnecessário para se falar sobre a família de Alonzo e suas filhas, com as quais ele não tinha boa relação – se separou desde cedo e morreu sem se reconciliar com duas de três delas. Vemos parênteses grandes para se falar sobre o assunto e a vida pessoal dele, no que soa como um encarte da revista Caras no meio de um protótipo de Cahiers du Cinéma.

O problema de recorte e um certo desleixo para manter uma idéia coerente com a ligação entre mérito, talento, arte e coletividade parecem ser os maiores reveses aqui – não tenho pretensão nenhuma em fazer essa ligação. Mesmo que percebamos algum material interessante (com uma naturalmente não explicada falta de entrevistados que poderiam acrescentar mais – o que é ligado diretamente à falta de recorte definido), o resultado não está à altura do personagem, que tanto fez pelo que foi utilizado para se falar sobre ele. O que poderia ser um cruzamento de homenagem com metalinguagem (ou outra coisa diferente, desde que definida e assumida) se transformou num trabalho que não chega perto do potencial. Uma pena.

Ps: Retrocesso na voz, ida ao cinema vetada. Até queria ver Operação Valquíria, mas...

Filme: John Alonzo: O Homem que Fotografou Chinatown, (The Man Who Shot Chinatown: The Life and Work of John A. Alonzo, ALE, 2007)
Direção: Alex Schill
Elenco: John A. Alonzo, Roger Ebert, Richard Dreyfuss, William Friedkin.

8mm
Se Eu Fosse um Grilo Feliz
O site FilmeB divulgou na terça-feira (10) as maiores bilheterias nacionais do ano. O Menino da Porteira (com o cantor Daniel), de Jeremias Moreira Filho, era o terceiro, com R$ 128.090,00; a animação Grilo Feliz 2, de Walbercy Ribas, o segundo, com R$ 197.119,00; e Se Eu Fosse Você 2, de Daniel Filho, de outro planeta: R$ 5.479.985,00. Ou seja, seriam necessários mais de 27 Grilos Felizes (sic) pra se chegar a Se Eu Fosse Você 2. Haja indústria, alegria...

Fazem falta
Sábado passado (7), dia da publicação da coluna – seguinte ao que terminei de escrevê-la –, foi o décimo aniversário da morte de Stanley Kubrick. É difícil falar algo não dito sobre ele, mas, pelo menos pra mim, depois de assistir a um filme de Kubrick (coisa que pela primeira vez não faço há meses, veja só) sempre fica a pergunta: como alguém tem a audácia de fazer cinema depois do que esse cara já fez?
Nesse sábado (14), exatamente uma semana depois, Glauber Rocha completaria 70 anos. Pessoalmente, embora goste especialmente (mas não só) de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, nada do que ele fez (e que eu já tenha visto) me atrai desesperadamente, e muito do que ele defendia, e como defendia, me incomoda. Mas não dá pra deixar de lembrar de Glauber, e de como ele deve ter pesadelos no túmulo, quando vemos Se Eu Fosse Você 2 arrecadando como 27 grilos felizes.

Vistos e/ou revistos durante a semana:
* M – O Vampiro de Dusseldorf (1931), de Fritz Lang
* Cleópatra (2007), de Júlio Bressane
* Sem Fim (1985), de Krzysztof Kieslowski
* Barton Fink (1991), de Joel (e Ethan) Coen
* Os Bons Companheiros (1990), de Martin Scorsese
* Instinto Selvagem (1992), de Paul Verhoeven
* John Alonzo: O Homem que Fotografou Chinatown (2007), de Alex Schill

Imagens em: http://www.guardian.co.uk/ e http://www.voltairenet.org/

* Coluna 70mm originalmente publicada no jornal semanário O Trombone – Itabuna-BA.

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