sexta-feira, 25 de junho de 2010

Um Homem Sério*




Desinteresse ultrapassado

Três das palavras que sempre remetem aos irmãos Coen (Fargo, Onde os Fracos não têm Vez, Queime Depois de Ler) – e que estão longe de serem as únicas – são cinismo, pessimismo (ou fatalismo, a depender do ponto de vista) e humor. De maneira bem característica e específica, os dois nos acostumaram, por exemplo, a não ver uma comédia facilmente identificável como tal, mas um filme que provoca o riso típico do que é assinado por eles. Esse caráter bem próprio vem anabolizado em Um Homem Sério (A Serious Man – EUA, 2009), no qual eles parecem querer elevar à última potência tudo de disparatado que caracteriza o cinema de ambos – sem deixar de lado a força do acaso (cuidadosamente feito à maneira deles), o descaro, e a tentativa de fazer rir através de variações do absurdo. Com o importante adendo de que, dessa vez, nada funciona.

Os irmãos mostram todo seu sadismo na vida de Larry Gopnik (bom Michael Stuhlbarg), e todo o prazer em serem meticulosos ao enquadrar no resto da projeção. O culto ao nonsense, ao invés de interessante – entre outros motivos – pelo imprevisível, chega a um nível tão elevado que o efeito obtido passa a ser apenas o colateral.

A vontade de mostrar o não narrativo, o que está ali apenas porque eles querem (e não porque ajuda no desenrolar da história), o pouco imaginável para tantas pessoas e em tantas vezes, leva o filme a uma espécie de arbitrariedade excessiva, o que leva a uma quase apatia. Nesse sentido, Um Homem Sério se mostra como o filme do desinteresse – mas não, como talvez tenham pensado os irmãos, sobre pessoas desinteressadas com a vida fora do judaísmo, mas sim um filme desinteressado e que se torna desinteressante.

Se responder nunca foi um forte dos Coen (e muito do que de melhor existe neles vem do não responder), aqui eles não perguntam e nem provocam. Não se trata da zona de conforto do autor, mas sim do sublinhar o que os levam a ser vistos como tais, com o porém de que esse destaque torna as obsessões (do tema à abordagem) mais salientes que a força do resultado.

É verdade que abertura e fechamento, com a ideia aberta ao funesto, trazem uma muito bem vinda ironia ao ouvirmos Somebody to Love. Em meio à maluquice onde vivem, é válido perguntar: você não quer (ou não precisa de) alguém para amar?

No entanto, é lamentável que, no restante do filme, a impressão é de que eles não queriam alguém para amar, mas algo para filmar. Não encontraram – mas o fizeram mesmo assim.

Visto no Cine Vivo – Salvador, junho de 2010.

8mm
Enebriado
O português Manoel de Oliveira (Um Filme Falado, A Carta e mais algumas pérolas), independente de estar na ativa aos 101 anos, é e será sempre ídolo. Mas em Sempre Bela (2006) a sensação foi de alguém que, de uma vez, resolveu demonstrar seu (provavelmente eterno) estado enamorado por Paris, Luís Buñuel e a mise-en-scène. O melhor do filme está justamente nessa última, mas o potencial dele além dela (pouco maior que a homenagem e com consciência disso) parece ter se perdido em meio a tanta paixão.

Filmes da semana:
1. Um Homem Sério (2009), de Joel e Ethan Coen (Cine Vivo) (**)
2. A Infância de Ivan (1962), de Andrei Tarkovsky (DVDRip) (****)
3. Sempre Bela (2006), de Manoel de Oliveira (Espaço Unibanco – Glauber Rocha) (**1/2)
4. Índia, Amor e Outras Delícias (2006), de Pratibha Parmar (Cinema do Museu) (*1/2)

* Coluna 70mm também publicada no www.pimentanamuqueca.com.br.

2 comentários:

Gore disse...

Concordei completamente com a sua visão, mas continuo amando os Coen mesmo no que eles fazem por fazer quando não tem mais tema nenhum melhor pra trabalhar. Adoro o pessimismo dos caras e o final do filme é a maior representação da "vida" que eu já consegui visualizar no cinema. De humor resta pouco nos filmes dos Coen - antes, são filmes de fazer chorar. O massacre que eles fazem com o personagem principal neste "A Serious Man" eu só comparo a alguns momentos de massacre que eu vivi, e mesmo sendo um filme do tipo "o mínimo que eles conseguem", ou seja, de visível "pouco esforço", eu não tenho como deixar de notar que a percepção deles quanto à vida e a forma de retratar a realidade em filme continua sendo a mais fiel àquilo que pode ser chamado "realidade".

Leandro Afonso Guimarães disse...

Curioso que não conheço ninguém que achou o filme mais ou menos. Continuam cineastas interessantes, que levam a belas defesas apaixonadas de um filme como esse - pra mim horroroso com raros momentos ótimos. Poucos artistas causam isso, o mérito deles é inegável.